sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Funerais há muitos!!

"A exibição da nossa equipa no clássico de sexta-feira veio confirmar as razões pelas quais o SL Benfica é tetracampeão nacional. Só uma equipa competente, com grandes profissionais, consegue resistir à enorme frente anti-Benfica! Rui Vitória deu uma lição de competência, sensatez e pragmatismo. Sou um dos indefectíveis do nosso treinador. Mais uma vez, o resultado alcançado começou a ser conquistado antes do jogo, na antevisão da partida. Rui Vitória é um treinador muito consistente na sala de imprensa. Fala do que sabe, diz o que pensa e, sobretudo, pensa muito o que diz. Eu sei que há quem aprecie outro estilo. Felizmente, o nosso timoneiro é um verdadeiro exemplo daquilo que deve ser um líder. Acredito que muitas vezes o que lhe vai na alma é bem diferente daquilo que diz.
Todos davam o Benfica como morto, e o funeral estava feito e com data marcada. Foi assim também na primeira época de Rui Vitória. Na temporada 2015/16, começamos mal na Liga, atrasámo-nos e à 13.ª jornada estávamos como estamos hoje - no 3.º lugar. Mas como uma grande diferença - hoje estamos a apenas três pontos da liderança e há dois anos estávamos a sete pontos. Eu creio que 2015/16 deve servir de referência para percebermos que os campeonatos, tal como as provas de fundo do atletismo, são competições que se vencem de trás para a frente. É bem evidente que a equipa está a subir de forma. Os dois jogos com o Manchester United, os dois jogos com o V. Setúbal e o clássico provam-no.
O jogo deste sábado com o Estoril, apesar de estar em último lugar, é crucial na caminhada para o ambicionado penta!"

Pedro Guerra, in O Benfica

Sem mais subterfúgios

"Não sou de chover no molhado. Mas não me venham com cantigas. Depois de termos encerrado a participação europeia com um ponto final redondo e demasiado preto, que fica como mancha em cada elemento do staff, não vale a pena servirmo-nos de quaisquer subterfúgios relativamente ao que temos pela frente. Agora, como disse e escrevi desde o início da época, sou muito realista e só vejo diante de nós um tema essencial e dois acessórios: o Penta e as duas Taças.
Por fim e sendo sabido que sempre sigo, do coração e da cabeça, os desígnios do meu Benfica, não me ficaria por menos: se perder seja o que for correspondesse ao propósito de qualquer atleta com o 'manto sagrado' do Benfica, até trocava já os canecos, por aquela que este ano constituí a volição maior de todos os Benfiquistas; ou seja, a conquista do quinto consecutivo Campeonato da Liga.
Na história do Benfica, ainda não conseguimos este mágico desiderato. Mas acredito, mesmo, que, desta vez, vamos alcança-lo. Circunstâncias para isso, internas e externas, não nos faltam: em primeiro lugar, naturalmente, a nossa própria condição de Tetracampeões. E depois, porque os nossos adversários mais directos vivem em ambientes de corda bamba, sem rede por baixo e sob cutelos de tal forma letais, que os próprios cenários lhes retiram o indispensável discernimento, só acrescentando mais dificuldades ao desnorte institucional em que ambos se encontram.
Eles estão, como nunca, de novo à nossa mercê.
Para nós, o mais difícil foi ter somado as quatro vitórias seguidas. Só nos falta uma. É nela que, em cada jornada, temos de ver jogar todos os nossos jogadores mais experientes e mais preparados que, indiscutivelmente, se encontram em forma absoluta e com o foco exclusivo, determinado e objectivo, para disputar e ganhar cada lance, cada sprint, cada passe e cada remate para golo, em cada jogo que jogarmos. Sem mais subterfúgios. Nem desculpas."

José Nuno Martins, in O Benfica

O 25 de abril do futebol português. A verdadeira história do caso Saltillo

"A insurreição dos jogadores e o clima reivindicativo dividiram a sociedade. Regresso a Saltillo 86 e aos episódios insólitos, cujos relatos mitificados sobreviveram até hoje. O livro “Deixem-nos Sonhar” chegou esta quinta feira às livrarias e pode ler aqui um excerto da obra

uma linha, ainda que sinuosa, a ligar o remate portentoso de Carlos Manuel, em Estugarda, que tornou realidade o sonho improvável de qualificação para um Mundial, e o pontapé de Éder, que, em Paris, deu uma conquista internacional com a qual, em Portugal, poucos sonhavam. E essa linha foi estabelecida no México, quando um conjunto de jogadores protagonizou um processo reivindicativo sem precedentes, colocou fim à sua carreira internacional, mas abriu a porta à profissionalização do futebol português de selecções. O longo estágio de preparação da participação da selecção nacional no Mundial de futebol de 1986, no México, é frequentemente recordado como um episódio entre o trágico e o caricato, repleto de incidentes rocambolescos, alguns verdadeiros, outros efabulados, que servem para alimentar o imaginário do futebol português da década de 80. Contudo, 30 anos decorridos, se olharmos para o que se passou, de facto, naquelas longas semanas em Saltillo, o que podemos ver é um momento crítico na transição do futebol em Portugal. Foi a partir da rebelião de Saltillo que se iniciou um processo de modernização e profissionalização das selecções.
Há dois anos, quando decidimos regressar a uma distante participação da selecção portuguesa no México 86 para escrever o livro “Deixem-nos Sonhar” (que chegou às livrarias a 7 de dezembro), estávamos longe de imaginar as revelações que encontraríamos. Um projecto que partiu de uma combinação de retorno à memória do que foi, para uma geração de portugueses, um momento fundador da relação sentimental com o futebol e com a vontade de contar uma história pouco esclarecida evoluiu para uma outra coisa: um retrato do país e da forma como as transformações na sociedade portuguesa se estendiam ao mundo do futebol, mudando-o de forma profunda. Foram horas de conversas com jogadores e outros que estiveram no México, desde jornalistas a membros da equipa técnica, passando por responsáveis federativos; de leitura de páginas sem fim de jornais da época; de consulta de documentos sobre o processo — tudo para desvendar um dos grandes mistérios do futebol português.
Quando numa conversa com Diamantino, um dos protagonistas desta história, o ex-jogador do Benfica afirmava que, no Mundial do México, “não tinha acontecido nada de especial”, estávamos ainda longe de compreender o alcance da afirmação. Durante o estágio, em Saltillo, não aconteceu nada de especial — no sentido em que várias ideias feitas que persistem sobre esse período são, no essencial, isso mesmo, ideias feitas: nem os jogadores fizeram greve, nem se assistiu a um processo de politização de reivindicações corporativas geridas politicamente a partir de fora, nem sequer os muito glosados episódios com mexicanas foram diferentes dos ocorridos em estágios de selecções antes ou depois de Saltillo. Contudo, além dos incidentes e do confronto adversativo entre a Federação, presidida por um austero Silva Resende, e jogadores, liderados pelo capitão inesquecível, Manuel Galrinho Bento, algo de estrutural ocorreu, reflectindo transformações no futebol global, na sociedade portuguesa e nas estruturas dirigentes do futebol luso.
Numa canção que se revelaria premonitória, Herman José, pela voz inesquecível de Estebes, ainda antes da partida para o México, dera o mote com o hino não oficial dos Infantes, ‘Bamos Lá Cambada, Todos à Molhada’. Trinta anos depois, o atribulado estágio no motel La Torre e a participação de Portugal no Mundial do México em 86 podem ser descritos como um processo desorganizado, repleto de reivindicações incontidas e também de contradições. Mas o mais interessante é que já era possível antever neste momento atribulado, e naquilo que aparentava ser uma “cambada” em vez de uma selecção profissional, as sementes de uma mudança profunda.
Tal como depois de 1974, na política e no país, nada foi como antes; também o futebol de selecções se alteraria radicalmente depois da passagem pelo México-86. A rebelião de Saltillo foi um 25 de Abril do futebol português, e, à imagem da transição política, uma transformação modernizadora, tardia, com elementos caóticos e na qual as reivindicações laborais foram preponderantes. UM

