sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Krovinovic, perdão Krakinovic


"Este não engana. Não só tem nome de craque como o é na verdadeira acepção da palavra - ao contrário de outros malandros cujo nome já nos desapontou. Quem não ficou de água na boca quando Karyaka assinou? 'Andrei Karyaka! Os adversários até tremem só de ouvirem o nome!' - imaginei na minha inocência. À partida, seria impensável ver um jogador com tamanho charme nas costas da camisola a perder a titularidade para um colega bem mais modesto no bilhete de identidade, onde constava um nome demasiado simples e humilde para o proprietário ousar ser jogador de futebol: Armando Teixeira, o nosso querido Petit - a quem aproveito para desejar a maior sorte do mundo nesta jornada (apenas e unicamente porque o seu nome veio à baila, juro). 'Karyaka' soava a craque, mas o talento não correspondia à sinfonia do nome.
Krovinovic traz o pack completo. Os pais limitaram-no à profissão de futebolista logo no baptismo. Um André, por exemplo, tem a porta aberta para qualquer área. Tanto pode ser um pacato carteiro nos CTT como um polivalente lateral no maior clube do mundo. E Krovinovic? Ninguém vai de boleia com o 'Krovinovic taxista', do mesmo modo que ninguém repara o carro no 'Krovinovic mecânico'. Krovinovic não teve escolha. Por força do seu nome, estava forçado, à nascença, a ter jeito para a bola. E se teve! Nos pés do jovem croata, ela está sempre a sorrir. Transborda felicidade. É um deleite contemplar a cumplicidade que têm um com o outro. O leitor que me perdoe, mas não resisto em partilhar este desejo pessoal: um dia, espero que o meu filho se encoste no meu colo com o mesmo conforto com que a bola se aconchega nos pés do Krovinovic."

Pedro Soares, in O Benfica

Viciado no Face

"Tenho conta no Facebook há algum tempo, o que me permite ser brindado quase todos os dias com as memórias daquilo que tenho publicado ao longo dos anos. E acreditem, às vezes - não muitas - penso: 'mas onde é que eu tinha a cabeça quando escrevi isto?'
Agora imaginem, eu nem sou um poeta do online ou um rebelde que se esconde atrás de um teclado, mas dou comigo a pensar em algumas figurinhas que passam a vida agarrados ao Facebook. Chego a ter vergonha alheia. Vem isto a propósito - já estão a adivinhar... - de um desses artistas, que andou a encher a boca a dizer que tinha abandonado a rede social, mas que todos os dias - de preferência a altas horas, embalado pelas noites em branco - volta à carga. Ameaça a própria sombra, cria narrativas que só ele entende, levanta questões à espera de likes, redige lençóis de textos na esperança de que alguém lhe descubra algum talento narrativo, insulta adversários e aliados, enfim... uma canseira.
'Que triste vida deve ele ter', pensei eu no outro dia, de manhã, quando me levantava para o trabalho e vi mais um post às tantas de manhã. Para já, esquece a regra básica de comunicação online, que é: 'Se queres parecer responsável e sério, não respondas a e-mails profissionais nem faças comentários nas redes sociais quando as pessoas que trabalham estão a dormir'.
Acertaram em cheio, é mesmo nele que estou a pensar - o meu primo Albino. Tive de o desamigar, já não aturo aquele paleio de Calimero."

