"Depressa se percebeu ao que vinha. Ao mínimo toque de um jogador do SL Benfica num adversário, o som estridente do apito fez-se ouvir. Em bolas divididas pelo ar, na marcação de cantos a favor do Tetracampeão ou em disputas junto à linha, não havia que enganar. Artur Soares Dias vinha com a lição bem estudada: não queria errar. E estava no seu direito, pensei eu nos primeiros minutos do clássico. Dei-lhe o benefício da dúvida, coloquei-me no seu lugar e entendi que não quisesse falhar na sua profissão.
Só que a história não foi bem assim. Quando as jogadas foram ao contrário, Soares Dias esqueceu-se de apitar, mandava seguir o jogo, indiferente a protestos. Foi nesse momento que percebi que estava a ser ingénuo. Afinal, ele não estava ali para não errar, estava ali para assegurar o seu bem-estar e o da sua família. É duro ter de escrever isto no século XXI num país livre e democrático, mas é a verdade.
Desde a invasão ao Centro de Treinos dos árbitros, na Maia, em Janeiro do ano passado, que a temporada de Soares ficou afectada. Um bando de arruaceiros ligados a um grupo organizado de adeptos do FC Porto ameaçou este e outros árbitros, numa demonstração de cobardia e desespero típica da década de 1980 do futebol português. É óbvio que alguém que vê a sua integridade e a da sua família ameaçadas não pode estar focado a 100% na verdade desportiva. É triste que tenham ficado por marcar gravatas, obstruções e agarrões.
Não quero com isto dizer que foi por isso que o SL Benfica não ganhou o clássico. Quero só dizer que entendo muito melhor o facto de não haver árbitros portugueses representados no Mundial da Rússia. E ainda bem."
Ricardo Santos, in O Benfica
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