Sonho por cumprir
Poucas frases reflectem de forma tão exacta o espírito do tempo como o apelo deixado cair pelo seleccionador nacional, José Torres, na véspera de um jogo decisivo com a República Federal da Alemanha, no outono de 1985. Quando o ‘Bom Gigante’ reclamou “deixem-me sonhar”, expressava o desejo de alcançar um objectivo improvável, mas, sem o saber, dava conta de um ambiente que se vivia no país. O que estava em causa, muitos se recordarão, era uma improvável qualificação da selecção das quinas para a fase final do Mundial de Futebol. Mas, três décadas decorridas, podemos ler naquele apelo uma metáfora do país.
Tinham passado pouco mais de dez anos desde o 25 de Abril e Portugal era, finalmente, devolvido à Europa. O país sonhava: os portugueses libertavam-se de um passado de pobreza e fechamento para, de novo, viverem o presente com optimismo. A sociedade democratizava-se, modernizava-se e começavam a cumprir-se as expectativas de desenvolvimento social prometidas com a revolução. Só que, em 1986, o novo e o europeu coexistiam com traços persistentes do passado. Na sociedade, com novos recursos e padrões de consumo que se desenvolviam lado a lado com bolsas persistentes de pobreza; na política, com a adesão europeia e as eleições de Soares para Presidente e de Cavaco Silva para primeiro-ministro, que coexistiam com défices profundos de pluralismo; e, por arrasto, também no futebol, em que os clubes regressavam às finais europeias, a selecção se qualificava sucessivamente para a fase final do Europeu, em 84, e do Mundial, em 86, enquanto as estruturas dirigentes se mantinham presas a uma organização corporativa, amadora e anacrónica.
Numa partida épica, Portugal derrotaria a imbatível República Federal da Alemanha e a qualificação para o Mundial, 20 anos após Inglaterra, tornava-se realidade. Mas se o sonho de Torres se materializava, começaria a desmoronar-se daí a alguns meses. Depois de o país europeu, democrático e à procura de uma modernidade nunca cumprida, concretizar uma ambição desportiva que aparentava ser impossível, o futebol português reencontrava-se consigo próprio. E o sonho, esse, afinal, não se cumpriria.
Em troca, o país assistiria, de novo incrédulo, à desorganização, às divisões, à conflitualidade e a um fatalismo bem adequado ao espírito luso. Derrotados pela Polónia e por um improvável Marrocos — depois de, na estreia, ter surpreendido com uma inesperada vitória ante Inglaterra, comandada por Bobby Robson —, Portugal abandonaria o Mundial na fase de grupos. Mexicanos. Foi no Mundial de 1986 que o futebol deu um passo significativo para a globalização, para a mediatização, e passou a ser, de forma irreversível, um negócio. Mas os jogadores, no centro de tudo, recebiam uma fatia pequena desse novo bolo.
Mais do que a performance desportiva, o que ficaria para a história seria uma das páginas mais negras do futebol português, ainda que com contornos nunca totalmente esclarecidos. Uma insurreição dos jogadores, em conflito aberto com a Federação, um clima reivindicativo que dividiu a sociedade portuguesa, num momento em que estava em causa a representação do país, tudo apimentado por episódios insólitos, cujos relatos mitificados sobreviveram até aos nossos dias.
É tentador olhar para a rebelião de Saltillo e justificá-la com base numa mistura singular de nacional-porreirismo, personalidades contrastantes e um conjunto de episódios rocambolescos. Mas há razões mais profundas para explicar o que se passou naqueles dias mexicanos, em relação aos quais perdura uma nostalgia forte em todos os participantes e uma aura de curiosidade no país, que, à época, acompanhou tudo com grande interesse.
O professor Monge da Silva, membro da equipa técnica liderada por Torres, resume bem no livro o que se passou: “Estavam a ocorrer uma série de novidades no desporto mundial. Poderá haver uma leitura laboral, o conflito entre os jogadores e a entidade patronal. Uma leitura organizativa, que a Federação não tinha de todo. Uma leitura sociopolítica, da fase do futebol e do país. Portanto, há várias leituras que se podem fazer. Além disso, cada indivíduo tem leituras diferentes. E há uns que só sabem dos episódios burlescos.”

