O futebol na sociedade portuguesa

"O futebol português apresenta-se básico e imediatista, submetido à ditadura do proletariado cibernético, em pleno primado do populismo.

O último fim de semana, sem surpresas de monta na Taça de Portugal, acabou por ser marcante quanto à guerrilha que continua a minar o futebol português. Da banda do Dragão, assistiu-se à apresentação de um livro que se perfila como lídimo sucessor do Eu, Carolina. E de Alvalade, pela pena de Bruno de Carvalho, surgiram alguns posts que não deixaram ninguém indiferente, essencialmente pela irreversibilidade dos conflitos abertos...
A este nível, o futebol português apresenta-se básico e imediatista, submetido à ditadura do proletariado cibernético, em pleno primado do populismos.
Mas será que é só no futebol que a sociedade portuguesa se revela com estes contornos? Não, o futebol está plenamente inserido num contexto temporal que nivela por baixo, menoriza protagonistas e vive por ditames circunstâncias.
É verdade que, nos últimos tempos, aquilo que no futebol, em termos de conflitualidade, já era mau, piorou exponencialmente, atingindo níveis de insanidade incompatíveis com uma sociedade civilizada. Mas a dimensão dada a outras matérias - e o caso mais recente de desproporção foi o jantar Web Summit no Panteão Nacional - mostra-nos que cada vez mais estamos sujeitos à influência de uma comunicação sem regras que se impõe através de redes alternativas baseadas na falta de critério e na ausência de escrutínio.
O que é que isto tem a ver com o que se verifica, desgraçadamente, no futebol? Tudo! É farinha do mesmo saco, de um populismo acéfalo que se alimenta do imediatismo, dos comentários impreparados e, last but not least, da escassez de jornalismo, numa era em que se confunde essa área nobre da nossa vida com propaganda e dissertação casuística e irresponsável nas redes sociais.
Regressemos ao futebol e a uma ideia de Henrique Calisto, partilhada na última Quinta da Bola: «Não há situações, por piores que sejam, que impeçam as partes desavindas de se sentarem à mesa para a resolução de problemas comuns». Em tese, Calisto tem razão. Na prática, na vigência dos mandatos de Pinto da Costa, Filipe Vieira e Bruno de Carvalho, tenho as mais fundadas dúvidas sobre a sua exequibilidade. A sensação que me fica é de que os clubes estão à beira do abismo e preparados para dar um passo em frente.

Ás
Carlos Pinto
A pouco e pouco o Santa Clara tem vindo a posicionar-se para nova aventura entre os maiores clubes do futebol nacional. A vitória sobre o Desportivo de Chaves, na Taça de Portugal, veio reforçar essa convicção e mostrar que poderá haver, nos Açores, mais cedo do que mais tarde, novo polo descentralizado da I Liga...

Ás
Marco Silva
O Watford regressou às vitórias e às boas exibições, no culminar de uma semana em que o treinador português andou nas bocas do mundo, assediado pelo poderoso Everton, que estava disposto a abrir muito os cordões à bolsa para garantir o seu concurso. Marco continua a protagonizar uma história de sucesso em fronteiras.

Duque
Oreste Vigorito
O presidente do Benevento, da Séria A italiano, fica na história por razões incómodas: o seu clube, ao perder ontem em casa com o Sassuolo, passou a ser o pior de sempre nas maiores Ligas europeias, com 13 derrotas nas 13 primeiras jornadas! Já trocou de treinador, Baroni saiu e De Zerbi entrou, mas nada mudou.

Tapie, caso de estudo na cidade de Marselha
«O que senti quando 50 mil pessoas me incentivaram no Vélodróme? Senti que devo ter feito alguma coisa relevante...»
Bernard Tapie, antigo presidente do Marselha
Bernard Tapie, antigo presidente do Marselha (afundou o clube em casos de corrupção), ministro nos idos de Miterrand e empresário do jet set, está muito doente, um cancro no estômago e esófago obriga-o a luta sem quartel. Deu ontem para entrevista e afirmou que vai encontrando força sobretudo no carinho que sente dos adeptos do OM. É verdade e dá que pensar...

Campeão do Mundo
Pedro Lamy, fazendo equipa com o austríaco Mathias Lauda e o canadiano Paul Dalla Lana, sagrou-se campeão mundial de resistência de 2017, na categoria LM GTE AM, ao vencer as 6 horas do Bahrain. Longe vão os tempos em que Pedro Lamy, agora com 45 anos, fazia um anúncio televisivo em que dizia «tenho cara de miúdo mas já sou muito rodado» e é uma pena que um acidente numa sessão de treinos em Inglaterra lhe tenha cortado uma carreira muito promissora na F1. Mas o talento continua lá, no melhor piloto português de sempre...
Forma directa de passar mensagem
A Itália falhou a qualificação para o Mundial da Rússia e a indignação dos media transalpinos traduziu a frustração de uma sociedade que há 60 anos não vivia tal provação. A manchete do Il Tempo, reproduzida ao lado, é paradigmática, na brutalidade, à medida da desilusão: «Vão mas é trabalhar!»"

