segunda-feira, 15 de maio de 2017

Alguns considerandos sobre Luís Filipe Vieira

"O que era o Benfica quando Luís Filipe Vieira chegou e o que é hoje! Uma obra que é um caso de estudo, levada a cabo por um homem do povo.

Muita água correu já debaixo das pontes desde que Luís Filipe Vieira chegou ao Benfica, pela mão de Manuel Vilarinho, figura incontornável da ressurreição encarnada, como gestor do futebol. Há dezasseis anos, o velho estádio da Luz era morada de um clube em ruínas, arrasado por más gestões que culminaram com a era Vale e Azevedo. Vieira, já na casa dos cinquenta, tinha algum conhecimento, trazido do Alverca, do dirigismo desportivo. Mas nada do que sabia o preparava completamente para o desafio que encontrou no Benfica. Esta é a primeira nota a reter: Luís Filipe Vieira, essencialmente intuitivo, sem formação académica mas doutorado no dia-a-dia, teve a humildade suficiente para aprender o que lhe faltava e teve ainda a suprema capacidade de se reinventar sucessivamente, crescendo em saber e adequando-se às necessidades de um clube com a grandeza do Benfica. Foi por se aperceber, de forma cristalina, do potencial do gigante adormecido que era o Benfica que Vieira gizou o plano ambicioso de recuperação do clube; para isso teve o mérito de se rodear de algumas figuras que garantiram lealdade e competência, de Domingos Soares de Oliveira a Paulo Gonçalves (um abraço) e mais tarde a João Gabriel, criando então condições para encetar a grande aventura de refundar o Benfica. Foi a nova Luz, foi o Seixal, foi a credibilização financeira, foram várias experiências com técnicos, foram, enfim, uma série de iniciativas, umas conseguidas que outras, com as quais teve o mérito de aprender e evoluir. Pelo meio, conseguiu que o projecto não naufragasse apesar da crise, da troika e da implosão do BES, com quem o Benfica trabalhava preferencialmente. Nada disto foi fácil, muito disto deveu-se, mais do que a uma planificação científica, a uma intuição muito apurada e a verdade é que o resultado, todos estes anos depois, é simplesmente notável.
Os louros do tetra têm de ser divididos por muita gente. Mas uma coisa parece-me incontornável: o Benfica nunca seria campeão se o clube - adeptos, dirigentes, jogadores, treinadores - não estivesse unido, pacificado e coeso. E esse mérito, acima de todos, pertence a Luís Filipe Vieira, que fica agora a um título nacional de Borges Coutinho na lista dos presidentes do Benfica mais titulados. Uma questão de tempo..."

ÁS
Rui Vitória
Com um estilo peculiar, um low profile que contrasta com o perfil exuberante do seu antecessor na Luz, soube conquistar espaço próprio e já está na história do Benfica ao lado de nomes como os de Hertzka, Guttmann, Hagan e Eriksson. E com a vantagem de ser o professor do tetra. Casamento feliz, o que liga Benfica e Vitória...

ÁS
Luisão
Foi preciso esperar quase oito décadas para que houvesse tetracampeões no Benfica. E Luisão é o chefe-de-fila de um grupo que conta ainda com André Almeida, Jardel, Fejsa e Salvio, nomes para a eternidade na história dos encarnados. Luisão, por seu turno, é a grande referência benfiquista do renascimento do século XXI.

DUQUE
Marco Silva
Apesar de uma recuperação empolgante, traída por uma derrota caseira com o Sunderland, há uma semana, o Hull City desceu ao Championship. Um registo triste para Marco Silva que, contudo, mostrou-se à Premier League onde continuará, se assim entender. Mas pode ser que receba algum convite especial de Portugal...

Benfica de Carrillo visto no Peru
A imprensa peruana deu grande destaque ao tetra benfiquista, referindo, claro está, a presença de Carrillo na equipa de Rui Vitória. Pode não ter sido a época, em termos de relevância individual, com que Carrillo sonhou. Mas é campeão e parece sincero ao dizer que está feliz com a opção que tomou.

