"Teria feito 76 anos no passado dia 25 de Janeiro. Eusébio! Pode recordar-se tudo sobre Eusébio, que ele merece. Sobretudo a noite em que espatifou o Real Madrid.
Em Lisboa, no dia 24 de Fevereiro de 1965, o grande Real Madrid, o fabuloso Real Madrid, monstro dos monstros do futebol da velha Europa, foi reduzido a farrapos, a uma massa inerte de jogadores incrédulos: nunca tal sucedera em nove anos de existência da Taça dos Campeões. Por nove vezes estivera o Real Madrid na prova: por sete vezes chegara à final; por cinco vezes a vencera. Em Belgrado, em 1956, tinha sido derrotado por 0-3. Recuperara em Madrid: 4-0. Em Amesterdão tinha sofrido cinco golos do Benfica: mas Puskas marcara três. Desta vez contra os golos de Eusébio(2), José Augusto, Simões e Coluna, só Amâncio conseguira responder por uma vez.
- Eusébio es um fenómeno!, grita Martín Navas, da Rádio Nacional de España, aos microfones. O grito ouve-se por toda a Península Ibérica, se calhar por todo o continente.
- Eusébio es um fenómeno!
E o Eusébio ecoava por uma Espanha conformada, desiludida, acabrunhada frente aos ecrãs da televisão, de monco caído junto aos rádios a pilha.
E o Eusébio ecoava pelas redacções dos jornais da Europa e do mundo, cruzara as fronteiras, saltitava nos fios telefónicos, corria na volatilidade do éter.
- Eusébio es um fenómeno!
Aos 9 minutos já o Benfica vai ao seu próprio meio-campo receber um passe de Raul. Parecia que esse seu recuo, atrás da linha que dividia o relvado, tinha como intenção tomar balanço, ganhar meros por onde pudesse lançar-se, imparável, na sua passada negra de pantera.
Eusébio solta-se. Leva consigo a bola colada aos pés, amarrada aos pés com o fio de ouro fino do seu talento. Eusébio está solto como as chitas nas infinitas savanas do Tsavo. Pará-lo, segurá-lo, travá-lo, é como interromper as margens de um rio quando as cheias avançam, inquietas e inexoráveis.
Eusébio corre. Que digo eu?! Não corre: voa por entre adversários e companheiros de equipa. Os seus pés têm as asas do deus Mercúrio, o seu peito alarga-se e ele respira em rabanadas de vento de dobrar árvores, de arrancar telhados, de devastar cidades inteiras.
A velocidade da luz
Eusébio sopra a mais trezentos quilómetros por hora.
Há um centésimo de segundo de silêncio.
70000 pessoas em silêncio profundo.
No momento em que pressentimos que a obra de arte está para nascer, respeitamos o silêncio absoluto da criação.
Aposto que houve um centésimo de segundo de silêncio antes de Deus criar o mundo!
A seguir houve o grito uníssimo: golo!
E houve o grito particular de um espanhol a caminho da rouquidão:
- Eusébio es um fenómeno!
Eusébio estava ainda longe da baliza de Betancort, mas pouco se importou: rematou na mesma.
A bola saiu do seu pé direito a uma velocidade de para aí trezentos mil quilómetros por segundo.
Entrou junto a um poste: parecia que sabia exactamente em que lugar deveria entrar.
- Eusébio es um fenómeno!
Treze minutos depois voltou a ser fenómeno.
Péridis deu para José Augusto; José Augusto correu pela direita, como era seu hábito, e centrou, como também era seu hábito; Torres tocou de cabeça para trás, para a entrada da área.
Até aqui tudo normal.
O fenómeno dá-se agora: a bola vem caindo, de mansinho, na frente de Eusébio, e Eusébio não a quer. Com o peito do pé, com uma violência inaudita, nega-lhe o caminho da sua chuteira.
Trezentos mil quilómetros por segundo: a velocidade da luz.
Nenhum guarda-redes é capaz de contrariar a velocidade da luz."
Afonso de Melo, in O Benfica
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