O mundo do futebol em transição
Quando, em Saltillo, numa imagem que marcou uma era, o capitão Manuel Bento leu um comunicado, rodeado por todos os seus colegas, onde expressava o descontentamento dos jogadores portugueses com a Federação, o momento estava longe de ser um ato isolado, circunscrito ao futebol português. Durante o Mundial, os sinais de contestação com a FIFA vieram um pouco de todo o lado, expressando um novo tempo. Como afirmou o avançado argentino Jorge Valdano, em pleno México-86, “mais do que nunca, neste Mundial, os dirigentes da FIFA enfrentaram uma nova situação. Os jogadores começaram a tomar consciência de que não são só músculos, mas seres pensantes e actuantes”.
O Mundial de 1986 decorreu precisamente a meio do longo mandato de João Havelange como presidente da FIFA (1974-1998) e corresponde a um marco no futebol moderno. Ainda na ressaca do até então ponto mais baixo do futebol mundial — a tragédia de Heysel, em 29 de maio de 1985 —, o México-86 foi novo ponto de viragem. Num futebol crescentemente mediatizado e no qual as transmissões televisivas adquiriram um papel poucos anos antes impensável, o Mundial tornou-se definitivamente um negócio sem paralelo no universo desportivo. As grandes competições internacionais de futebol passaram a estar ao serviço dos patrocinadores oficiais e os bilhetes assumiram valores exorbitantes. De desporto do povo, o futebol ameaçava transformar-se numa experiência corporate, devidamente televisionada.
Foi precisamente no México que o futebol deu um passo significativo para a globalização, para a mediatização, e passou a ser, de forma irreversível, um negócio. Mas nem por isso se democratizava. “O povo tem a TV”, disse, sintomaticamente, o director da prova, o mexicano Guillermo Cañedo, vice-presidente da FIFA, empresário de televisão e parceiro dileto de Havelange — e intermediário dos acordos da FIFA com os media — em resposta às críticas de que os bilhetes para os jogos eram demasiado caros para os mexicanos.
O povo tinha a TV, os jogadores uma fatia ainda pequena do bolo, enquanto a organização estabelecia relações privilegiadas com os patrocinadores, que lucravam como nunca antes com o negócio do futebol. O desporto-rei estava em rápida transformação, mas nem todos os intervenientes beneficiavam da mesma forma dos recursos que envolviam a modalidade. Por esses anos, as transferências entre clubes de países diferentes ganhavam expressão (Maradona tinha ido de Barcelona para Nápoles por 7,5 milhões de dólares, à época um recorde), mas os salários dos jogadores pouco tinham a ver com os que se praticam actualmente; enquanto isso, os patrocinadores começavam a associar-se aos grandes eventos e os dirigentes do futebol tornavam-se figuras cimeiras nos seus países e à escala global. Havelange era, então, rei e senhor do futebol mundial.
Mas como é que os sinais desta mudança se faziam sentir no futebol português? O jornalista David Borges, enviado do “Record” ao México, lembra que, em 1986, “os jogadores tinham noção de que havia um mundo de gente a ganhar dinheiro à volta deles e que eles ganhavam pouco com isso”. O treinador e ex-jogador Jaime Pacheco confirma essa ideia, recordando que, entre os atletas, havia “a noção de que a Federação já recebia dinheiro da UEFA e da FIFA”. Ora, uma das razões desta mudança passou também pela emergência de um novo protagonista: Joaquim Oliveira, irmão do ex-jogador António Oliveira, começava por essa altura a construir o seu império, que seria central na transformação do futebol português desde então. Além da intermediação dos direitos televisivos, a Olivedesportos dava os primeiros passos, precisamente em torno do negócio da publicidade e dos direitos de imagem da selecção portuguesa. Ainda hoje, entre quem esteve em Saltillo, não há quem esqueça a imagem de Joaquim Oliveira, praticamente sozinho e apoiado por uns quantos mexicanos que contratou localmente, a montar a publicidade estática nos treinos da selecção.
Depois de, em 1984, durante o Europeu, a Federação já ter beneficiado da venda dos direitos de imagem, no México, Joaquim Oliveira alargava a sua influência. Ficou com os direitos dos jogos e, num concurso disputado com a agência de publicidade McCann, que representava os interesses da Sagres, acabou por assegurar também os direitos de imagem das camisolas de treino dos jogadores, que por sua vez cedeu a outra cervejeira, a Cristal. Oliveira, que já era agente FIFA e, por isso, conhecia os meandros do futebol internacional, viu que existia um nicho de mercado e um negócio de futuro. A Federação lucrava com esta intermediação. A questão é que, para os jogadores, inicialmente, pouca diferença fazia.
Jaime Pacheco lembra que os jogadores “andavam lá com a Cristal e a Mundial Confiança”, para acrescentar: “Tínhamos a noção de que eles pagavam muito dinheiro e tínhamos a ideia de que, por pouco que fosse, devíamos receber. Andávamos lá a carregar com publicidade às costas e entendíamos que devíamos ter algum.” O advogado Jaime Dória Cortesão, mais tarde nomeado pela Federação para instruir o inquérito aos factos ocorridos durante o Mundial, recupera uma metáfora utilizada pelos jogadores: “Nós éramos os manequins de montra e, se a Federação vendia publicidade por causa dos manequins de montra, então tínhamos que receber algum.”
Enquanto surgiam novos recursos no futebol, colocavam-se desafios que a estrutura da Federação, nuns casos, não era capaz de gerir, noutros não queria resolver. Monge da Silva reconhece: “É o momento onde se detecta o desfasamento enorme que havia entre a capacidade organizativa dos nossos dirigentes e aquilo que o futebol exigia.” Ribeiro Cristóvão, outra testemunha dos acontecimentos, não hesita: “Ninguém estava preparado para aquilo.” Esta ausência de capacidade da Federação, que teve várias manifestações antes e durante o Mundial, foi admitida pelo próprio Amândio de Carvalho, vice-presidente federativo, responsável pelas selecções e, entretanto, falecido. Havia uma enorme confusão em torno de quem era responsável pelo quê: “Os problemas dos prémios seriam da minha responsabilidade, uma vez que eu era o chefe da delegação. A publicidade estática era pacífica. O que não foi nada pacífico foi o problema das camisolas e a imagem. Eu estava absolutamente a leste dessa situação.”
Porventura, a ausência de uma estrutura profissional e minimamente organizada explica o essencial do que aconteceu, mas, entre os jogadores, ainda hoje persiste a dúvida. Carlos Manuel reconhece que “as coisas estavam desajustadas para a época e que essa foi uma das razões para que tudo tenha acontecido”, mas adianta: “Aquilo era cada marosca. A Federação recebeu dinheiro da FIFA, da Adidas, dos patrocínios. (...) O que terá acontecido ao dinheiro? Não sei. Eu não o vi; nós não o vimos. Aquilo era uma vergonha. As contas da Federação eram contas de sapateiro.” Rui Águas admite que “as coisas eram tão pouco claras que acredito que, nos corredores, em vez dos jogadores tenham sido beneficiadas outras pessoas”. Naturalmente, é hoje impossível apurar que destino foi dado ao dinheiro. Mas uma coisa é clara: a desorganização da Federação e a falta de diálogo com os jogadores, a somar a uma tensão que se vinha acumulando há anos, criaram o contexto propício a todo o tipo de explicações.
A selecção chegou ao México com um optimismo desportivo moderado, mas com um peso excessivo em cima dos ombros, fruto de tensões acumuladas ao longo dos tempos. Desde pelo menos o Euro-84, em França, que havia um conjunto de problemas por resolver, que se iam agravando. Reivindicações com dois anos — como os montantes da diária, dos prémios, dos direitos de imagem, a negociação dos seguros e até a atribuição do cartão vitalício da FPF, que dava entrada gratuita nos estádios — eram discutidas parcialmente ou, em alguns casos, ignoradas. Estas reivindicações que, aos olhos dos nossos dias, parecem menores — quer quanto aos montantes envolvidos quer quanto ao que estava em questão — devem ser interpretadas à luz da época.
Entre promessas incumpridas, que já vinham do passado, e uma incapacidade de dialogar e encontrar entendimento, o ambiente entre dirigentes e jogadores foi-se adensando. Um misto de complacência e ausência de liderança, do lado da estrutura federativa, e atletas cada vez menos tolerantes com a Federação foi ajudando a que o clima se degradasse até um ponto de não retorno.
Jaime Pacheco recorda que, após o apuramento, foram “feitas uma série de promessas, de que saberíamos quanto é que iríamos ganhar como diária e por prémio de apuramento. Nós sabíamos que os outros países tinham tudo organizado e o que queríamos era chegar ao México sem estarmos preocupados com o que íamos ganhar. Em 84 fomos ganhando força, toda a gente estava do nosso lado e mesmo assim as coisas ficaram por concretizar. Na fase de apuramento para o Mundial, voltámos a ter os mesmos problemas e inclusive nas vésperas do embarque para Saltillo”.
Os jogadores não compreendiam a degradação do diálogo e o motivo pelo qual nada se resolvia. Fernando Gomes sublinha isso mesmo, ao referir que, quando chegaram ao México, “estava tudo por resolver, com a agravante de tudo se ter arrastado dois anos”. O então capitão do FC Porto recorda: “Estivemos quase um ano a ter reuniões mensais para resolvermos os problemas e a Federação nunca quis concluir nada. Nunca existiu da parte de quem mandava vontade de fechar o processo. Protelavam sempre.” Jaime Pacheco acrescenta: “Tivemos mil e uma reuniões, muitas no próprio campo de treinos. Falávamos também com o Torres — e fizemos tudo para que a liderança dele não fosse posta em causa. Ele levava a mensagem para a direcção e trazia-nos outra, que era nenhuma. Era para amanhã, era para a semana, era para depois. Tinha sido tão simples resolver a situação — ou é isto ou não é nada ou é alguma coisa. Faz-me espécie porque é que eles nunca quiseram conversar connosco.” Gomes alinha pelo mesmo diapasão: “Cada vez que passava um mês, cada vez que era adiada uma reunião, os jogadores ficavam cada vez mais magoados. Fomos acreditando na resolução e depois reparámos que estávamos a ser enganados.”
O que explica este adiamento de um desfecho que, de uma forma ou de outra, teria de ocorrer? Aqui, as opiniões dividem-se. O mais certo é que a Federação estivesse convencida de que não precisaria de alcançar um entendimento com os futebolistas. Afinal, uma vez chegados ao México, a convocatória estaria fechada e não restaria aos jogadores alternativa. Muito provavelmente, a estrutura federativa pouco confiaria também no espírito de união do grupo e na capacidade reivindicativa dos atletas. A experiência do Euro-84 indiciava que os jogadores estariam pouco unidos e que, chegados à selecção, continuaria a imperar a fidelidade clubística. Além do mais, entre o elenco federativo, em particular para o presidente Silva Resende, persistia um sentimento de alguma desconsideração face aos jogadores, que coexistia com uma cultura autoritária.
Na visão do presidente da Federação, os jogadores estavam ali para jogarem e representarem as cores nacionais e à Federação caberia decidir o que fosse mais adequado, em nome do superior interesse nacional. Doze anos passados do 25 de Abril, o futebol português ainda era dominado por uma cultura de antigo regime e não acompanhava o passo de modernização e democratização que o país vinha vivendo. Rui Águas é perentório: “Houve muitas reuniões, definiu-se uma série de coisas, só que depois eles marimbaram-se. A Federação fez tábua rasa daquilo que se tinha falado e combinado. Chegaram ao primeiro dia de concentração e disseram: está aqui, comes e calas. Foi esse come e cala que criou o movimento. Esta história toda teve o condão de unir o pessoal contra a Federação.” José Carlos Freitas, enviado do jornal “O Jogo”, no mesmo sentido, confirma quer o adiamento sucessivo de qualquer solução para os problemas que se arrastavam quer o preconceito da Federação em relação aos jogadores: “Os dirigentes entendiam que os jogadores não percebiam nada daquilo. Só tinham de jogar à bola e limitarem-se a receber o prémio que eles entendessem — isto quando já havia jogadores que tinham contactos e já sabiam o que se passava lá fora, com outras selecções. Tudo isto por uma questão de mentalidade, de preconceito de classe.”
Com realismo, Jaime Cortesão coloca o dedo na ferida: “Se tivéssemos passado aos oitavos de final, aos quartos ou às meias-finais, não teria havido o processo Saltillo. Mesmo que o comportamento, que foi assim-assim ou admissível, passasse a ser inadmissível, não haveria. Mais uma vez, o penálti falhado, a bola que não entrou e o resultado é que pontificou. O que foi, ao fim e ao cabo, uma maneira de branquear as responsabilidades da Federação.” Em França, dois anos antes, o clima mais adversativo não fora um problema, porque a selecção teve um desempenho positivo. No México, uma eliminação precoce deu um relevo a uma rebelião que, de outra forma, teria ficado esquecida, enquanto isentou os responsáveis federativos de responsabilidades. Gomes conclui: “O país foi a vítima e nós, jogadores, fomos o bode expiatório. Hoje dificilmente isso aconteceria.”
Tanto tempo passado, Jaime Pacheco não esconde a mágoa: “Poderíamos ter tido outra estabilidade que não tivemos, quer no Europeu quer no Mundial. Poderíamos talvez ter ido mais além e ter evitado aquele calvário que o futebol português passou nos anos seguintes. A pior coisa que me aconteceu foi ter sido castigado na seleção e termos saído de lá como vilões, como se tivéssemos cometido algum crime grave. Honestamente, tenho a consciência de que não fiz nada para ser castigado, nem para ficarmos com aquela fama de que contribuímos para que o nome de Portugal ficasse com uma carga negativa. Também tenho a noção e a certeza de que esses acontecimentos provocaram uma maior organização e acabaram por ser uma mais-valia para o futebol português. Tenho a certeza disso. Hoje, a Federação tem os resultados que tem porque se iniciou um novo ciclo depois de Saltillo.”