Sporting, um clube, dois discursos
«Benfica foi o vencedor. Nem tem discussão aquilo que foi o Sporting este ano e do ano passado. Foi um vencedor justo...»
Jorge Jesus, treinador do Sporting
Jorge Jesus não teve problemas em aceitar a justiça do título conquistado pelo Benfica, reconhecendo a diferença de produção entre o Sporting da época passada e aquele da temporada ainda em curso. Trata-se de uma abordagem ao arrepio dos sound bytes da comunicação oficial do clube, o que põe a nu, uma vez mais, a existência de dois discursos autónomos em Alvalade.

'Baby' Mónaco
Dezassete anos depois, o Mónaco volta a ser campeão de França, colocando ponto final na ditadura do PSG! E com um carimbo 'made in Portugal'. Leonardo Jardim, o treinador que ninguém conhecia no 'hexágano' e acabou por calar os mais chauvinistas é o porta-estandarte lusitano, Bernardo Silva, o pequeno príncipe, afirmou-se como melhor jogador da La Ligue, João Moutinho temperou com experiência a equipa campeã mais jovem nos 'big five' e, 'last bu not least', Luís Campos, que já se mudou para Lille, foi peça importante neste projecto."

José Manuel Delgado, in A Bola

Troféu histórico


"O Benfica venceu o campeonato e merece naturalmente os parabéns. Foi a equipa mais regular e demonstrou uma enorme maturidade competitiva ao longo de toda a época.
Foi um sábado repleto de emoções com o Para Francisco em Fátima a confirmar Jacinta e Francisco como Santos perante uma multidão de crentes e, mais ao final da noite, a vitória absolutamente extraordinária de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão, colocando uma vez mais Portugal na moda com uma voz doce e uma música que nos leva para a ternura muito peculiar dos portugueses.
No Estádio da Luz o campeão voltou. Os festejos espalharam-se pelo mundo fora, com especial destaque para o habitual Marquês de Pombal, que vibrou até de madrugada. Este título é especial porque ficará na história do futebol como o primeiro tetracampeonato conquistado pelo clube da Luz, feito que já tinha sido alcançado pelo Sporting e FC Porto.
Luís Filipe Vieira e Rui Vitória são os grandes responsáveis pelo feito histórico alcançado. O Presidente tem feito crescer o Benfica de forma muito sustentada assente numa gestão moderna e muito criteriosa aproveitando bem os sinais do mercado, já Rui Vitória tem gerido com distinção as emoções no balneário que se vai superando perante obstáculos que muitas vezes parecem intransponíveis.
Sendo o campeonato uma prova de regularidade chega na frente a equipa que cometer menos erros ao longo de toda a época e este ano foi claramente o Benfica o mais regular, onde os outros clubes, nomeadamente Sporting e Porto nunca aproveitaram os deslizes que sempre acontecem.
Rui Vitória e Pedro Martins vão voltar a encontrar-se no Jamor na final da Taça de Portugal. Promete..."

Hermínio Loureiro, in A Bola

O menos mau não é o melhor?...

"Podem classificar o Benfica tetracampeão nacional como queiram. Dizer que foi o menos mau dos três grandes para tentar desvalorizar o feito histórico conseguido pela equipa de Rui Vitória - sem esquecer, contudo, que apelidá-lo de menos mau é apenas a forma mais depreciativa que encontram para dizer, por outras palavras, que o Benfica foi o melhor dos três. Vai dar ao mesmo. Porque aquilo que ninguém pode dizer é que os encarnados são injustos campeões. Não são. E o jogo com o Vitória de Guimarães, que arrumou a questão do título, foi a prova de que talvez alguns precisassem para deixarem cair esse argumento.
Não foi brilhante ao longo da época? Não. É um facto. Mas foi sempre forte (o que não quer dizer que tenha sempre jogado bem) nos jogos em que teve que sê-lo. E foi isso, bem vistas as coisas, a fazer toda a diferença nas contas finais do campeonato. Porque os outros não o foram quando deviam ter sido. Tem, por isso, todo o mérito, que não pode ser disfarçado falando-se do demérito dos outros. Foi mais competente e foi campeão. Ponto final.
Aliás, para arrumar de vez a questão basta perceber o que se passa no Dragão e em Alvalade. Podem os responsáveis, de forma mais ou menos directa, falar em erros de arbitragem e outros que tais (um argumento que, de resto, não é novo) para explicar o tetra celebrado na Luz, mas a verdade é que nem Nuno Espírito Santo nem Jorge Jesus têm presença garantida no FC Porto e Sporting na próxima época. Porque os responsáveis máximos dos dois clubes - assumam-no ou não - veem neles enormes responsabilidades na forma como deixaram a águia voar para o título. E isso diz quase tudo."

