"Não é só essa peripécia que faz história nos seus jogos do Benfica contra o FC Porto; Aos 18 anos, o Pelé no bolso
1. Nasceu em Cedofeita, filho de um operário metalúrgico - e para compor o orçamento lá de casa a mãe lavava roupa para hospitais. O jeito para os jogos de bola na rua, percebeu-se-lhe depressa - e descalço os fazia todos, dinheiro não havia para sapatilhas (e ainda menos para estragar sapatos).
2. No recreio da Escola São João não eram proibidas apenas as bolas de borracha, também eram proibidas as de trapos. Havia, porém, nele e nos amigos, forma de fintar o interdito: era jogar-se às escondidas, chutando batouques de cortiça das pipas de vinho que para a escola se levavam no fundo das malas - e tinha um sonho: ser como José Águas.
3. Algures pelos 13 anos atreveu-se o treino no Leixões - e logo lhe deram contrato a assinar. Levou a papelada para casa, a mãe manteve firme ideia que já lhe passara: não o querer no futebol a sério para não estragar os estudos. E o pai fez o mesmo. Decidiu ir estudar à noite - para ter dinheiro para ir ao cinema ou mais que fosse. Empregou-se numa fábrica de tinturaria, ao trabalho entrava pelas cinco da manhã - e os estudos continuavam de vento em popa.
4. No Ramaldense (onde o pai jogara hóquei em campo) encantaram-se por ele. Ao saber o que sucedera com o Leixões, director tanto se empenhou na missão que convenceu o pai a autorizar-lhe a inscrição nos juvenis. Não tardou receber convite para o FC Porto, no FC Porto, Artur Beata tratou, de pronto, de dar-lhe papelada a assinar. O pai, que era boavisteiro, perguntou-lhe: «Então e dinheirito, nada?». Baeta, sabendo que a mãe era portista, brincou: «Tira-se foto do rapaz equipado à FC Porto para dar à senhora» - e apanhou em remoque: «E a gente vai comer a fotografia, é?!»
5. No Ramaldense era avançado-centro que às vezes ia para a defesa - e Custódio Antunes, dono de uma fábrica de conservas de Matosinhos, pôs-lhe o Benfica na rota, o Ramaldense recebeu os 40 contos que queria pela carta, ele teve direito a 25 contos de luvas. Acabara de fazer 16 anos, estava-se em 1966 - e com o primeiro dinheiro do Benfica comprou um apartamento para os país.
6. Otto Glória regressaria a treinador do Benfica - e, como Humberto Fernandes andava em complicações para renovar contrato, levou-o para central na equipa que foi em digressão ao Brasil. Estreou-se nela a 8 de Agosto de 1968 contra o Clube de Remo de Belém do Pará. Dois dias depois, contra o Santos, manteve-se a titular. Coube-lhe marcar Pelé, Pelé não marcou nenhum golo - e logo se disse: é novo Félix, e novo Germano. Foi mais - e por duas vezes haveria de ser chamado à Selecção da Europa.
7. O campeonato de 1971/72 abriu contra o FC Porto nas Antas. O avô andava pelos 80 anos, nunca o vira jogar, quis vê-lo. Para evitar confusão das bancadas, ele pediu a Hagan que o deixasse ficar na zona do banco, Hagan deixou - e o avô vendo-o sair do campo aos 55 minutos espantou-se. Explicou-lhe que fora expulso e muito a custo evitou que fosse tirar satisfações do árbitro - e o Benfica ganhou 3-1.
8. Mais épico o que fez contra o FC Porto na época seguinte: a 15 minutos do fim, o Benfica perdia por 2-0, ganhou por 3-2, graças a golo que marcou nos descontos, num sublime golpe de cabeça, seu sinal de marca. Não fora isso e não teria sucedido o que sucedeu: o Benfica campeão sem derrotas, com dois empates apenas (um deles contra os portistas).
9. Aos 23 anos e 208 dias tornou-se capitão da selecção, Ronaldo só o foi antes porque Scolari quis satisfazer, sentimental pedido que Carlos Silva, lhe fizera à beira de morrer.
10. Em 1975 foi contratado pelo PSG - e muito do tempo por Paris passou-o infernizado por lesões. Ainda assim, o PSG acertou vendê-lo ao Internacional de Porto Alegre por 10 mil contos. Não era o que queria, exigiu para si o que sabia que não lhe dariam - e não lho dando regressou à Luz.
11. Antes de eliminar a Roma, João Paulo II recebeu dele bola autografada. O Papa abençoou o Benfica, não bastou para lhe dar a Taça UEFA que o Anderlecht lhe levou. Com o Euro 84 à vista, num treino da selecção, sofreu a lesão que o incapacitou para o futebol. Tinha 32 anos - e já se tornara eterno."
António Simões, in A Bola
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