A lesão de Bento - Um momento emblemático na crise de Saltillo
O capitão da selecção, um dos principais artífices da boa campanha lusa no Europeu anterior em França e determinante no jogo da qualificação na Alemanha (Carlos Manuel, colega de equipa, recorda como “as bolas batiam nos postes e no Bento”), voltou a ser figura de proa no México. Porém, tal não se deveu somente ao seu contributo desportivo, que se limitou a um jogo: a vitória ante a Inglaterra. Poucos dias antes da segunda jornada da fase de grupos, em que Portugal defrontaria a Polónia, Bento sofreu uma lesão gravíssima que o afastou do Mundial e, como se sabe hoje, marcou o fim de uma era nas balizas nacionais.
A descrição do lance, por Vítor Serpa, no jornal “A Bola”, é impressionante: “Um cruzamento, José António a saltar, Bento a aparecer por trás, a tocar no companheiro, a desequilibrar-se, a cair mal. Os seus gritos ganharam eco nas bancadas. Os companheiros correm para ele e deitam as mãos à cabeça. Houve quem fugisse logo dali, queriam afastar a visão terrível. (...) É o próprio jogador que, apesar das dores, e ao ver o pé virado, de lado, numa posição aterradora, tem ainda a coragem de o levar ao sítio. Quando o doutor Camacho Vieira chega junto dele, apercebe-se de que a lesão é grave. Bento logo lhe diz: ‘Doutor, não mexa muito na perna, está partida’. (...) O estádio parece um túmulo. O silêncio pesa em todos.”
Rui Águas, que anos mais tarde, em Kiev, protagonizaria uma situação idêntica, lembra-se do impacto que o acidente do colega teve nele: “Até fiquei maldisposto, pedi para sair.” Monge da Silva também não se conseguiu esquecer: “Foi uma coisa incrível. Ouve-se o estalo, um barulho impressionante.” Diamantino conta que “quando o Bento caiu, o pé dele ficou virado ao contrário e, sentado no chão, meteu-o no sítio. Entretanto, vinham o doutor Camacho Vieira e o massagista a correr e, quando chegaram, já o Bento tinha o pé no sítio e começaram a brincar porque não o tinham visto virado ao contrário. Ainda estava quente e não tinha dor, fizeram aqueles testes tipo entorse e ele tinha os ligamentos todos marados. Aquilo que o Bento lhe chamou... Alguém disse no hospital que, se ele não tivesse logo aquele sangue frio de meter o pé no lugar, seria muito mais grave. O certo é que acabou na mesma com a carreira dele”.
Para Jaime Pacheco, Bento “foi o melhor guarda-redes da história de Portugal” e acredita que a ausência forçada do número 1 português “foi a nossa desgraça. Com ele teríamos tido outros resultados. Era a nossa trave-mestra, o nosso suporte a todos os níveis. Sentimos muito a lesão dele”. Diamantino reconhece que “a equipa ficou muito abalada, o Bento era um elemento-chave e tínhamos uma confiança enormíssima nas suas capacidades”. Fernando Gomes, na mesma toada, recorda que Bento “era uma figura querida da selecção. A equipa ficou afectada emocionalmente pela sua lesão”, enquanto Rui Águas, apesar de considerar que o episódio “não desmoralizou a equipa, foi traumatizante. Aconteceu mesmo ali ao pé de nós, na véspera de um jogo decisivo”.