Ricardo Santos, in O Benfica

O que lhe dói

"10 de Agosto de 2013. Foi nesse distante dia que o FC Porto ergueu o seu último troféu oficial de Futebol. Tratou-se de uma Supertaça, diante do V. Guimarães. Era Paulo Fonseca o treinador, então acabado de chegar ao clube. Helton e Lucho eram alguns dos jogadores da equipa que, meses antes, tinha conseguido milagrosamente sagrar-se campeã, com um golo aos 92 minutos num jogo frente ao Benfica. De então para cá, nem o próprio Fonseca, nem Luís Castro, nem Lopetegui, nem Peseiro, nem Nuno Espírito Santo, nem, para já, Sérgio Conceição conseguiram vencer fosse o que fosse. Nada! Zero! Entraram jogadores, saíram jogadores, entraram directores desportivos, saíram directores desportivos, entraram directores de comunicação, saíram directores de comunicação, entraram administradores, saíram administradores. Gastaram dinheiro e mais dinheiro. Por entre macacos e macacadas, manteve-se alguém que, à beira dos 80 anos, já só vê o tempo ficar para trás.
28 de Abril de 2002. O Benfica derrotava o Boavista na antiga Luz, e oferecia o título ao Sporting. Os mais jovens leitores certamente não se recordam. Também tive de recorrer aos arquivos para me lembrar. A minha filha adolescente não era nascida, e eu ainda tinha cabelo. Jogavam o Paulo Bento e o Jardel. O Estádio de Alvalade era velho. Cinco primeiros-ministros e três presidentes da República depois, não mais comemoraram um campeonato.
O tempo é impiedoso. Os últimos anos foram pintados a vermelho vivo, e tal como na tauromaquia, a cor parece enfurecer algumas espécies. Basta ouvi-las para perceber o significado da palavra inveja."

Luís Fialho, in O Benfica

Chama Imensa

"O programa «Chama Imensa», que estria todas as segundas-feiras, às 18h00, na BTV, prestou esta semana um importante serviço público ao futebol português.
Trata-se de um programa criado no início desta temporada e que visa analisar os casos de maior relevância na modalidade mais apaixonante. Apresentado com o reconhecido profissionalismo de Luís Costa Branco, «Chama Imensa» tem uma vantagem em relação à maior parte dos programas das televisões nacionais - são analisados todos os casos de uma forma incisiva, com nomes e sem rodeios. José Marinho, António Bernardo e António Rola formam um trio de enorme qualidade e têm o mérito de explicar a todos os espectadores alguns dos casos mais extraordinários. Na último programa, os três voltaram a acender a chama e foram imensos nas situações que denunciaram. Pelos vistos, há muita gente incomodada com as relevações feitas. Quais virgens ofendidas, interrogo-me as pessoas que se têm manifestado contra o conteúdo do programa estão a fazê-lo de forma sincera ou se serão ingénuas.
José Marinho, António Bernardo e António Rola puseram a nú algo de muito grave - a coacção que está a ser feita sobre a arbitragem, portuguesa. Antes, Fernando Gomes, presidente da FPF, Luciano Gonçalves, presidente da APAF, e José Fontelas Gomes, presidente do Conselho de Arbitragem, denunciaram situações gravíssimas. Depois, foi o presidente do SL Benfica a desafiar os árbitros a revelarem publicamente as ameaças de que têm sido vítimas.
Sabemos quem são os autores morais e materiais. Resta às autoridades competentes agirem sem medo."

