quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Águia não se deixa abater

"Em Braga o Benfica esconjurou o logro usado e abusado por mestres da artimanha, afadigados e conluiados em colocarem-no à margem da luta pelo título.

O enorme interesse que o futebol suscita em todo o mundo está relacionado com a sua fácil compreensão, apesar do esforço feito, em sentido contrário, por treinadores e especialistas que complicam e juram ver o que mais ninguém enxerga, sem se darem ao cuidado de admitir que nenhum curso é preciso para se fazer a destrinça entre quem joga bem e joga mal.
Há casos, então, que entram pelos olhos dentro, do aí o meu espanto ao ler que Rui Vitória deu o aval à saída de Filipe Augusto.
Se não se valorizou quanto desejava não se deveu a menos interesse dos técnicos nem a défice de oportunidades. Simplesmente, o médio brasileiro não foi capaz de expressar a plenitude dos atributos futebolísticos que julga possuir. É compreensível, até, que se considere um praticante acima da média, mas da média idealizada e não da média dos padrões de qualidade a que o emblema mais titulado do país está obrigado.
É precisamente nesta discrepância que reside a surpresa pela notícia de aprovação à sua dispensa. Não a critico, pelo contrário. Apenas estranho a demora na decisão e a relutância em aceitar o insucesso de que se revestiu a mudança de Vila do Conde para a Luz. Tão pouco se alcança a razão do privilégio especial de que usufruiu, em prejuízo de outros, ao ponto de o treinador, para o proteger, ter assinado uma excepção para individualizar desempenhos ou opções; e fê-lo em mais de uma ocasião.
Filipe Augusto não interiorizou que a preferência do Benfica foi bênção na sua carreira. Faltou-lhe essa humildade, ou talvez não. Trata-se de um segredo de balneário. Provavelmente, o problema teve a ver com a sua aptidão para a prática da modalidade. Ou a falta dela para se impor num território de elevado grau de exigência profissional.
Tratou-se de um erro de avaliação, grosseiro. Não pela escolha em si, mas pela teimosia em aceitar o fracasso da operação, naturalmente geradora de indisposições em quem se sentiu de alguma forma empurrado para o fim da fila.
Quanto ao essencial, mais de um ano depois, verifica-se que se voltou ao ponto de partida: se haver um vazio por preencher... ainda está por preencher.

Excelente este Braga - Benfica, na abertura da segunda volta. Um jogo a reter: o visitado mostrou à saciedade os porquês de ser o quarto grande do futebol português e o visitante esconjurou o logro usado e abusado por mestres da artimanha, afadigados e conluiados em colocarem-no à margem da luta pelo título.
Compreende-se o entusiasmo de Vitória na análise ao êxito, assim como ele deve compreender as reticências da família encarnada, motivadas pelo passado recente. O que deve esperar-se daqui em diante, o Benfica da primeira volta, abúlico, soluçando, intermitente e raramente entusiasmante ou o Benfica que, mesmo empatando no derby, murchou a megalomania de Jesus, passou com autoridade em Moreira de Cónegos e brilhou em Braga, diante de oponente cheio de personalidade e boas soluções?
É pertinente a dúvida e Rui Vitória, sendo bicampeão nacional sem que nada lhe fosse dado, saiu-lhe tudo do corpo, ao contrário do que anunciam os correios da comunicação do ódio, deve reconhecer que ganhar menos do que os ouros candidatos colide com os interesses e a grandeza da instituição que serve.
Há quanto tempo o Benfica não oferecia exibições apreciáveis com regularidade tão prolongada. Três jornadas seguidas? Pois é, a receita tem sido mais do tipo semana sim, semana não. Por isso, foi-se a Liga dos Campeões mais as Taças de Portugal e da Liga. Foi-se quase tudo.
Neste espaço semanal, escrevi há duas semanas que a águia voa e há três que era a hora de Viera 'indicar aos jogadores o caminho para alcançar o objectivo supremo', voltando a abraçar uma experiência que domina. A propósito, li em A Bola que o presidente já está no terreno como agora se diz. Certamente de que a águia não se deixa abater e vai continuar a voar, se calhar mais alto. Afinal, por que motivo deixaria de fazê-lo? Pois, a interrogação justifica-se, sendo minha convicção que muito pouco (para não dizer 'nada') do que de frustrante aconteceu esta temporada se liga às vendas de Ederson, Nélson Semedo e Lindelof.
Mitroglou, todavia, faz parte de outra história. A sua ausência ainda é notada, faltando saber a quem pertenceu a ideia de trocá-lo por «promissor internacional suíço».
(...)"

Fernando Guerra, in A Bola

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