A desorganização
Da presença portuguesa no México-86 acumulam-se histórias reveladoras da impreparação e inaptidão da Federação Portuguesa de Futebol para lidar, então, com as exigências inerentes à participação num mundial. O episódio da lesão de Bento, até porque o ídolo se transformara subitamente num dos símbolos da reivindicação, fornece algumas delas.
Por exemplo, Ribeiro Cristóvão, que na viagem para o México se encontrava em período de convalescença de uma fractura no pé, viu-se confrontado com um pedido inusitado do capitão da selecção: “Ó chefe, você já se viu livre das muletas…” De acordo com o jornalista, a comitiva portuguesa “não tinha muletas” e foi ele quem “desenrascou a situação”.
Outro exemplo está relacionado com o seguro que, alegadamente, protegeia os atletas em caso de ocorrência de um sinistro. Amândio de Carvalho, questionado em Saltillo acerca do assunto, assegurou que existia “um seguro especial para o Mundial, que protege os jogadores e prevê tudo”. Passadas três décadas, em entrevista conduzida para o livro “Deixem-nos Sonhar”, o antigo dirigente reafirmou a existência do tal seguro e mostrou-se surpreendido quando o seu amigo Eurico Garrido, director do serviço de cirurgia do Hospital do Barreiro entre 1985 e 2003 e amigo chegado de Bento, o desmentiu: “Isso é completamente falso. O Bento só conseguiu as apólices de seguro muito mais tarde. Fomos com o advogado do Bento à Secretaria do Benfica e não havia documentação comprovativa de quaisquer seguros dos jogadores do Benfica presentes no México. Não sei como é que fizeram os acordos, mas os jogadores julgavam que tinham 20 mil contos (100 mil euros) de seguro por incapacidade. (...) Ele só conseguiu o seguro ao fim de um ano por via judicial. Nunca lhe deram as apólices, nunca teve direito a nada. Teve de ser a junta médica realizada na sede da Federação, a pedido de Bento, a declarar sem equívocos que se tratava de uma lesão aguda, e não qualquer recidiva de uma lesão antiga. Passados meses vi as apólices onde diziam que os directores tinham 7,5 contos (37,5 euros) por dia por qualquer acidente e os jogadores tinham 5 contos (25 euros). Ficou com uma incapacidade de 9,6 contos (48 euros) por mês. Foi o que lhe foi atribuído. Foi extorquido e, se não fossem as muitas insistências, não levaria nem um tostão. A Companhia de Seguros enganou a Federação, mas foi a posteriori. Todos os factos sugerem que parte dos seguros foi efetuada depois de virem do México.”

A vida de jornalista
Curiosamente, foram poucos os jornalistas que assistiram à lesão do capitão português. Vítor Serpa recorda-se de “alguns jornalistas distraídos” e explica o que aconteceu: “A Selecção treinava tantas vezes em tantos sítios que obrigava a um esforço grande. O Zé Torres disse: ‘Vamos só ali um bocadinho para suar um bocado’ e houve jornalistas que não foram a esse treino. Logo por azar, o Bento parte a perna naquela circunstância, nem sequer a jogar à baliza. Há um jornalista da Renascença, o Ribeiro Cristóvão, que fez a reportagem imediata da situação da perna partida. Vai para o hospital, fala com os médicos. Eu estou lá com o Nuno Ferrari, também vamos, mas o Fernando Correia, por exemplo, tinha ficado em Saltillo. Estava na piscina a apanhar sol, havia um telefone, ele atende e era de Lisboa a perguntar quando é que ele enviava a peça do Bento. E ele nem sabia que o Bento tinha partido a perna. Isto porque tudo aquilo, a dada altura, mudava de um dia para o outro. O treino tanto podia ser ali ao pé como a 50 quilómetros.”
Outro dos esforços significativos a que os jornalistas estavam sujeitos tinha que ver com as comunicações. O México, a contas com uma profunda crise financeira agravada pela ocorrência de um terramoto devastador um ano antes, via-se acometido por inúmeras carências. Para os jornalistas, a diferença no fuso horário e as condições precárias em que trabalhavam desde Saltillo eram constrangimentos difíceis de ultrapassar. Os meios eram escassos e as comunicações telefónicas incomportáveis.
Entre as várias peripécias vividas pelos jornalistas ao longo do Mundial, David Borges recorda-se de um grupo de jornalistas andar em busca de um telex, até que, finalmente, encontraram um, numa repartição pública. Era necessário negociar o acesso e a utilização do telex, o que acabou por se revelar simples: a repartição tinha um director fanático por futebol e o telex podia ser utilizado. Em troca, os jornalistas tinham de levar o dirigente da administração pública mexicana a assistir a um treino da selecção. Assim foi: “Fomos com ele, no carro dele. E passados 15 minutos, vimos com espanto o gajo, dentro do campo, a atirar bolas ao Bento. O Bento na baliza e o fulano a rematar. Depois, levou-nos de volta e, no caminho, ia a conduzir com o braço de fora e a dizer: ‘Isto é que é vida’.”"

Video-árbitro: nem vídeo, nem árbitro

"Com as máfias lusas do futebol, tinha de acontecer: o vídeo-árbitro nem resolve em campo, nem depois. Alimenta confusões, manipulações e ódios.

- No futebol português, nada se perde, nada se cria: é sempre a mesma porcaria. Agora são as imagens do vídeo-árbitro que ora servem, ora não servem, ora se diz coincidirem com o jogo, ora se dizem manipuladas. E basta tirar uma imagem da sequência.

- O criminoso de guerra Slobodan Praljak suicidou-se em pleno julgamento no Tribunal Internacional de Guerra para a ex-Jugoslávia. Ironia, o suicídio é, e bem, a mais evitada realidade pelo jornalismo, mas este caso ocorreu num tribunal — e em directo.

