quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Em busca da “arma secreta” no mercado de transferências (parte 2)

"O que diferencia um futebolista de topo dos demais? “Aquele” que servirá as necessidades da equipa, fazendo um “match” perfeito com a mesma?
Estejamos a falar de atletas com uma carreira já consolidada ou de jovens promessas, os primeiros critérios que virão à cabeça de qualquer apaixonado(a) pela modalidade (e até de alguns especialistas) passam sempre por aspectos como a força, a velocidade, o domínio de bola, a capacidade técnica e táctica, correto?
Errado.
De facto, segundo o neurocientista Vincent Walsh, da University College London, as razões que levam um atleta a perder (logo, ter níveis inferiores de desempenho) nada têm a ver com aspectos do domínio físico, técnico ou táctico, mas sim por razões psicológicas.
Segundo este investigador, poucas actividades serão tão exigentes no que respeita à performance psicológica (e à exigência em termos do funcionamento cerebral), do que a de um futebolista de topo (colocando-se de lado o caso dos soldados de guerra).
Por outras palavras, os jogadores têm uma carreira de treino de competências de quase 20 a 25 anos, necessitando de uma boa memória para a contínua aprendizagem de esquemas técnicos e tácticos, de tomar decisões em segundos e de uma enorme capacidade de antecipação, enquanto, em paralelo, precisam ter elevados skills de resiliência, para lidar com a derrota, o erro, a avaliação negativa de colegas, treinadores, dirigentes, adeptos e imprensa... numa base semanal.
Também por esta razão (e fazendo um pequeno “desvio” da questão central deste artigo), os estudos associados ao sono e à fadiga mental defendem que os atletas devem ter uma quantidade significativa de descanso cognitivo, antes de uma competição exigente, privilegiando o repouso e evitando qualquer actividade de carácter cognitivo (ex: jogos de computador) antes do mesmo, para manter “intactas” as suas capacidades mentais e físicas para o jogo.
A literatura da especialidade tem corroborado este tipo de evidência, fundamentando que os jogadores de elite tendem a ser psicologicamente mais hábeis, com elevada capacidade de autocontrolo e de manter os níveis de atenção e a capacidade de reacção por tempos mais longos (quando comparados com outros atletas que não do alto-rendimento).
Então, se quando falamos de “top performance”, os critérios de diferenciação são, maioritariamente, psico-emocionais, em que ficamos?
Internacionalmente, desde há algum tempo que os grandes clubes se socorrem dos seus departamentos de análise de jogo para recolher variáveis comportamentais que tenham a ver não só com o comportamento motor e desportivo, mas também com algumas variáveis psicológicas iminentemente associadas ao sucesso desportivo, como sejam a capacidade de tomada de decisão, a determinação, a capacidade de resistência à frustração, o autocontrolo sob pressão e o espírito combativo, entre outras.
Aliás, em terras germânicas, acaba de ser anunciado o investimento de mais de 110 milhões de euros na construção de uma nova academia (Deutscher Fußball-Bund) que pretende ser o “projecto do século”, onde serão recolhidos todos os dados de informação acerca da modalidade (incluindo variáveis como a “vontade de vencer”), recorrendo aos mais inovadores métodos de recolha e análise de performance (na sua completa multidimensionalidade).
Este tipo de trabalho resulta de uma parceria estreita entre analistas de jogo e psicólogos, uma vez que uns são especialistas em recolher informação de forma objectiva e os segundos em traduzir (cientificamente) variáveis psico-emocionais em dados comportamentais que possam ser recolhidos pelos primeiros.
Por enquanto, e por terras lusas, a análise de desempenho tende a ser usada principalmente para a equipa técnica, no sentido de avaliar a performance da equipa e fornecer feedback aos jogadores, no que respeita a um conjunto de ações técnico-táticas pré-determinadas.
Algumas equipas mais evoluídas procuram usá-la como ferramenta de recrutamento, contudo suportando apenas dados de desempenho desportivo e não psico-emocional (muitas vezes, retirados apenas através da “intuição” do treinador), perdendo-se toda a possibilidade de produção de informação de relevo (através da análise de dados comportamentais), no que respeita ao perfil psicológico do atleta, que deveria validar (ou não) a decisão de contratação. 
Encontrar a dita “arma secreta”, num mercado como o de Janeiro, que espera de um jogador uma capacidade de adaptação quase imediata, traduzida na produção de um rendimento de nível superior, transforma-se, desta forma, numa espécie de “lotaria”, quando os clubes não detêm este tipo de informação e conhecimento cientifico e, paradoxalmente, numa oportunidade para psicólogos e analistas de jogo fazerem uma parceria de sucesso.
Em suma, com mais ou menos tecnologia, mais ou menos suporte financeiro, a multidisciplinariedade que deve assessorar o processo desportivo de uma equipa tende a tornar-se cada vez mais abrangente e completa, devendo os diferentes especialistas (equipas médicas, fisiologistas, psicólogos, analistas de jogo, entre outros) serem capazes, eles próprios, de actuar em equipa, na produção de informação relevante, que suporte a contratação e a optimização de todas as variáveis associadas a um desempenho de excelência."

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