quarta-feira, 23 de maio de 2018

E depois da final da Taça de Portugal? De novo, o tema da saúde mental em cima da mesa

"Imagine.
Imagine que mora numa rua simpática com uns vizinhos amistosos. Está um dia quente de um verão que já se anuncia e resolve, por isso, convidar uns amigos lá para casa... Os amigos e vizinhos de sempre, com quem passou já bons momentos e ultrapassou outros menos simpáticos...
Imagine que as pessoas começam a chegar – mas não são apenas pessoas... São “as suas pessoas”, que o conhecem desde sempre... Começam a chegar e a colocarem-se confortáveis... Alguns deles, começam inclusive a trocar de roupa para ir dar “aquele” mergulho na piscina... Outros, os que tardam sempre um pouco mais, começam também a chegar.
De repente ouve um estrondo, gritos, muitos gritos e ameaças no ar, o ruído torna-se ensurdecedor e os gritos mais perto... De repente, os gritos são já de alguém familiar... No aparente “conforto” e segurança da sua casa, instala-se o caos... Sem se aperceber está já no chão... Parece que alguma coisa o acertou e derrubou... Procura com os olhos as “suas” pessoas e, por mais que tente, não consegue ajudar ninguém...
Como eles, está a ser violentamente agredido por um grupo de sujeitos que, vociferando ameaças de morte, irromperam pela sua casa.
Este podia ser o trailer (muito leve e afastado da dura realidade) do episódio vivido pelos atletas, equipa técnica e staff do Sporting no passado dia 15 de Maio.
Em Portugal, possivelmente, apenas estes homens poderão algum dia relatar o que é viver um episódio desta natureza – digno de uma realidade longínqua talvez só equiparada aos cenários entre gangs ou de guerra por esse mundo fora. Relatar como se sente alguém ser agredido do nada, na sua casa de sempre, impotente para ajudar ou ser ajudado, porque por onde quer que possa pedir ajuda, ninguém o pode ajudar - todos estão a ser vítimas do mesmo ato cobarde e hediondo.
Apenas podem esperar que cesse. E como se tornam longos os minutos nesta espera.
Jogou-se a Taça.
O Aves ganhou.
Coitados dos atletas do Sporting. 
Afinal, o Aves não vai poder ir à competição – vai o Sporting.
Começou o estágio de Selecção.
Irá começar o Mundial.
“Incha, desincha e passa” – diz o ditado e poderá vir a dizer a realidade dos factos.
Assim que se instale o “fenómeno” do Mundial, grande parte da situação cairá no esquecimento – desde sempre tem sido assim e, se as devidas organizações não assegurarem que a responsabilidade dos factos será apurada ... assim será.
E da saúde mental destes Homens a médio-longo prazo? Quem quer saber? Quem será responsabilizado?
Episódios de extrema violência (que se enquadram no que poderíamos designar por “incidentes críticos de vida”), caracterizados por uma alteração emocional profunda, com marcada sensação de choque, medo (de ameaça à integridade física, de morte) e ansiedade são, demasiadas vezes, os percursores da possível instalação de quadros de stress pós-traumático no futuro.
A aparente superação da situação, a curto prazo, não indicia sequer, que a possibilidade de vir a sofrer de stress pos-traumático esteja afastada – por vezes, até se trata precisamente do inverso.
De facto, se avançarmos a linha do tempo e, ainda que todos eles, aparentemente, tenham ultrapassado o episódio, é importante que os próprios (as suas famílias, os staff’s e equipas onde se inserem) estejam atentos à manifestação (ou instalação, por vezes, gradual) de determinado tipo de sintomas de natureza ansiogénica.
Episódios de raiva, irritabilidade e revolta (ou seja, labilidade emocional), que podem ser amplificados por insónia recorrente e flashbacks (sensação de se estar a reviver tudo de novo), entre outros sintomas, acabam por, pontualmente, comprometer a qualidade de vida, a capacidade em estar bem consigo próprio, com os outros e com o mundo – traduzindo-se, no caso de atletas/treinadores, num acentuado decréscimo em termos de performance, resultante da deterioração da qualidade de descanso, das suas relações pessoais e vida em geral.
Contudo, aqui, estarão sozinhos pois já ninguém se lembrará e, em boa verdade, apenas para eles não “passará”.
Apurar responsabilidades não deve ser um ato isolado e a curto prazo (já de si, sempre difícil): deve sim ser um exercício a curto, médio e longo prazo, atendendo a que as consequências também o serão."

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