" “Conciliar os interesses instalados com a necessária reforma da Governação da FIFA, tendo presentes assuntos tão complexos como, por exemplo, os Fundos de Investimentos, «match fixing», o fim das cláusulas de rescisão contratual, o «fair-play» financeiro, calendários competitivos conjugados com as provas internacionais; o dirimir de conflitos entre intermediários, clubes e jogadores de futebol; as janelas de transferências, restringindo-as, sem contender, com o direito ao trabalho (…); a titularidade das participações das sociedades desportivas e a origem dos fundos monetários para aquisição de direitos económicos, novas tecnologias no futebol; o controlo das transferências de menores de idade e o papel das academias, entre outros, são desafios vencidos ou adiados?” (Jerry Silva, Desafios e Rumos para Vencer, 2016;53)
Se as entidades que tutelam o nosso futebol tivessem sabido aproveitar a leitura do livro citado (entre outros) que além de pistas para futuro, de “radiografia” precisa da actualidade, permite caracterizar vícios que se alastram há décadas, poderiam ter arrancado mais cedo com decisões ajustadas, conseguindo prever e antecipar alguns problemas e polémicas. A ausência de contraditório, de abertura para diálogos mobilizadores, ainda não integra os critérios decisivos para transformar eleições em partidas para a vitória. Evitar que o jogo se adultere é tarefa nobre, indispensável e prioritária.
Vivemos um tempo de murmúrios e desabafos com anonimatos (medo?!) e não um tempo de frontalidade. As redes sociais não podem esgotar as hipóteses de afirmação do nosso descontentamento, há sempre mais a fazer. O populismo invade as fronteiras e com isso as “élites” apoderam-se do poder e da riqueza, aprisionando a liberdade com estratégias ancestrais… No futebol também. Mas o ADN do futebol é a coragem, que atinge dimensões extremas, por exemplo, no momento de finalização, no voo salvador do guarda-redes ou nos duelos (1x1) em que o domínio da bola simula a conquista do “mundo”. Essa coragem é indispensável para identificar, averiguar e resolver também, com a eficácia possível, o domínio com que a globalização do capital invade os clubes. Algumas vezes, graças a divulgação mediática, conseguem-se compreender tristes realidades e lamentáveis dependências sem que as diversas entidades que o deviam fazer, “disputem o jogo com garra e para vencer” definitivamente: será por incompetência ou por outra qualquer razão?
Todo o mundo consegue sugerir agravamento de sanções (por cá também é moda corrente), sabendo certamente que essa medida pode trazer em si uma enorme carga demagógica e exclusivamente com utilidade para a imagem repentina de quem as sugere. Fazer é sempre muito mais difícil do que dizer… Importa que as leis sejam adequadas, rigorosas, aplicadas, enquadrando um controlo e vigilância constantes, sem flutuações nem impunidades. Antes de “endurecer” as penas há muito a alterar e, eventualmente, alguma incapacidade e limitação para o fazer. Há momentos que são exemplares, que nos emocionam e encantam pela firmeza de carácter. Há momentos em que as condições criam imensa fragilidade (por exemplo, salários em atraso e não só). Há outros momentos que são dramáticas e infelizes fatalidades.
Mais do que grandes entrevistas, do que renascimentos éticos de ex-Donos da Bola, mais do que deslocações e envolvimento de Órgãos de Soberania, importam o exemplo e a coerência de quem exerce funções:
- “Olha para o que eu digo e não para o que eu faço” é ditado popular que serve bem para reflexão e para uma mudança mais radical – “Olha para o que eu faço e analisa se corresponde ao que eu digo”. A ética que se exige aos outros tem de ser a mesma que nos caracteriza a todos.
Por vezes, amigos que ocupam funções de relevo no nosso futebol (e não só) afirmam-me que nem sempre se pode dizer o que se pensa pois é preciso ter “diplomacia” ao defender as nossas posições. Se essa “diplomacia” for sinónimo se servilismo, de obediência total a quem decide, de “compra” de silêncios, então será melhor mudar o termo e as pessoas que ocupam esses lugares. A incompetência e o oportunismo carreirista criam “buracos negros”, alguns impossíveis de esquecer, sempre com tardias e ineficazes substituições. Quem atira a primeira pedra, mesmo sem enquadrar o acontecimento na estrutura que o criou? Quem atira a primeira pedra, quando o previsível e alertado nunca foi tratado com a urgência que merecia? Quem atira a primeira pedra, quando quem dirige pode não ser um bom exemplo? Quem atira a primeira pedra, mesmo sabendo que “tudo vai ser questionado” provavelmente para nada (ou quase nada) mudar? Quem atira a primeira pedra, aos que fogem aos diálogos e ao contraditório?
No futebol (na família, na escola, no clube e com amigos) aprendemos a reforçar valores que nos orientam para tentar fazer sempre o melhor, a assumir as nossas convicções e a mudar comportamentos quando nos parecem evolução. A liberdade é um valor máximo desde que implique responsabilidade e responsabilização individual. Que 2018 não seja mais do mesmo. A Humanidade está perante desafios globais complexos. Urge mudar com ambição, com justiça, construindo confiança e solidariedade onde outros querem ver muros, valorizando a vida como um direito com dignidade e não como mais uma oportunidade para escravizar e alastrar miséria.
Em termos de futebol, que se consiga distinguir o essencial do acessório, que nunca se perca a marca do saber fazer com portugalidade, que os clubes, especialmente os que se dedicam à formação, tenham muitos e maiores apoios, que se decida com imparcialidade, que as polémicas não extravasem para além dos limites da emoção momentânea do jogo e, já agora, que se criem condições para fazer, no Natal, a Festa da Família no Futebol (há quem a designe por Boxing Day). Preservar o futebol de influências estranhas e fraudulentas, envolver os agentes desportivos numa mesma missão, prestigiar o talento e o jogo de excelência e, por fim, que a Selecção Portuguesa consiga um grande Mundial na Rússia, são alguns dos nossos desejos."
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