José Manuel Delgado, in A Bola

Os árbitros cada vez mais expostos

"Olhemos para a arbitragem de João Capela no Benfica - V. Setúbal. Não para discutirmos quem foi mais ou menos beneficiado, mas para tentarmos perceber um pouco melhor as razões que podem ter levado ao infeliz trabalho do árbitro no Estádio da Luz. Veja-se as estatísticas: 48 faltas. Como escreveu o Hugo Vasconcelos, Capela «usou e abusou do apito». Se quisermos ir mais longe, fora das áreas marcou tudo, o que era e o que não era, talvez para não dar azo a que um daqueles lances divididos acabasse num golo que - na Taça não há VAR - viesse depois a revelar-se precedido de irregularidade. Dentro das áreas, pelo contrário, não apitou nenhuma das vezes que devia - e devia ter marcado, pelo menos, um penalty para cada lado.
Claro que poderíamos ir, simplesmente, pelo facto de haver, em Portugal como lá fora, bons e maus árbitros. E encaixar João Capela numa dessas categorias. Mas seria demasiado redutor. Pensemos, antes, na forma como os departamentos de comunicação dos três grandes passaram a comentar, em tempo real, a actuação dos árbitros, piorando o ambiente - já de si hostil - em torno da arbitragem. Haverá, é certo, os que lidam melhor com a pressão. Mas mesmo que de forma inconsciente, e por isso não assumida, parece impossível que haja algum que não se lembre, antes de apitar a favor ou contra Benfica, Sporting ou FC Porto, do barulho que a sua decisão criará e a quem, ou ao quê, passará a ser associado. Ficam, pois, mais expostos ao erro. E têm tendência a defender-se, como fez Capela na Luz. Bem vistas as coisas, talvez seja esse o objectivo dessa estratégia de bater só por bater. Porque ter razão deixou há muito de ser o mais importante. Interessa é ganhar, custe o que custar. Mesmo que com isso se vá matando, aos poucos, o futebol."

Ricardo Quaresma, in A Bola

PS: Duas notas:
- primeiro, houve 5 lances duvidosos nas áreas: 4 na área do Setúbal, e 1 na área do Benfica (duas mãos na bola e lances com o Jonas e outro com o Krovi; e o lance do Varela). Quando se diz que ficou pelo menos um penalty por marcar para cada lado, até parece que o mal foi distribuído pelas aldeias!!!
- segundo, esta estratégia de critica imediata logo a seguir ao final do jogo, começou há mais de um ano... parece que só agora, depois do Benfica começar a imitar os outros, é que os opinadores, acham que se está a matar o futebol... Quando o Benfica se mantinha calado, e os outros faziam barulho, estava tudo bem...!!!

Como treinar a sorte no desporto?

"Quem treina e compete quer acreditar que o seu desempenho e sucesso não depende da sorte. Nada ou quase nada. Mas temos de ser realistas, a sorte existe e, segundo Huizinga, é um dos quatro pilares que caracterizam qualquer jogo. E com isto não significa que treinemos menos ou que deixemos que o «acaso» possa ter mais peso do que já tem naquilo que são as nossas marcas, desempenhos ou objectivos. E a sorte também não dá mais ou menos trabalho. As vitórias regulares é que dão muito trabalho. Alcançar objectivos ambiciosos mas realistas é que torna a sua exequibilidade num esforço constante e construtivo.
Então como se treina para se ter sorte ou menos azar? Não se treina. A definição de sorte enquadra-se aí mesmo, nesse equilíbrio de hipóteses em que podem acontecer determinados acontecimentos e que não dependem nada ou quase nada dos intervenientes. O que se treina é o modo como nos relacionamos com ela e como reagimos aos mesmos acontecimentos que nos possam parecer justos ou injustos. E aí sim, o treinador pode ter um trabalho fundamental no modo como os seus atletas e as suas equipas reagem nos momentos seguintes à dita sorte ou azar. O modo como o atleta mantém o seu equilíbrio emocional ou perde o controlo sobre aquilo que são as suas prioridades e qualidades, que não podem ser distorcidas ou diminuídas em função do descontrolo emocional que se apodera de nós.
O treino serve para que possamos depender menos do fator aleatório que é a sorte, mas por muito que treinemos ou queiramos controlar tudo durante a competição, sabemos que isso raramente sucede. As equipas e os atletas melhor preparados são aqueles que reagem melhor e de modo mais célere ao que vai acontecendo no jogo ou na competição. E nós não conseguimos controlar tudo, por muito que nos esforcemos. As melhores equipas parecem nem nestes momentos perder o controlo sobre o que pode ser realizado e como tem de ser realizado.
O conhecimento que o treinador tem de cada atleta permite-lhe que cada momento possa ser potenciado e gerido em função dos acontecimentos que se encaixam naquilo a que o senso comum define como sorte. E um dos factores que mais nos rodeia e nós nem damos por isso e que se pode encaixar nisso que é a sorte são os factores contextuais, que favorecem mais uns do que outros, pela simples característica que enquanto seres humanos nos adaptamos mais ou menos a situações completamente distintas.
Em tempos tive um treinador que durante os treinos «provocava» a sorte e o azar e que nos criava sem nos apercebermos uma situação de completa frustração e injustiça pelos factos que aconteciam à nossa volta. Só mais tarde percebi que o modo e o tempo que demorávamos a reagir àquilo não dependia apenas da competência técnica ou da importância que aquele jogo ou resultado tinha para cada um de nós, mas sim pelo controlo ou descontrolo emocional e pela capacidade de foco."