Pedro Guerra, in O Benfica

O jornal confunde-se com o Benfica

"Vivemos momentos de grande exaltação Benfiquista no seio do nosso jornal. Na próxima terça-feira, o jornal O Benfica completa setenta e cinco anos de vida com a abertura de uma exposição temática no Museu Benfica - Cosme Damião e uma reunião 'em família', na qual, com outros amigos especiais, se juntarão os verdadeiros protagonistas desse serão especial que, por uma vez - uma única vez - irão ser os próprios jornalistas e colaboradores do jornal. A exposição laboriosamente criada pelo editor Rui Manuel Mendes e pela secretária de redacção Magda António com a prestimosa ajuda de Rita Costa, coordenadora do Centro de Documentação e Informação, entre outros, vai permanecer por longo tempo no Museu Benfica para fruição de todos os Benfiquistas, como uma deliciosa mostra de muitos momentos históricos do acervo do nosso semanário oficial que, por sua vez,decorreram de ocasiões e eventos especiais da grande História do Sport Lisboa e Benfica.
O jornal foi criado num tempo em que tudo era mais despojado (mas, também, mais formal), para informar e agregar os Sócios e adeptos do Benfica em torno de uma ideia forte e perene, e cedo se confundiu com o próprio Benfica: o Clube celebrava a pulsão da competitividade desportiva e um irreprimível desejo conjuntivo de vitórias; o semanário passava a registar com metódico rigor as narrativas, as marcas e os protagonistas da consolidação do Glorioso. O jornal O Benfica sempre revelou e ainda continuará a representar a memória dinâmica do Clube à medida dos dias que vão correndo.
É com essa mesma consciência que, nas tarefas do presente, tomamos a responsabilidade histórica que recebemos do passado e já nos convoca ao futuro: orgulhamo-nos do que fazemos, e nada do que forma o Sport Lisboa e Benfica vive connosco todos os dias, sempre procurando nós interpretar o interesse dos leitores relativamente a todas as incidências da vida do seu Clube. E, sem receio de qualquer eventual contestação conceptual, sejam quais forem os avanços técnicos e tecnológicos que abracemos com a evolução dos dias, podemos afirmar que O Benfica jamais perderá o títulos que lhe cabe e tanto nos honra, como ícone mais consistente, mais perdurável e mais fortemente simbólico da comunicação dos Benfiquistas."

