terça-feira, 17 de abril de 2018

A alcateia dos lobos vermelhos

"Um dúzia no Campo Grande. Ficou para a lenda do futebol em Portugal. À 5.ª jornada o Benfica recebeu o FC Porto e venceu por 12-2. Nunca tal se tinha visto e provavelmente nunca mais se voltará a repetir.

Houve um dia. Há sempre um dia. Um vento brando no Campo Grande. Enfunava as camisolas dos jogadores do FC Porto quando o jogo começou.
Tinha uma bela linha avançada esse FC Porto: Gomes da Costa, Correia Dias, Pinga e Araújo.
Tudo gente finíssima.
Mas o Benfica tinha Julinho, Teixeira e Valadas.
E o enorme Francisco Ferreira.
Dia 7 de Fevereiro de 1943.
Ninguém esperava por uma tempestade por entre o clima ameno e o vento brando. Um tufão vermelho.
Na véspera, os ingleses tinham lançado um ataque sobre a Renânia do Norte-Vestafália. A II Grande Guerra ia a caminho do fim.
Valadas chutava a potência de um canhão: 4 minutos faz 1-0. Os jornais escreveram: 'Um shoot fortíssimo'.
Houve uma chuva de golos debaixo de um céu limpo.
Tantos e tantos golos: catorze. Nunca se vira. Não mais se viu. Provavelmente nunca mais se verá.
A primeira meia hora ficou limitada ao golo de Valadas, vejam bem. Caberiam 13 golos numa escassa hora? Couberam. Foi incrível!
29 minutos: 2-0 por Valadas.
Os portistas são abalados nos seus alicerces. Até aí tinham equilibrado os acontecimentos. A partir daí soçobraram.
38 minutos: cabeçada de Teixeira à barra; a bola cai a pique sobre o guarda-redes Mota, este atrapalha-se, agarra-a, mas cai com ela para dentro da baliza. 3-0.
4-0 por Manuel da Costa de penalty a três minutos do intervalo.
O Benfica tinha a vitória assegurada. O que iria seguir-se entrou para a história do futebol em Portugal. Primeiro para a história; depois para a lenda.

Uma fome de golos
Criticou-se muito a defesa azule branca. Que não esteve ao nível do seu ataque. O FC Porto criou algumas oportunidades. O Benfica concretizava-as.
Uma eficácia assustadora.
Querem uma prova: aos 46 minutos, Alfredo faz golo na própria baliza. 5-0.
Já era uma goleada gorda. Uma fome de golos tomou conta dos jogadores encarnados. Uma fome digna de Pantagruel e do seu filho Gargântua. Uma fome rara, voraz, insaciável.
No minuto seguinte, Póvoas reduz, mas é um raio de sol na água fria.
Aos 7 minutos do segundo tempo - 6-1, golo de Julinho.
Os defesas do FC Porto pareciam vimes ao vento, tremendo por todo o lado.
Os atacantes do Benfica pareciam lobos atacando em alcateia, entrando por todo o lado.
O sétimo golo é de Manuel da Costa, de penalty por mão de Guilhar dentro da sua grande área.
O público entusiasma-se. Tudo indica que estão a assistir a algo de inédito. Abrem os olhos de espanto perante a correria ansioso dos jogadores da casa. Parecem processos.
Em dois minutos, dois golos de Julinho. 9-1.
Braços caídos por entre os homens da Invicta. Abalados. Derrotados. Nunes é expulso. A reacção tornou-se impossível. Nada fará suster o ímpeto do furacão vermelho.
Araújo, num último gesto de revolta, faz 9-2.
Os minutos esgotam-se nos ponteiros dos relógios. Julinho marca o décimo. O décimo!? Muitos nem acreditam. Ou pura e simplesmente perderam-se nas contas.
Francisco Ferreira, o grande, remata de longe, colocado, potente, inflamado: um golo lindo, límpido. 11-2.
Em seguida mas dois golos de Manuel da Costa. Ambos anulados pelo árbitro Vasco Ataíde, vindo de Coimbra.
38 minutos da segunda parte: 12-2 por Teixeira.
Ainda falta para o apito final, mas os lobos vermelhos parecem saciados.
Dois meses mais tarde irão ao Porto vencer por 4-2.
Serão campeões. Dificilmente o terão merecido tanto."

Afonso de Melo, in O Benfica

1 comentário:

  1. Pudera não!
    Ainda não ameaçavam os árbitros e as famílias destes. Ainda não se jogava luta livre num campo de futebol. Os Calheiros, os Fortunatos, os Proenças, os Chistras, os Dias e tutti quanti ainda não mamavam no apito... Doze a dois na pá!

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