terça-feira, 18 de julho de 2017

O alegre Verão da Minicopa

"A final contra o Brasil (0-1), jogou-se no Maracanã no dia 9 de Julho de 1972. O seleccionador de Portugal era José Augusto. A equipa estava assente numa grande maioria de Benfiquistas comandados por Eusébio.

Cumpriram-se, agora, 45 anos. Pois, parece que foi ontem. No dia 9 de Julho de 1972, Portugal e Brasil jogaram, no Maracanã, a final da chamada Minicopa, o Torneio da Independência, comemorativo dos 150 anos de um país dono de si mesmo.
José Augusto era o seleccionador. E ia advertindo, ao longo da prova: «Se me deixarem continuar a trabalhar como até aqui, como eu entendo que é necessário, tenho boas razões para acreditar que pode estar a formar-se uma equipa capaz de figurar muito bem no próximo Mundial». Fase final do Campeonato do Mundo de 1974, na Alemanha Ocidental. A selecção nacional não esteve presente. Como de costume.
Também no Maracanã, frente ao Uruguai. Portugal repete a exibição feita face aos argentinos, mas não consegue repetir o resultado. O seu futebol foi igualmente imaginoso e fluente, mas o golo de Pavoni, marcado aos 20 minutos, e a dureza, às vezes transformada em pura violência, dos sul-americanos obrigaram a selecção nacional a menos toques de bola, menos fintas e menos tabelinhas, recorrendo a mais cruzamentos, mais arrancadas e mais explosões. Jaime Graça empatou em cima do intervalo, e toda a segunda parte foi do domínio português e de imenso sofrimento para o guarda-redes Carrasco. Mas o 1-1 não se alterou e a conjugação dos resultados (a URSS ganhara ao Uruguai e perdera com a Argentina) permitia agora a Portugal um simples empate com os russos, desde que os argentinos não vencessem os uruguaios por mais de três golos de diferença, para chegar à tão ambicionada final.
O jogo foi pobre, e a vitória magra (1-0, golo de Jordão). O estilo combativo de Simeonov, Viktor, Vasenin, Kuksov e Bishovests, que viria, mais tarde, a ser seleccionador da CEI (Comunidade de Estados Independentes) e treinador do Marítimo, serviu para controlar a fantasia de Jaime Graça, Peres, Jordão, Dinis e Eusébio que, além disso, se viu atingindo como tal agressividade, que ficou com o osso da canela à mostra e em dúvida para a tal final tão sonhada com o Brasil, que se apurara entretanto vencendo a Jugoslávia (3-0).



A final
Dia 9 de Julho, portanto. Portugal não jogou de camisola branca, como acontecera na grande maioria dos jogos da Minicopa e como queriam os jogadores, convencidos de que o branco lhes dava sorte. Jogou com o seu habitual equipamento grená e verde, embora fosse, então hábito jogar de calções brancos. Entrou em campo com o onze mais utilizando durante a competição - José Henrique; Artur, Humberto Coelho, Messias e Adolfo; Toni, Jaime Graça e Peres; Jordão, Eusébio e Dinis - e rapidamente tomou conta dos acontecimentos, ignorando a pressão terrível do público do Maracanã, e a aura do campeões do Mundo de gente como Brito, Clodoaldo, Gérson, Rivelino, Jairzinho ou Tostão. Ao contrário do que seria de supor, foram os portugueses a fazer as despesas do futebol de ataque e os brasileiros a oporem-lhes uma toada de contra-golpe. Por uma, duas vezes, Portugal ameaça o golo: Jordão remata ao poste; Eusébio tem uma arrancada sensacional, passando por diversos adversários, arrancando «ohs!» de admiração a um púbico encantado, mas perde a oportunidade de remate por fracções de segundo. Os contra-ataques «canarinhos» são venenosos, mas Humberto Coelho está intratável imperial. Caminha-se para o final do encontro, tudo parece indicar que teremos um prolongamento. Mas, precisamente no último minuto, uma falta desnecessária de Adolfo sobre Jairzinho dá a Tosthão a possibilidade de meter, com um dos seus pés mágicos, a bola na cabeça de Jairzinho. É o golo e a vitória do Brasil. José Henrique queixa-se de que Jairzinho tocou a bola com o braço. O israelita Klein não lhe dá ouvidos e apita para o final. Ainda não tinha chegado a altura de uma vitória num jogo derradeiro. Seria preciso esperar muito e muito tempo."

Afonso de Melo, in O Benfica

Também em A Bola era uma vez...

"Viagem ao fantástico mundo do desenho crítico. Histórias pelo traço ditas e por quem jeito ele tem, sentindo como ninguém o que dito devia ser.

Vasculhando o baú das memórias logo pula à nossa frente frase gasta por farto uso, prenúncio de contos que nos transportavam, mais céleres que a velocidade da luz, porque à medida certa do nosso querer, para mundos de reis, de príncipes, de cavaleiros, de heróis, do sobrenatural, de animais humanizados, de humanos animalizados, de encantamento, do magnífico, enfim, mundos onde a imaginação cercada não era. As histórias, todas elas, haviam sempre de começar com o mítico «era uma vez...». Tatá! Sinal dado, apertem os cintos para inesquecíveis ida ao mundo do fantástico.
Muitas dessas viagens foram-nos concedidos por intermédio de arte sublime, preceito do desenho, só à mão e pela mão de quem para a coisa nasce e genialidade tem. Dela agora se fala porque a propósito doutras viagens, desde logo uma efectiva até à velha secretaria do Sport Lisboa e Benfica, no Jardim do Regedor, para contemplação de porção do espólio do jornal A Bola, constituída por desenhos insertos em temática desportiva e temperados com acerada e apimentada crítica. E histórias, errantes, por lá andam. Até aqui, nesta página, irromperam sem licença pedir...
Era uma vez um rei, de nome Stuart de Carvalhais, pouco dado às coisas do futebol mas deste querendo saber junto de quem do assunto cuidava para relatos fazer, em razão de mestria de traço e de coerente texto humorístico, dando azo a verdadeiras crónicas em banda desenhada vertidas.
Era uma vez um príncipe, José Pargana assim se chamava, aluno dileto e da sapiência de Stuart apropriando, exímio na extrapolação de traços e na distorção de peculiaridades até à vertigem do produto caricatural final.
Era uma vez um cavaleiro, tímido individuo que por João Martins respondia, porém enquanto artista timidez não conhecia. Acutilante e crítico mordaz, diabólico na perspectiva do Estado Novo e dos seus fiéis guardiões censórios.
Era uma vez um herói, o Francisco Zambujal no apelido, se bem que no apelido Génio podia ter. Mestre no mando da caricatura, muitos foram aqueles que no estilo lhe pegaram. Mais de 25 anos passados sobre a sua morte, ainda hoje é possível ver, na parede dum café de aldeia, bem lá no fundo duma oficina de carros, onze fulanos, campeões de futebol, no traço exacerbados por outro não menor campeão, este no domínio da arte.
Era uma vez outros reis, príncipes, cavaleiros e heróis, ao serviço da caricatura, do cartune ou do desenho simples. Era uma vez milhares de histórias em A Bola contadas. Da Travessa da Queimada para a Rua do Jardim do Regedor, viagem breve para viagem outra, mais longa, dura há já 72 anos..."

Carlos Marques, in O Benfica