"Quando precisarem de uma explicação concisa para o fenómeno Trump, ponham os olhos em Steve Kerr, treinador dos estratosféricos Golden State Warriors. Duas vezes vencedor da NBA com a equipa de Oakland e mais outras cinco como jogador, ao lado de Jordan nos Bulls e de David Robinson nos Spurs.
Como muitos outros na NBA, Kerr tem sido uma voz lúcida perante a demência egocêntrica que varre a política norte-americana. Logo na ressaca da eleição de Trump, o treinador recordava, "o principal desapontamento com estas eleições foi o nível do discurso. Deve existir algum decoro, respeito e dignidade associados à eleição de presidente. E foi como se tudo tivesse sido deitado janela fora. Talvez devêssemos ter visto isto a chegar ao longo dos últimos dez anos – quando se olha para a sociedade, quando se olha para o que é popular. As pessoas recebem milhões de dólares para irem para a TV gritarem umas com as outras, seja no desporto, na política ou no entretenimento. Parece-me que era apenas uma questão de tempo até contaminar a política".
Devíamos ter visto este fenómeno a chegar. Até porque, como nos revelam exemplos próximos, até nas mais improváveis geografias, as revoluções culturais têm sempre mais adeptos do que antecipamos.
Precisamos, por isso, como de pão para a boca, de quem lidere pelo exemplo. E quando se olha para o futebol em Portugal o panorama é confrangedor. O que me devolve a Steve Kerr.
Na semana passada, na sequência da sua 250ª vitória como treinador na NBA, numa partida contra os Phoenix Suns, Kerr não treinou a equipa. Não foi nenhuma greve de zelo. Pelo contrário. Sentou-se no banco, só que a equipa foi treinada pelos jogadores: substituições, preleções nos time-outs, orientações tácticas e até, soube-se depois, scouting do adversário, tudo coube aos atletas. Foi surpreendente ver o coração da equipa, Draymond Green, que estava lesionado, de fato e gravata, desconfortável com a prancheta na mão, mas convicto a dar instruções nos time-outs, ou Steph Curry a intercalar triplos do meio da rua com indicações sobre trocas defensivas.
Houve entre os jogadores adversários quem visse na decisão uma falta de respeito. Nada disso. Trata-se, antes, de uma demonstração de que a liderança pode ser participada e envolver todos, sem hierarquias rígidas, nem cultos de personalidade. E de que numa equipa bem treinada, com princípios de jogo enraizados, até o "Manel pode treinar".
Eu que já torcia pelo basket entusiasmante dos Warriors, desejo, agora, ainda mais a sua vitória este ano. Da mesma forma que celebro, com nostalgia, os sucessos da Democracia Corinthiana de Sócrates. É uma forma de ter esperança de que algo mude no futebol português e não se consolide a ideia de que, para vencer, é preciso ultrapassar várias linhas vermelhas: legais, éticas ou apenas verbais."
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