José Nuno Martins, in O Benfica

Tarantini: jogador-estudante

"Depois de inteirar-me do conteúdo do livro, Tarantini: a minha causa (Oficina do Livro, 2017) da autoria do Tarantini, futebolista e capitão do Rio Ave, logo decidi escrever um texto-síntese sobre o que vinha de ler. Não cabe nas dimensões necessariamente menores desta breve crítica uma análise demorada dos temas que o Tarantini me suscitou. Contento-me, por isso, com esquissar aqueles que me parecem fundamentais. Comecemos pelo nome como é conhecido pelos “agentes do futebol” e pelo público fiel do futebol – Tarantini. “O meu nome de baptismo é Ricardo José Vaz Alves Monteiro, mas só a minha família é que me trata por Ricardo. Cedo me habituei ao nome artístico, que me foi dado por um ex-treinador. Tarantini era um defesa argentino da década de 70 do século XX, facilmente identificável pela sua cabeleira loura e encaracolada. Não foi esta a única alcunha que recebi, ao longo do meu percurso profissional. Mas foi a que vingou e é hoje uma imagem de marca. A 7 de Outubro de 2017 completei 34 anos. Aos 1,89 metros de altura juntam-se os 80 quilos de peso. E o meu contrato com o Rio Ave Futebol Clube é válido até Junho de 2018”. Dei a palavra ao próprio Tarantini, para ser ele a apresentar-se. Chegou o momento de emitir a minha primeira opinião. E, de facto, a primeira impressão que este livro me trouxe sintetizo assim: o seu autor é um homem de quentes afectos humanos e familiares, que o acompanham pela vida fora. E que o levam a questionar e a questionar-se, com extrema sensatez, com ética inatacável: “E a minha vida resume-se a escolhas feitas em prol de uma só questão – que pessoa quero ser neste mundo?” (p. 13). Já conheci e convivi com muitos jogadores e treinadores de futebol. Pela primeira vez, oiço a um “agente do futebol” esta interrogação (pela primeira vez, repito): “Que pessoa quero ser, neste mundo?”.
Não há jogos, há pessoas que jogam; não há fintas, há pessoas que fintam; não há remates, há pessoas que rematam. Se eu não compreender as pessoas, não entendo, nem os jogos, nem as fintas, nem os remates. O Ricardo José Vaz Alves Monteiro, que o público do futebol conhece por Tarantini, profissional de futebol, licenciado e mestre em Desporto pela Universidade da Beira Interior e doutorando da mesma Universidade, faz suas as palavras de Hans Jonas: “Age de tal modo que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a terra”. Mais importante do que um jogo de futebol é uma lágrima humana e o Tarantini, ou o Dr. Ricardo Monteiro, não se limitou a ser o jogador de futebol de muitos méritos, que hoje é, e desejou (deseja) ardentemente ser Homem, antes e para além do futebol. E, por isso, escreve: “Sabia que, estatisticamente, só mais de 4% dos jogadores de futebol conseguem alcançar os “três grandes” ? Imagina que a percentagem dos atletas com salário mais elevado é ainda mais reduzido? Esta é apenas uma pequena e demolidora amostra do retrato futebolístico português” (p. 77). E, pelo sortilégio da sua inteligência, entrou de juntar à sua absorvente vida de futebolista uma séria vida intelectual. “Recentemente, fui aceite para realizar o doutoramento na UBI (…). Chegar ao grau de doutoramento será, talvez, inédito no mundo do futebol. Vai ser uma luta ainda inimaginável. Mas é isso que me faz querer ir para a frente. Imagino o dia em que estarei trajado a rigor e em frente do júri. Mais do que isso, sinto que ainda estarei a jogar a um grande nível. Vai ser brutal!” (p. 81). O comodismo é o pendor natural da mediocridade. A ele conduz naturalmente os que se deixam enfeitiçar pelos aplausos frenéticos do facciosismo clubista, pelas palavras hipócritas do “conto do vigário”, pelos cantos de sereia de um certo sexo, de umas certas noitadas…
