"Campeão europeu no Benfica, desfez o mistério do chá de Guttmann; Nas Antas a «pantufada» e o comprimido
1. Nascera a 5 de Outubro de 1935 - estava a caminho dos 23 anos, jogava na segunda divisão, trabalhava o dia inteiro na fábrica de cortiça de Manuel da Luz Afonso. No defeso da época de 1958/59, o patrão levou o Benfica a jogo ao Montijo, a sua ideia era que Otto Glória se encantasse por ele...
2. No final desse Montijo - Benfica, Otto correu a dizer que sim: que o contratassem na hora. Ofereceram-lhe 3 contos por mês, 8 era o que custava barato aparelho de TV. «Depois, o Sporting começou a pagar 4 contos, o Benfica foi atrás. Assim fui vivendo: a três ou quatro contos por mês e luvas de fazer rir. No primeiro contrato foram 15 contos de luvas, mas divididas em prestações de três em três meses...»
3. Os seus primeiros tempos na Luz foram sobretudo de treino específico: «para ganhar o músculo que não tinha» - e à sétima jornada do campeonato, Otto Glória deu-lhe a titularidade pela primeira vez, no Barreiro. O Benfica venceu por 3-1, não saiu mais da equipa - foi o ano em que o FC Porto ganhou o campeonato que fez história no «caso Calabote».
4. Duas semanas após a sua estreia no Benfica foi às Antas empatar 0-0 - e, mais de 20 anos depois, revelou a Jorge Schnitzer, em A Bola: «Fala-se muito termos sido bicampeões europeus à custa de doping, mas só uma vez fui drogado. Não foi sequer no tempo de Béla Guttmann. Era Otto Glória o treinador, estávamos a jogar com o FC Porto, Hernâni tinha-me dado uma pantufada que eu pensava que me tinha partido a perna, ao intervalo, o médico queria dar-me uma injecção - não quis. Disse-lhe que preferia que me desse antes um comprimidozito daqueles azuis - e, na segunda parte, fiquei com uma força que nunca mais parei. Foi a única vez».
5. Perdeu o campeonato para o FC Porto, ganhou-lhe a Taça de Portugal, esse seu primeiro título saiu do golo de Cavém aos 13 segundos. A época seguinte foi a do primeiro dos seus quatro campeonatos - já tinha ganho um dos cognomes que lhe marcaram a história: A Formiga do Benfica.
6. O caminho para a sua primeira final na Taça dos Campeões (em que bate o Barcelona) passou pela Escócia e no programa do Hearts-Benfica trataram-no como Senhor Movimento Perpétuo, por dar ao meio-campo o frenesim e a combatividade que lhe dava. A Jorge Schnitzer também o afiançou: «O chá do Guttmann não era doping, não! Só tomava o chá quem queria - nos treinos, ao intervalo, no fim. Eu bebia e ficava na mesma. E era o chá porque Guttmann não queria que bebêssemos água, que nos ficava a chocalhar cá dentro. Também não nos deixava tomar limão, a garganta secava-nos, parecia que morríamos».
7. Fez o percurso para lá, mas na final da Taça dos Campeões contra o Real, viu-se suplente do Cavém. «Suplente também fui na final de Londres que perdemos com o AC Milan. Aí, ainda levei 30 contos, pela vitória de Berna deram-me 22» - e a Guttmann tivera o Benfica de pagar 300 contos.
8. Schwartz não prescindiu dele ao lado de Coluna na final da Taça dos Campeões de 64/65 - «contra o Inter, a que tivemos muito azar, o Eusébio fartou-se de falhar golos». Foi a que o Benfica acabou com Germano à baliza por Costa Pereira se aleijar, tendo de voltar a Lisboa em cadeira de rodas. Mesmo perdendo, o prémio foi o maior de sempre: 50 contos - por cá havia Lamborghinis à venda por 545.
9. Guttmann regressou à Luz, pouco o utilizou - e, para a época de 66/67, Fernando Caiado levou-o para o SC Braga. «Na véspera do jogo em que ganhámos ao Benfica por 4-0, fiquei doente com um problema nos pulmões, o Caiado agarrou-se a mim a chorar, não renovaram comigo, por medo que eu estoirasse. Vim para o Montijo, ainda joguei três épocas. Tinha 33 anos, não valia a pena mais, só me davam 1100 escudos por mês».
10. Largou o futebol, o Montijo não. «Com o dinheiro que ganhei na boa, fiz um prediozito, ficou-me por 176 contos - e montei um café». Ao chegar-se a 1979, trespassou o café por 560 contos, por 60 arranjou lugar na praça. Levantava-se às cinco da manhã, ia a Setúbal esperar pelos pescadores, comprava-lhes o pescado - e, na praça, era raro não se ouvir de pai ou mãe para filho: «Ali, o senhor Zé, jogou com Eusébio, foi campeão europeu...»."
António Simões, in A Bola
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