- Tal como a ERC socratinista, a Comissão Nacional de Protecção de Dados extravasou competências para censurar o relatório da Comissão de Inquérito a Pedrógão, que desagradava ao governo. É a mesma tendência pró-fascista do Estado ao serviço do governo.

- O reality game show chama-se ‘Naked & Afraid’, nus e com medo. Atiram concorrentes nus para a Amazónia. Digitalizam as partes pudibundas (para o espectador não estão nus). Estão "sós" — com inúmeras equipas técnicas, médicos, etc. A estupidez é total.

- O vulcão ‘Agung’ na Indonésia entra em erupção? Coitados dos turistas! Pobres empresários estrangeiros! Malvadas companhias aéreas! As notícias sobre o caso foram totalmente etnocêntricas: só interessaram as consequências para os ocidentais veraneantes.

- Mais uma imagem de miúdos estudantes transformou-se em notícia: desta vez foi uma ratazana que resolveu estudar o ambiente numa escola almadense. Bem alimentada (decerto não na cantina), a rata mostrou à-vontade para prosseguir os estudos

Tendências
Música: Como a TV tem mais terror do silêncio do que da falta de imagens, cresce a nefasta moda ou mania de encher reportagens com música. Às vezes são quase meia dúzia por noticiário. Serve para criar melodrama e tapar momentos sem palavras. E é uma maneira de os jornalistas darem a sua opinião por portas travessas, através da música, que, em vez de melhorar a reportagem, piora-a. 

Descalabro: O secretário-geral da CGTP falando e aplaudido num plenário de trabalhadores da Impresa (SIC, etc.)? Impensável há uns anos. Mas o desespero nalguns media, dos proprietários aos empregados, tornou a cena possível. O grupo de Balsemão, sempre tão ciente do controlo dos seus media, prepara-se para vender um monte de revistas a um grupo desconhecido com um suspeito testa-de-ferro. Tudo péssimo."

O poema do extraterrestre que aterrou em Portugal

"Era uma vez neste país
Para o qual Deus olhou e disse:
Que bela obra que fiz,
Sem nenhuma fanfarronice.

Vou mas é enchê-lo de sol
E já agora de sardinha assada
Para salvar um ou outro caracol
Numa tarde com cervejas regada.

Ora então nesse país
Que se fez grande mar adentro
Instalou-se um diz que diz
Que tinha no futebol o epicentro.

Era tanta palavra oca
Tanto carapau de corrida
Que sempre que alguém abria boca
Era asneira certa, uma loucura varrida.

Nisto chegou a Portugal
Um bicho de sete cabeças
Era verde, cheirava mal
Duvido muito que o conheças

Era um caríssimo extraterrestre
Abriu logo o coração que não tinha
Disse ai meu Deus, meu bom mestre
Onde é que toco à campainha?

O extraterrestre foi entrando de fininho
E sentou-se ao balcão
Disse traga-me um jarro de vinho
E uma sandes de leitão.

Nisto um bêbado aproximou-se
Perguntou o que vieste cá fazer?
Foi o futebol que me trouxe
Agora deixa-me que estou a comer.

O bêbado dirigiu-se à entrada
A murmurar este deve ter a mania
Enfio-lhe uma cabeçada
Que lhe dou cabo da cidadania.

Olha lá, tu se queres ver futebol
Vieste claramente ao sítio errado
Aqui a bola parece conversa de urinol
Penáltis, foras de jogo e ataque cerrado

O extraterrestre ficou vermelho
Pousou o copo de vinho e olhou de lado
Tu às vezes devias olhar-te ao espelho
Não sabes o que dizes, és um bêbado ajumentado

Não há futebol como o português
Vem do fundo da alma e é patriota
Nem espanhol, francês ou inglês
Nenhum deles é campeão da Europa

Por isso ó bêbado põe-te fino
Não dês importância ao que não a tem
O vosso futebol é encantador e cristalino
Ouvi-o no planeta de onde venho, da boca da minha mãe."