Tarantini soube escolher, entre a avidez imoderada das paixões que levam ao desastre, uma filosofia de vida que o torne mais autenticamente humano e portanto mais próximo da felicidade, que não é ausência de sofrimento (de quando em vez, o sofrimento é inevitável) mas possibilidade de uma vida que valha a pena viver, ou seja, que tenha sentido. No exemplo dos meus queridos e saudosos Pais e na leitura do Evangelho e de alguns filósofos, principalmente Descartes, Hegel, Marx, Nietzsche, Mounier, Bachelard, Habermas e Merleau-Ponty; porque, desde criança, sempre admirei embevecido a auréola refulgente do espectáculo desportivo, chegando mesmo a fazer amizade com alguns dos nomes maiores da história do nosso desporto – pude propor, em tese de doutoramento, um novo paradigma, a motricidade humana, onde cabem, como especialidades, o desporto, a dança, a ergonomia, a reabilitação, a motricidade infantil, etc. e tentando provar que fazia um “corte epistemológico”, em relação ao dualismo antropológico cartesiano, imperante na educação física e no desporto tradicionais. Para mim, de há 50 anos a esta parte, o humano é uma totalidade, é um sistema, ou seja, “uma unidade global organizada de inter-relações, entre elementos, acções ou indivíduos”. Na prática desportiva, portanto, seja ela qual for, o essencial é o ser humano, é o homem (ou mulher) e não a táctica, ou a técnica. No meu entender, o Tarantini nasce do Ricardo Monteiro, o homem está antes do jogador e, observado com atenção, o homem já anuncia o jogador. A honestidade, a coragem, a capacidade de sacrifício, a fidelidade a valores de forte carácter humanizante do futebolista Tarantini residem na pessoa, no cidadão Ricardo José Vaz Alves Monteiro. A sua cultura generosa e rigorosa, a sua coerência sem falhas, numa fraternidade imbatível para com o seu semelhante, o futebol aprimorou-as, de facto, mas ele já as tinha recebido do regaço de sua Mãe, do exemplo moral do seu Pai, da ternura das suas Irmãs.
Tarantini: a minha causa é um livro que deve ser lido pelos profissionais de futebol, ou aspirantes a profissionais de futebol. Dizendo da minha admiração por este livro, creio que muitos dos seus leitores se sentirão interpelados pelos meandros desta obra singular. Nela, um profissional de futebol (dos melhores que o nosso país tem, na linha média e como pensador do jogo) pode escrever, de alma em festa: “Ao longo de duas décadas de futebol profissional, sinto-me um afortunado, por nunca ter contraído nenhuma lesão que precipitasse o fim da minha carreira. Mas nunca deixo de pensar, no dia seguinte. Não sei se vou jogar mais um ou cinco anos. Aconteça o que acontecer, estou preparado para terminar a minha missão em campo e fazer uma transição tranquila” (p. 69). E, de consciência tranquila, acreditando no primado da cultura e da solidariedade, rejeitando a mediocridade e o sectarismo que medram no futebol português, continua: “Enquanto jogador profissional, contabilizo a participação em 469 jogos, sendo que as estatísticas gerais de desempenho ainda me atribuem 55 golos, 28 assistências e 35 mil minutos jogados. Em 2016, voltei a ter um ponto alto na minha carreira profissional, através do lançamento do projecto A Minha Causa: www.tarantini.pt. Um projecto para todos e ao serviço dos desportistas. Um exemplo que revela a possibilidade real de investir na carreira do futebolista, sem abdicar de todos os outros sonhos e evidenciando a importância da formação académica como factor de sustentabilidade de futuro. Esta é a minha causa! Qual é a tua?” (p. 86). Tarantini – um homem que sabe a definição e a função da prática desportiva e que portanto não desconhece que é preciso saber mais para servir melhor. Tarantini: um jogador-estudante, num magistério moral!"

