"Eusébio contado por ele mesmo. A sua vida militar do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa, em Queluz. Um tempo diferente na vida de um jogador de futebol.
Há vários livros sobre Eusébio e a fascinante história da sua vida. À minha conta, escrevi dois. O meu bom amigo João Malheiro tem várias obras sobre Eusébio. E Eusébio também se escreveu a si próprio.
Isto é, fez uma autobiografia: Meu nome é Eusébio.
Teve um ghost writer, como gostam de dizer os ingleses. 'Escritor fantasma', o homem que recolheu as suas declarações e as colocou em letra de forma: Fernando Garcia.
Já li o Meu Nome é Eusébio por diversas vezes. Por outras, apenas episódios soltos. Ontem dediquei-me a um deles e senti necessidade de o repartir com os meus sempre simpáticos e pacientes leitores que, há anos a fio, me aturam nestas páginas.
Dou a palavra a Eusébio.
'Dia 25 de Outubro de 1963. Dez horas da manhã. Acompanhado de um funcionário do departamento de futebol do Benfica, apresentei-me no quartel do Regimento de Artilharia Antiáerea Fixa, em Queluz. Lá iria encontrar elementos bem conhecidos do público, como Jacinto, Pedras e Calado, do Benfica; Esteves e Rodrigues, do Belenenses, e Feijão e José Carlos, do Seixal'.
Confesso que esta descrição me fez recordar a minha amaldiçoada entrada em Mafra, ou Máfrica, ou lá como chamassem àquele maldito penedo
Mas voltemos ao Eusébio: 'Olhava para tudo e para todos. Mirava a remirava tudo à minha volta, procurando adivinhar o mundo novo que me esperava. Reconhecendo-me, a malta parecia dizer. «Olha o que nos saiu na rifa!...» A primeira operação foram as impressões digitais. A partir dessa altura passei a ser o Recruta 1987/63 da 1.ª Bateria de Instrução do RAAF. Fui dispensado do banho e do corte de cabelo com o compromisso de o cortar ainda mais curto, se bem que não estivesse comprido'.
O soldado português...
O Regime tinha uma palavra de ordem:
'O Soldado Português é Tão Bom Como os Demais'.
Pleno orgulho militar!
Eusébio não se sentia particularmente orgulhoso: 'Como todos os outros recrutas, fui receber o fardamento cumprindo as mesmas formalidades que todos os outros e obedecendo à mesma disciplina'.
Também o soldado Eusébio era como os demais!
'Principiou o trabalho, começaram os primeiros exercícios. Marchas, meia volta à esquerda ou à direita... Os meus ouvidos habituaram-se a novas vozes de comando, não do treinador, mas, desta feita, dos oficiais e dos graduados. Aprendi o manejo das armas, ouvindo disciplinadamente e com atenção as indicações dos meus superiores. (...) Havendo uma selecção militar de futebol, fui convocado para os treinos da equipa que iria participar no Torneio Internacional, nela me integrando. Foi assim que joguei, sucessivamente, contra as turmas similares do Luxemburgo, da França, da Grécia e da Espanha, voltando a defrontar, mais tarde, os luxemburgueses e os espanhóis. Nem sempre fui feliz, pois nem sempre joguei bem. Mas procurei, nessas alturas, actuar o melhor que sabia e podia, como se estivesse a representar o meu clube ou a selecção nacional. Em doze jogos, marquei nove golos. Falhei muitos mais porque não pude ou não soube. Mas a minha vontade e o meu entusiasmo estiveram sempre presentes, como se cada encontro fosse uma final, como se houvesse em vista um tentador prémio de jogo'.
Eusébio, nos campos de futebol, era um atirador!
Ah! E eu, sinceramente, não acredito que não pôde ou não soube marcar golos.
Se havia algo que ele sabia fazer, com ou sem espingarda ao ombro, era marcar golos. A farda pouco importava."
Afonso de Melo, in O Benfica