Os Deuses do Olimpo não estão satisfeitos com o Comité Olímpico de Portugal

"Há quem, nos mais diversos países do Mundo, queira transformar o Olimpismo numa ideologia em regime de exclusividade ao serviço da medida, do rendimento, do recorde, do espectáculo e do mercado, através da utilização de atletas de excelência em mega eventos desportivos cujos promotores, em troca de patrocínios que não passam de pratos de lentilhas, aceitam promover uma falsa imagem de respeito e credibilidade de grandes multinacionais que, através de fugas ao fisco e / ou de mais-valias exorbitantes, sugam o sangue das populações e corrompem a alma desportiva dos países. Ao fazerem-no transformam os cidadãos, que deviam ser desportivamente activos, em hordas de fanáticos espectadores para quem o desporto se resume à vitória dos seus emblemas seja lá a que preço for. Nestes países as políticas desportivas encontram-se em “roda livre” pelo que, só por “ingenuidade” se pode ficar admirado quando questões como o doping, a violência, a corrupção e a desorientação política tomam conta da ordem do dia.
Por isso, só podemos compreender como um exercício da mais pura hipocrisia o discurso de alguns dirigentes quando, na comunicação social, choram “lágrimas de crocodilo” sempre que existe mais um caso em que os princípios e os valores do Olimpismo são levados aos mais degradantes estados da condição humana, quando, anteriormente, perante as mais estuporadas políticas públicas em matéria de desporto, ficaram mudos e quedos.
Em termos político-partidários, entre nós, tendo em vista os principais partidos que habitam a Assembleia da Republica, lamentavelmente, verifica-se: (1º) A coincidência de visões em matéria de políticas públicas ultraliberais dos governos do Partido Socialista e os do PSD/CDS que conduziram o desporto ao estado de anarquia em que se encontra; (2º) O completo desinteresse do BE que nem programa para o desporto apresentou nas últimas Legislativas o que representa uma inaceitável ausência de pensamento político em matéria de desporto (3º) A conivência, no quadro do compromisso governamental estabelecido, do PCP com o deplorável estado da situação desportiva, certamente esquecido de que, em meados dos anos setenta, através de Alfredo Melo de Carvalho, foi um dos grandes impulsionadores do Movimento Desportivo nacional de que, ainda hoje, por incrível que se possa parecer, se fazem sentir os seus efeitos positivos.
Em consequência, em finais de 2017, perante a necessidade de se fazer o tradicional balaço anual, infelizmente, somos, mais uma vez, levados a tomar consciência de que os estigmas do doping, da violência, da corrupção e da desorientação política continuam a ser os aspectos mais significantes que caracterizam a gestão política do desporto nacional. Na realidade, no que diz respeito ao ano que está a terminar, não existam quaisquer indicadores minimamente credíveis que nos indiquem que as coisas estão a mudar para melhor. Antes pelo contrário. Tudo leva a acreditar que as medidas desencadeadas, destinadas a resolver os problemas atacando as consequências e não as causas, só estão contribuir para que os problemas se estejam a agravar.
Seria bom que os dirigentes políticos começassem por perceber que os referidos estigmas não se resolvem nem com silêncios comprometedores nem com perseguições judiciais. Não se resolvem, nem com mais leis, nem com mais polícias, nem com mais julgamentos, nem com mais condenações, nem com mais prisões. Resolvem-se com melhores políticas públicas nos domínios da educação, da cultura e do desenvolvimento do desporto e, sobretudo, tal como está escrito na Constituição da República, através da assunção por parte do Estado de responsabilidades inalienáveis em matéria de desporto que nunca serão cumpridas descartando-as para entidades privadas, como, por exemplo, o COP, que não têm nem vocação, nem competências para as cumprir.
Em consequência, estamos perante um Sistema Desportivo com quatro grandes anomalias de carácter significante: (1º) É pouco claro; (2º) É profundamente injusto; (3º); É suspeito de corrupção; (4º) É politicamente desorientado.
A partir de agora trata-se de saber quanta verdade está o Governo disponível para assumir e quanta verdade estão os agentes desportivos (sobretudo as federações desportivas) disponíveis para suportar?
Analisemos cada uma destas anomalias através de notícias que nos chegaram pela comunicação social:
(1º) É pouco claro. Quando o Presidente da ADoP (Autoridade Antidopagem de Portugal) numa entrevista ao jornal A Bola (2017-11-11) denunciou situações absolutamente inadmissíveis relativamente à interferência na acção da ADoP de altos dirigentes do desporto nacional: (1º) Acusou o presidente do Comité Olímpico de Portugal José Manuel Constantino e o Vice-presidente Artur Lopes de “esquema montado para tentarem prejudicar o seu exercício”; (2º) Afirmou que “em termos institucionais o COP tentou sempre prejudicar a acção do actual presidente da ADoP; (3º) Denunciou um ‘esquema montado’ pelo líder do movimento olímpico e ‘amigos’ para denegri-lo, do qual farão parte os atletas mais críticos da ADoP porque ‘recebem dinheiro do COP’ através dos apoios à preparação”; (4º) Acusou o Vice-presidente do COP Artur Lopes “…de supostamente tentar condicionar a actuação da ADoP quando tomou posse”. Esta situação sugere que o desporto está perante a ameaça de uma “bomba-relógio”. Espera-se que as autoridades político-administrativas já tenham assumido as suas responsabilidades e que o Ministério Público já esteja a investigar o assunto porque o afastamento de um país dos Jogos Olímpicos (JO), devido a graves problemas de controlo anti doping, como se está a verificar com a Rússia relativamente aos JO de Inverno de Pyeongchang (2018), é uma possibilidade real que vai passar a pesar sobre os países que não tratem com isenção e clareza as questões relativas ao controle do doping.
(2º) É profundamente injusto. Aquando no âmbito da comemoração da Semana Europeia do Desporto a directora de comunicação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) afirmou (DN, 2017-09-28) que a "a promoção do apoio ao universo desportivo é, hoje, uma prioridade absoluta na política de patrocínios". Ao fazê-lo, trouxe para a ordem do dia a profunda injustiça que reina no Sistema Desportivo nacional. Na realidade, a SCML apoia os atletas de alto rendimento. Todavia, a palavra misericórdia é composta pelos termos latinos “miseratio” derivado de “miserere” que significa compaixão e “cordis” derivado de “cor” coração. Ora, os atletas de alto rendimento, devido aos apoios que recebem, têm uma situação de privilégio relativamente aos demais portugueses sobretudo àqueles que pouco ou nada têm e que, por isso, deviam ser os destinatários da ação da SCML. Este facto é, tão só, mais um a indicar que, em matéria de desporto, as políticas públicas assentam numa visão darwinista do processo de desenvolvimento do desporto em que as organizações estatais e paraestatais privilegiam os apoios àqueles que, em termos políticos, são capazes de render em prejuízo daqueles que pouco ou nada têm e que, realmente, deviam ser objecto do seu apoio.
(3º) É suspeito de corrupção. O Sistema Desportivo está a funcionar com dirigentes na superestrutura debaixo sob suspeitas de corrupção. A operação “Ajuste Secreto”, que resultou de uma investigação da Polícia Judiciária, no passado dia 19 de Junho, culminou na detenção de sete pessoas, suspeitos de crimes de corrupção activa e passiva, prevaricação, peculato e tráfico de influência, entre os quais figura um vice presidente da Federação Portuguesa de Futebol e do Comité Olímpico de Portugal (COP). Existe no País uma cultura de permissividade que não acautela a boa utilização dos dinheiros públicos. O Estado, todos os anos, investe no desporto muitos milhões de euros. O desporto carece de uma autêntica e credível inspecção pública que, de acordo com o perfil organizacional das diversas entidades acautele a boa utilização de dinheiros públicos. Se assim não acontecer, o sistema financeiro, como se pode verificar pela entrevista do Secretário de Estado do Desporto João Paulo Rebelo (A Bola, 2017-12-05), corre o risco de entrar em colapso sobretudo nas federações que não pertencem ou não conseguem estar no Programa Olímpico já de si muito prejudicadas.
(4º) É politicamente desorientado. O Sistema Desportivo demonstrou, mais um vez estar politicamente desorientado quando, no passado dia 8 de Novembro de 2017, na cerimónia de Celebração Olímpica a fazer lembrar a orquestra do Titanic, Sua Excelência o Secretário de Estado João Paulo Rebelo, de acordo com o jornal o Record, prometeu que o Contrato-Programa para Tóquio (2020) estaria pronto em dias, o que, em termos de desenvolvimento do desporto nacional, para além de, como já referimos, ser um programa falhado, significa, também, que o dito está, pelo menos, com oito anos de atraso. Posteriormente a reportagem do jornal A Bola (2017-12-05) sob o título “O COP Estava Informado” confirmou bem o estado de desorganização e de confusão total em que o desporto nacional se encontra uma vez que as Federações reclamam mais de seiscentos mil euros presume-se do Programa de Preparação Olímpica que parece que ninguém sabia que existiam mas que em meros termos financeiros deixam ficar a imagem de que estamos perante um buraco sem fundo à conta dos contribuintes. Entretanto, conforme noticia A Bola (2017-12-07), um conjunto de 13 Federações numa “foto de família” significativamente com o emblema do COP à retaguarda, agregadas num movimento dito apolítico (como se o desporto pudesse ser apolítico), avisou para “ninguém duvidar de que serão jogadores fundamentais na definição da política desportiva” (qual política desportiva e com que ideias?). Claro que, depois, vem o discurso do costume: “queremos mais dinheiro”. Na realidade, quanto ao dinheiro, as Federações têm razão só que estão enganadas. O atual modelo de desenvolvimento do desporto, para além de estar a consumir milhões de euros em burocracia na estrutura intermedia em que o COP se transmutou, este ainda ganha massa crítica que lhe permite ir buscar patrocínios que, depois, faltam às Federações. Estas, acabam por estar prisioneiras de um sistema em que o presidente da Comissão Executiva do COP é presidente da Assembleia Plenária, que funciona com um Conselho de Ética que mais parece um Conselho Jurídico tal como o Conselho Fiscal eleito em regime de lista solidaria (!) de órgãos. E tudo isto perante a indiferença do Governo que, agora, por ausência de política própria, se vê metido numa camisa de sete varas com as Federações a dizerem “há pouco dinheiro para a preparação olímpica e o desporto em geral” o que, em função dos resultados nos Jogos Olímpicos não é verdade e, relativamente à generalização da prática desportiva, em função das estatísticas existentes, fica muito longe de ser provado.
Por ausência de políticas e de discurso, espero que o Governo já se tenha apercebido que está perante uma espécie de sindicalização do sistema desportivo pressionado por dirigentes federativos que parecem esquecer que as organizações que lideram têm Utilidade Pública Desportiva e exercem funções públicas. Quer dizer, são elas que devem responder perante a tutela pela ausência de resultados e não a tutela perante elas. Por isso, até que as competências em matéria de desenvolvimento do desporto estejam esclarecidas e exista um plano a, pelo menos, três Ciclos Olímpicos do ensino (educação física) ao alto rendimento, não deve haver mais dinheiro dos contribuintes para o desporto. Esta é a realidade com a qual os presidentes das Federações Desportivas, quer gostem quer não, têm de viver. Porque, a generalidade do desporto que eles defendem e praticam já pouco ou nada tem a ver como os valores e os princípios idílicos propugnados pelo Modelo Europeu de Desporto desencadeado a partir de finais da Segunda Grande Guerra, pelo que têm de deixar de se encantar com cantos de sereia que, há mais de catorze anos, estão a corroer e a destruir o desporto nacional.
Mesmo que se possa não gostar das presentes conclusões, terminado que está o ano de 2017, estamos perante resultados que, para além de uns quantos êxitos pessoais de alguns atletas e organizações do centro operacional do Sistema Desportivo que se ficam, sobretudo, a dever à base do desporto e às famílias dos atletas, a superestrutura do desporto nacional, encontra-se num estado perfeitamente lastimoso que torna inaceitável a relação do seu custo benefício. Mais de duzentos e cinquenta milhões de euros para uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos e as mais baixas taxas de participação desportiva da Europa, temos de convir, que é de um olímpico miserabilismo absolutamente inaceitável.
Tenho para mim que o grande descalabro em que o desporto nacional se encontra fica-se, sobretudo, a dever aos contratos programas estabelecidos entre a Administração Pública e o COP desde 2005 que desintegrou o desporto nacional desresponsabilizando o Estado do seu desenvolvimento. Tratou-se de uma mudança de rumo através de um projeto mal concebido que não teve a participação da generalidade dos agentes desportivos e só serviu para destruir a Lei 1/90. Os resultados, como se pode constatar “à vista desarmada”, estão, de ano para ano, a piorar. Tudo indica que Tóquio (2020) vai ser uma hecatombe. Entretanto, já se despendem milhões de euros do erário público sem que exista uma avaliação independente minimamente credível do custo benefício do Programa de Preparação Olímpica.
Em finais de 2017, o mínimo que se pode dizer é que o desporto nacional está a ser destruído sem que exista a mínima competência ou até sensibilidade política para que a situação possa começar a ser alterada. Uma espécie de sindicalismo corporativista como se constata pelo contra-ataque das Federações (Bola 2107-12-07) está a tomar conta do Sistema Desportivo em prejuízo do desenvolvimento do desporto e à custa do dinheiro dos contribuintes. Claro que a estratégia, perante o que se está a passar, tem sido a de, por parte de uns, meter a cabeça na areia e, por parte de outros, tentar calar as vozes discordantes.
Por tudo isto, os deuses do Olimpo, de maneira nenhuma, podem estar satisfeitos com o COP e a parola concepção napoleónica de desenvolvimento do desporto da sua chefia. E deve-lhes custar imenso ver a instituição numa posição subalterna e de “mão estendida”, ao serviço do Estado, a fazer que resolve problemas de logística que não são nem da sua vocação nem da sua missão. Tendo em atenção a sua posição no vértice estratégico do desporto nacional, reconhecida na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, o COP, para além da inútil cosmética que o envolve, de acordo com a Carta Olímpica, numa ampla e competente liderança partilhada com as forças vivas do desporto, devia era estar a apontar o azimute que, num entender comungado com os portugueses, deve conduzir os destinos do Movimento Olímpico e do desporto nacional. Contudo, o único clamar que se houve no mundo do desporto é: queremos mais dinheiro. Estarão os portugueses interessados nisso? Porque a Missão Olímpica deve ser aquela que os portugueses desejarem que seja através de processos de autofinanciamento. O Estado tem de investir sobretudo a montante do ensino ao alto rendimento. É esta a realidade que as Federações, despojadas das suas competências desde 2004/2005 devem ter coragem de assumir.
Em conclusão e tendo em atenção que os governos vão passando mas o COP e os seus dirigentes vão permanecendo de há cento e seis anos a esta parte, esta entidade, na sua autonomia, é a principal responsável pelo estado de miséria e vil tristeza em que o desporto nacional se encontra. Esta é a realidade das circunstâncias, dos acontecimentos e dos factos em finais de 2017. E mesmo que se possa não gostar desta conclusão não vale a pena tentar mandar “matar o emissário” enviando o presente texto para o Ministério Público. Se tal vier a acontecer, para além de revelar uma tremenda falta de bom gosto só fará com que o emissário continue a opinar com mais dedicação e empenho para além da mediocridade que, desgraçadamente, como quase todas as semanas se vê nos campos de futebol e noutros recintos desportivos, tomou conta do desporto e do Movimento Olímpico nacional."

