sábado, 3 de fevereiro de 2018

Superação

"Conheci o Jacinto em plena selva da Gorongosa. Foi-me apresentado por um director do Parque Nacional na primeira visita da Fundação Benfica para preparação de um novo projecto com as crianças e escolas daquela região fustigada por duas guerras, uma colonial e outra civil. Por ali, as feridas de guerra não estão ainda esquecidas, as tensões militares ainda existem e são bem reais, mas a vida é pacata e o povo espalha sorrisos onde se misturam estranhamente (a olhos europeus) pobreza e alegria. Não sobram dúvidas a quem chega de que ali o pão é arrancado aos dias com esforço e imaginação. Os sorrisos, esses, brotam antes das palavras e espalham-se por todo o lado de forma contagiante.
O Jacinto é um jovem talentoso que mistura a sua profissão com um gosto pessoal pelo desporto. Por isso, de entre o muito que me disse, enfatizou que tinha corrido a primeira 'Maratona da Selva', na realidade uma prova de 12 Km pelas picadas da Gorongosa, capaz de arrancar suor como os mais difíceis corta-matos cá da terra. Ok, disse eu a despachar, parabéns. E seguimos conversa. Levou-me a conhecer as reservas de geologia e paleontologia do vasto programa de investigação que a Fundação Carr ali está a desenvolver. Movia-se agilmente e falava apaixonadamente do seu trabalho e daquele grande projecto. Espalhava aquele alegria de viver que os moçambicanos deviam ensinar ao mundo e que não faz depender a felicidade humana da abundância material. Falava sem parar, do que faziam os veterinários, da reintrodução de espécies no Parque, da fantástica oportunidade que era para os jovens moçambicanos trabalhar ali entre os melhores a fazer estudos no estrangeiro.
Depois veio o Benfica e avivou-se a chama. Disse-lhe quem era o porque estava ali, e o Jacinto desatou a falar ainda mais. Entrámos pelas paixões do grande jogo e pelo que podemos fazer com elas junto das crianças. Falámos do campeonato e de projectos de vida, saltámos temas numa conversa breve, mas acesa. Despedimo-nos com um abraço, já amigos. Só então olhei para os pés!"

Jorge Miranda, in O Benfica

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