sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Sporting e Benfica, ou quando os opostos se tocam

"Carlos Bilardo é um homem daqueles à antiga.
Orientou a selecção argentina em dois Mundiais, alcançou um título de campeão e outro de vice-campeão. Tudo isto numa selecção que não era nada de especial. Mas que tinha Maradona.
Bilardo soube capitalizar o talento do astro e montar uma equipa eficaz à volta dele.
Um dia, por exemplo, disse que os jogadores de futebol exigem sobretudo paciência. «São como as mulheres: se te dizem que não a determinada posição, o melhor é não insistir.»
Com humor e atrevimento, sublinhou a marca que o distingue: nenhum esquema táctico ou estratégia é mais importante do que o jogador. No fundo eles é que ganham os jogos.
Ora é impossível não pensar nisto quando olho para o Sporting de Jorge Jesus.
Ao contrário de Bilardo, o treinador leonino insiste no erro. Esta temporada, virou o futebol da equipa do avesso e arriscou um jogo mais longo. As jogadas começam quase sempre num lançamento para o ataque, à procura do jogo aéreo do avançado, para este ganhar de cabeça e lançar a velocidade de um dos extremos.
O lançamento parte quase sempre de Rui Patrício, mas pode partir também de Coates ou Mathieu, como tantas vezes se viu, aliás, na última quarta-feira no Dragão.
Recordo-me que esta ideia correu bem em Turim, frente à Juventus, num jogo em que o Sporting marcou cedo e viveu de transições rápidas: Bas Dost ganhou muitas vezes a bola nos ares e a partir daí o Sporting chegava ao ataque em apenas três toques.
Depois desse jogo, porém, tem sido um fracasso. Foi a ruína do Sporting, na Luz, por exemplo, num jogo em que foi gritante a incapacidade leonina para segurar a bola: cada lançamento para o ataque era uma posse dada ao adversário. Que a partir daí cresceu e cresceu.
Encheu-se de confiança e de certezas, até ser melhor do que o Sporting.
O problema, porém, não esteve só na Luz: esteve numa série de jogos em que o Sporting insistiu neste tipo de jogo. Lembro-me que frente ao FC Porto, em Braga, Jorge Jesus até se irritou com Rui Patrício por este não fazer um lançamento longo que o treinador exigia.
O problema é que este futebol não funciona. O Sporting perde demasiadas bolas, não estrutura bem as jogadas, não se torna avassalador, como devia ser. Os jogadores enchem-se de dúvidas, perdem confiança, enfim. O futebol leonino tem sido uma bola de neve: cada vez mais problemas.
Por isso, e quase sem se dar por ela, já está igualado com o Benfica na classificação.
Ora o Benfica, precisamente, que tem sido o oposto do Sporting.
Jorge Jesus complica, Rui Vitória simplifica. Jorge Jesus cria, Rui Vitória aproveita. Jorge Jesus insiste, Rui Vitória condescende. Jorge Jesus valoriza a estratégia, Rui Vitória enaltece o jogador.
O Benfica lembra-me até uma frase de Zagallo que Vampeta costumava contar.
Aconteceu quando Zagallo treinava o Flamengo e era acusado de já não estar na posse de todas as capacidades mentais. Nessa altura o treinador chegava ao balneário antes dos jogos e dava o onze. 
«Ele começava ‘Júlio César, Alessandro, Juan, Ayala’... e aí alguém o corrigia ‘professor, o nome dele não é Ayala, é Gamarra’, ao que o Zangallo respondia: ‘Ayala, Gamarra, é igual, é tudo paraguaio’», contava Vampeta.
Esta simplicidade de colocar as coisas, esta genuinidade, faz-me sorrir, mas sobretudo lembra-me que muitas vezes é importante ser singelo: quase corriqueiro.
O futebol não precisa de ser sempre uma coisa complicada: precisa de ter ordem, ideias e rotinas, mas precisa sobretudo de capitalizar o talento dos jogadores. 
O Benfica faz isso melhor do que ninguém.
Basta aliás olhar à volta e perceber como o futebol, esse jogo de rivalidades, é muitas vezes uma dicotomia: quando uma equipa está bem, o maior rival está mal.
Acontece com o Real Madrid, este ano, mas acontece também em Itália há várias épocas, com Inter e sobretudo Milan: quanto melhor está a Juventus, pior estão eles.
O que é normal, os jogadores veem o rival a ganhar, desmoralizam-se, enchem-se de dúvidas, perdem confiança e passam a render menos do que normalmente renderiam.
O Benfica, porém, já por duas vezes esteve no fundo do poço e em ambas conseguiu sair de lá.
O início da primeira época de Rui Vitória foi desastroso e o início desta temporada voltou a ser mau. O treinador andou na corda bomba, as notícias apontavam para a sua saída iminente, mas a verdade é que não deixou de ser ele próprio: o mesmo discurso, a mesma forma de trabalhar.
Sem se deixar influenciar pelas vitórias do Sporting, primeiro, e do FC Porto, depois, o Benfica foi levantando o pé do lodo, recuperando pontos, reentrando na luta pelo primeiro lugar.
Como o conseguiu? Fechando-se numa bolha.
Nesta altura é impossível não me lembrar de todas as vezes em que Rui Vitória se recusou responder a rivais, em que não comentou jogos de outras equipas, em que disse que não ia ver o Sporting porque ia jantar com o plantel ou que não ia ver o FC Porto porque ia estar com a família.
Não queria saber. Ponto.
O discurso do treinador encarnado pode parecer vazio, as observações tácticas podem parecer banais, a postura pode parecer trivial, mas a verdade é que a equipa apresenta resultados.
O que prova que ser simples também pode ser um dom: ao contrário do que Jesus pensará."

1 comentário:

  1. Sergio Pereira esqueceu-se de muitas diferenças...Rui Vitoria pode ser simples mas demonstra intelegencia, respeito pelos jogadores, valoriza os jogadores, quando perdem perdem todos, quando ganham todos tiverem merito...É O NÓS e não o EU!!!

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