Olimpicamente: sob a responsabilidade de Tiago Brandão Rodrigues

"O famigerado “Relatório Missão Rio 2016” afirma a páginas quinze que “o apuramento de 92 atletas de 16 modalidades revelou-se um sinal de vitalidade do Desporto Nacional”. Seria bom que assim fosse. O problema é que, nem pouco mais ou menos assim é. Porque, através de uma análise mais atenta aos resultados do desporto português durante um período longo de vinte e quatro anos (1992-2016) num total de seis Ciclos Olímpicos chega-se precisamente à conclusão contrária. Na realidade, chega-se à conclusão de que as transformações de características sino-capitalistas desencadeadas sobretudo a partir 2004/2005 estão a revelar-se desastrosas para o processo de desenvolvimento do desporto português. Ora, perante esta situação, os responsáveis políticos deviam pensar seriamente se devem continuar a apostar no modelo de desenvolvimento instituído à revelia das federações desportivas que, desde então, tem consumido cada vez mais dinheiro e produzido cada vez menos resultados ou, se, pelo contrário, devem começar a desencadear as mudanças necessárias conducentes a salvar Missão para os JO de Paris (2024) porque a Missão para os JO de Tóquio (2020), em termos de desenvolvimento do desporto nacional, já está perdida.
Numa análise aos dados que constam no Relatório Missão Rio 2016” bem como às estatísticas oficiais produzidas pelo Instituto Português de Desporto e Juventude (IPDJ) é possível concluir que o referido modelo de tipo sino-capitalista pode produzir medalhas olímpicas em número extraordinário num país como a República Popular da China (RPC) mas, num país como Portugal, só pode produzir resultados absolutamente miseráveis para além de destruir a prática desportiva de base e o tecido organizacional sobre o qual ela se organiza ao longo da vida de cada um.
No que diz respeito aos resultados olímpicos, se compararmos os três Ciclos Olímpicos (1996/2000/2004) e os três Ciclos Olímpicos (2008/2012/2016) posteriores à institucionalização do Programa de Preparação Olímpico em 2004/2004 chega-se, facilmente, à conclusão de que o desporto se encontra numa preocupante regressão não só relativamente às federações desportivas que estão dentro do Programa Olímpico como, também, às que estão fora ou não conseguem os resultados para acederem ao Programa Olímpico.
Vejamos, então, quais as consequências do grande desatino desencadeado em 2004-2005, com o “Contrato-programa de Desenvolvimento Desportivo nº 48/2005” que está a deixar o desporto nacional num estado calamitoso.
Comecemos pelos resultados olímpicos. De acordo com as melhores práticas em matéria de desenvolvimento há muito produzidas pelo Conselho da Europa (Committee for the Development of Sport - CDDS) a relação entre a base da prática desportiva e o alto rendimento deve assentar no conceito de Nível Desportivo. Esta relação virtuosa entre a base e o topo da pirâmide desportiva, que os regimes fascistas, tanto de esquerda quanto de direita rejeitam, afirma que um processo eurítmico de desenvolvimento deve ser aferido pela designada Elite Correspondente. Ao aplicarmos este conceito ao Ciclo Olímpico do Rio de Janeiro chegamos à conclusão de que a Missão Portuguesa aos JO do Rio (2016) com 15 modalidades (excluído o futebol com 18 atletas) não devia ter mais de cinquenta atletas. Esta perspetiva significa que a Missão Olímpica portuguesa teve uma dimensão 20% acima daquilo que era suposto ter. Contudo, note-se bem que este dado não significa que o País tem praticantes de alto rendimento a mais, uma vez que os atletas só foram aos JO porque, no momento certo, conseguiram obter os resultados desportivos mínimos necessários. O desequilíbrio da Elite Real relativamente à Elite Correspondente não tem a ver com o facto do Sistema Desportivo português ter atletas de alto rendimento a mais, mas sim, praticantes desportivos a menos. Em conformidade, é necessário reforçar os programas de desenvolvimento do desporto dirigidos à generalidade do Sistema Desportivo cujos financiamentos, desde 2004/2005, têm sido sangrados a fim de reforçarem os da Preparação Olímpica. E, por paradoxal que possa parecer, quanto mais dinheiro se subtrai à promoção do desporto para se investir no Programa de Preparação Olímpica piores têm sido os resultados nos Jogos Olímpicos (JO). E porquê? Porque o alto rendimento não se está a renovar com a velocidade requerida. Trata-se de um sistema a funcionar em circuito fechado a fim de, sem grandes preocupações, animar a reforma de alguns dirigentes. Por isso, em várias situações, a Missão Olímpica ao Rio de Janeiro mais parecia uma equipa de veteranos. Por outro lado, hoje, o desporto nacional vive o terrível drama da metáfora da “galinha dos ovos de ouro” que representa um infantilismo do curto prazo. Quer dizer, quanto mais dinheiro se investe no Programa de Preparação Olímpica piores são os resultados e quanto piores são os resultados mais dinheiro se vai buscar à promoção da prática desportiva a fim de financiar o Programa de Preparação Olímpica na esperança de obter resultados a curto prazo.
