sábado, 30 de junho de 2018

Manietismo

"A capacidade de manietar os factos chegou ao seu apogeu. Hoje o que interessa não é a defesa pelas vias normais, justas e sinceras, mas sim o ataque controlado, dirigido e instrumentalizado.
Zezé é um menino muito feio e especializou-se, além de não pagar as constas, em criar manobras de malabarismo encenadas.
Percebendo que a convicção de acreditar em algo é directamente proporcional a uma descrição de factos pormenorizada, mesmo que eles sejam inventados, senta-se na sua carteira de escola velha e mofa e com os lápis de carvão começa a escrever uma história como se estivesse a elaborar uma redacção.
Sentado ao seu lado, está o elemento instrumentalizador, que, por estar ligado à autoridade e ao poder, se disponibilizou para servir de carril.
No entanto, qualquer encenação precisa primeiro de uma divulgação pública, porque permite duas coisas: a satisfação do ego de quem a faz e a criação da convicção na opinião pública de que tudo é verdadeiro e punível, o que hoje em dia é facílimo!
Munidos deste background, está aberta a via para a realização do passo seguinte: as folhas velhas e decrépitas, iguais a quem as escreveu, são introduzidas no sistema informático da bufaria, originando a criação de um kafkismo hilariante, a que habitualmente se designa por processo.
O sistema sabe quem podem ser os seus mais fiéis oradores, à imagem do corneteiro do rei que, antes de este chegar a qualquer lugar, soprava sofregamente uma corneta de lata para anunciar a sua chegada. Esse surgimento em cena seria sempre seguido de uma grande aparato, para meter medo e criar a convicção de que vinha defender o povo.
O passo seguinte à cornetada é a recolha desenfreada de informação, sem limites nem regras, acompanhada ao segundo pelos corneteiros do poder.
Para quem tem nível é difícil hoje em dia conseguir viver numa sociedade toda empestada pelo cinismo, violência, manipulação e baixeza. O que mais custa é quem tem a obrigação de mudar este estado de podridão nada faz e, bem pelo contrário, participa na manipulação."

Pragal Colaço, in O Benfica

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