Vanessa & Pichardo

"A frustrante campanha do futebol do Benfica na Liga dos Campeões foi compensada esta semana com dois acontecimentos que mereceram conferências de imprensa. E como uma foi mais importante que outra, com a apresentação de um vídeo, Pedro Pablo Pichardo teve direito à sala maior, enquanto a renovação de Vanessa Fernandes foi remetida para a sala das modalidades, bem mais pequena.
O mais importante para os benfiquistas foi o anúncio já esperado: Vanessa tem compromisso com as águias por mais quatro anos, até 2021, ao passo que Pedro Pablo Pichardo foi apresentado como cidadão português. De Vanessa fica com o compromisso que vai lutar por um lugar de honra nos Jogos de Tóquio em 2020. Terá nessa altura 35 anos e muito provavelmente será a sua última participação olímpica. A partir de agora serão três anos para viver intensamente. Nada pode ser desperdiçado porque a evolução do triatlo diz-nos que muita coisa mudou desde 2008, quando conquistou a medalha de prata em Pequim. Não basta ser uma atleta experiente para se chegar ao pódio. Ajuda, mas não é tudo. A ambição tem de ser forte e consequente todos os dias.
Aos 24 anos, Pedro Pablo Pichardo concretizou o seu primeiro sonho desde que chegou ao nosso país em Abril. Já é português e o primeiro passo foi dado com todas as garantias. É uma bandeira do Benfica e se confirmar todas as boas perspectivas pode dar-nos muitas alegrias. No passado, Naide Gomes por São Tomé e Príncipe e Francis Obikwelu pela Nigéria já competiram nos Jogos e agora aí está alguém que não se vai limitar a dar autógrafos."