Por isso, a pergunta que se coloca é a seguinte: Até quando é que a tutela política vai continuar a financiar um modelo de desenvolvimento do desporto que está a produzir cada vez piores resultados à custa de cada vez mais dinheiro dos contribuintes?
Vejamos, então, o que é que se está a passar tanto a nível do vértice quanto da base da prática desportiva.
A nível da elite olímpica o miserabilismo dos resultados tem sido evidente. Atentemos na prestação portuguesa nos JO. O que é insofismável é que, desde 2004, a Missão Olímpica tem vindo a produzir cada vez piores resultados:
-Três medalhas em Atenas (2004);
-Duas medalhas em Pequim (2008);
-Uma medalha de prata em Londres (2012);
-Uma medalha de bronze no Rio (2016).
Mas, se olharmos com algum pormenor para o “Relatório Missão Rio 2016” chegamos à conclusão que os atletas de Nível 1, num total de doze (12) presentes no Rio de Janeiro só um cumpriu o objectivo. Quer dizer, o objectivo que era obter 25 % de pódios dos atletas integrados, quer dizer, três medalhas. Portanto a situação ficou muito aquém do desejado uma vez que só foi conseguida uma medalha de bronze das seis que, na euforia da partida, foram prometidas ao embarcar para o Rio de Janeiro. Quanto aos atletas de Nível 2, num total de vinte sete (27), o objectivo era obterem-se 50% de lugares de finalista. Ora bem, só seis (6) atletas (incluindo o futebol) cumpriram o objectivo determinado quando o objectivo determinado era de catorze (14) finalistas. Quanto aos atletas de Nível 3, num total de dezasseis (16), o objectivo era obterem-se 80% de lugares de semifinalistas o que, seriam treze (treze) atletas. Todavia, só quatro (4) atletas cumpriram o objectivo o que fica muito abaixo do objectivo determinado. Finalmente, quanto aos atletas não integrados no Programa de Preparação Olímpica num total de trinta e um (31) só foi obtido um resultado com algum significado (nono em ténis pares masculinos). Infelizmente, a tendência vai no sentido de Tóquio (2020) vir a ser uma autêntica hecatombe. Claro que, depois, ninguém assumirá as responsabilidades e as devidas consequências.
Portanto, para além dos resultados individuais e dos esforços dos atletas, das famílias, dos treinadores e dos dirigentes dos clubes e federações o resultado global da participação portuguesa nos JO do Rio de Janeiro (2016), em função dos recursos postos à disposição que segundo o presidente do COP foram os suficientes, só pode ser classificado como miserável. E a generalidade da comunicação social até os apresentou como uma “grande desilusão”. É claro que a grande desilusão se ficou a dever à superestrutura da organização do desporto nacional (Ministério, Secretaria de Estado do Desporto, Instituto Português do Desporto e Juventude, Comité Olímpico de Portugal, Confederação do Desporto de Portugal, Fundação do Desporto de Portugal) que, sob a liderança do Ministro da Educação e a participação de todos os agentes envolvidos, parece não ter tempo ou até mesmo vontade para, de uma forma franca, aberta e competente, avaliar a actual situação do desporto nacional. Se tal acontecesse seria o justo reconhecimento de que, em termos individuais, a presença de 92 atletas no Rio de Janeiro representou um extraordinário esforço dos atletas, das famílias, dos treinadores, dos clubes e das federações desportivas, sem os quais o alto rendimento desportivo nacional, há muito, como ficou demonstrado com Rui Bragança, já tinha “fechado a porta”. 
Entenda-se que uma má prestação nuns JO é perfeitamente natural que possa acontecer. O problema é que as Missões Olímpicas portuguesas têm vindo a acumular desastres sobre desastres sem que os dirigentes políticos e desportivos demonstrem qualquer capacidade para alterarem o rumo aos acontecimentos. E, para além da Coreia do Norte, até têm muitos países onde podem encontrar exemplos elucidativos. Por exemplo, a participação da Austrália no Rio de Janeiro foi um fracasso uma vez que foram os piores resultados desde Barcelona (1992). Mesmo assim a Missão Olímpica australiana obteve 29 medalhas (O8,P11,B10)!
Todavia, há duas diferenças fundamentais que separam a cultura organizacional do desporto português da do desporto australiano. Em primeiro lugar, os australianos, em vez de fazerem festanças do tipo “celebração olímpica” que o que mais fazem lembrar é a orquestra do Titanic, trataram de identificar as causas do fracasso a fim de idealizarem soluções em termos de organização do futuro. Em segundo lugar, no desporto australiano existe uma coerência estrutural entre ao ensino e alto rendimento. Quer dizer, o desporto de base está suficientemente estruturado para, em tempo real, alimentar o alto rendimento e o alto rendimento suficientemente organizado para, de modo contínuo, influenciar o desporto de base. Quer dizer, existe uma base suficientemente forte sustentada por dirigentes e técnicos experientes e aptos para, de um momento para o outro, se necessário for, corrigirem o curso dos acontecimentos. Por cá, passados que estão praticamente dois anos do Rio de Janeiro, a menos que aconteça uma decidida intervenção de Nossa Senhora de Fátima, de Tóquio (2020), só se pode esperar mais desatino e miserabilismo em matéria de participação nos JO.
O desporto português não tem massa crítica que lhe garanta coerência estratégica como se pode ver pela inconstância e inconsistência das Missões Olímpicas desde os anos cinquenta. Existe uma enorme contradição entre as necessidades dos atletas e o superego dos dirigentes. A última coisa que se pode esperar do desporto australiano é a existência de um qualquer “iluminado” que, ao estilo “magistar dixit”, na maior das ignorâncias, se sente no direito de determinar o destino do desporto no país. A metáfora do “dress code” representa bem este estilo de liderar o desporto. Enquanto os atletas, no centro operacional, estão preocupados com o fato de treino, os dirigentes, no vértice estratégico estão preocupados com “dress code”. A par desta disfunção ideológico-organizacional, a estrutura intermédia do Sistema Desportivo nacional, na mais confrangedora ausência de liderança política capaz de desencadear sinergias de sinal positivo, está cheia de dúvidas e sobretudo de dívidas, sem saber para onde se há-de voltar. Aguarda pacientemente pelo reforço de verba solicitado ao IPJD que funciona como uma espécie de “caixa geral de depósitos” atribuindo politicamente verbas a organizações que funcionam à margem de qualquer controlo social minimamente credível. Quer dizer, os portugueses são obrigados a pagar apesar de não terem qualquer direito de participar.
Na realidade, entre nós, a avaliação séria, independente e competente dos últimos Ciclos Olímpicos, se existiu, ficou no segredo dos deuses. Todavia, em 2004, sem quaisquer estudos de suporte foi desencadeada uma mudança estrutural no Sistema Desportivo Português que, desde logo, se começou a revelar caótica como se verificou com a hecatombe que que foi a participação portuguesa nos JO de Pequim (2008). Depois, apesar de, entre outros, um trabalho de Alfredo Silva relativo aos JO de Pequim (2008) e um relatório intitulado “Avaliação do Impacto do Financiamento Público dos Ciclos Olímpicos e Paralímpicos 2001-2012” produzido pela PWC para IPDJ, levantarem sérias críticas ao estado da situação, tudo continuou na mesma e a progredir de desastre em desastre.
Entretanto, através de uma breve consulta às estatísticas desportivas oficiais, chega-se à conclusão que, enquanto as modalidades desportivas que, por diversas razões, não estiveram presentes no Rio de Janeiro, num total de quarenta e duas (42), estão numa situação de estagnação ou, até mesmo, regressão pois, em termos globais, apresentam um crescimento de praticantes no período de 2008 a 2016 de 2%. Pelo contrário, as modalidades presentes no Rio de Janeiro), num total de 16, no mesmo período, tiveram um crescimento de praticantes de 38%. Quer dizer, o Sistema Desportivo nacional está num processo de autofagia em que as grandes prejudicadas são as modalidades colectivas (andebol, basquetebol, voleibol) que, com uma tradição escolar extraordinária nunca estiveram presentes nos JO.
Sabendo-se que os hábitos de prática desportiva ao longo da vida, com índices de fidelidade e intensidade acentuados estão, fundamentalmente, nas modalidades colectivas pode-se, facilmente, compreender que o actual modelo de desenvolvimento do desporto nacional (inventado em 2004-2005) numa de “lá vamos cantando e rindo” está a conduzir o Sistema Desportivo nacional no caminho da incultura desportiva que hoje, em termos dramáticos, já se constata no País.
Entretanto, Tiago Brandão Rodrigues, tal qual Zeus o rei dos desuses do Olimpo, tem a última oportunidade para mudar o curso aos acontecimentos reduzindo à sua insignificância os heróis com pés de barro que se apropriaram do desporto nacional e entendem, ao estilo “magister dixit”, poder viver à custa da inoperância do sistema sem assumirem quaisquer responsabilidades."