Ricardo Quaresma, in A Bola

O sofrido triunfo da Vaca Vitória

"Rio Ave-Benfica, minuto 86. Gonçalo Paciência aproveita uma recuperação de bola à saída da área do Benfica e remata forte com Ederson batido: o esférico bate estrondosamente no poste esquerdo, ressalta para outro avançado vila-condense e este faz a recarga para as nuvens. Estava ganho o jogo e muito provavelmente o campeonato. Eu estava lá com o Paulo Paixão e vi!
Como se explica este facto insólito que, além de desafiar a lógica, também desafia as leis da física? Se olhássemos com atenção, algures nas bancadas junto à baliza, estava um bichinho cornudo de peluche, preto e branco, como convém à representação de uma ruminante leiteira. É a Vaca Vitória, que raramente deixa o Benfica ficar mal.
Foi ela que inspirou Mitroglou no jogo com o Braga a fazer aquele slalom pelo meio dos defesas e a meter a bola pelo buraco da agulha. Ou Pizzi a ver uma nesga no muro defensivo do Feirense e a desferir o remate certeiro que decidiu o jogo. A Vaca Vitória não é um personagem de ficção. Existe mesmo e vão acreditar na minha palavra porque a dita está lá em cima - e no final deste texto. 
Espantosos os poderes da Vaca Vitória. Nalguns jogos não há só uma a saltitar de bancada em bancada mas muitas. Aliás no jogo como o Borussia Dortmund em casa a mascote dos benfiquistas aflitos fez como o tenebroso agente Smith do último episódio de Matrix e replicou-se até ao infinito: havia mais de 50 mil Vacas Vitórias nas bancadas do estádio. Só assim se explica que, perante o caudal de jogo dos alemães, não só eles não marcassem um golito para a amostra (nem um penalti “à cagadinha” , genialmente defendido por Ederson) como na única vez em que lá fomos a dupla Luisão-Mitroglou fez um milagre…
Ninguém é perfeito e, como sabem os especialistas em agro-pecuária, a produção leiteira não é regular ao longo do ano. Sofreu uma quebra por alturas de Dezembro, altura em que o Glorioso perdeu no Funchal com o Marítimo, empatou com o Boavista na Luz, perdeu em Setúbal com o Vitória e foi eliminado pelo Moreirense na meia-final da Taça da Liga.
Mas a nossa vaca voltou finalmente. Numa altura em que não se podiam perder mais pontos, ainda nos deixou ficar por um empate em Paços de Ferreira, minimizado por igual resultado do FCP nessa jornada. Mas daí em diante empatámos onde não podíamos perder (Porto e Sporting) e ganhámos onde era mesmo preciso ganhar (Moreirense, Estoril e Rio Ave). E para quem dizia que vinha aí um campeão que não jogava nada, aí esteve o jogo com o Guimarães: na partida que podia decidir tudo, cinco golos de levantar um estádio e outros tantos desperdiçados. A Vaca Vitória nem precisou de se esmerar. Mas esteve lá na bancada não fossem as coisas ter dado para o torto.
Para o ano vai-me custar horrores ver sair o Ice Man Lindelof, os velocistas Nelson Semedo e Grimaldo ou esse extraordinário guarda-redes – Ederson – que quando não oferece penaltis ao adversário é o melhor do mundo. Sem falar de Eliseu que descobriu finalmente a peça de equipamento que o pode ajudar quando lhe despejam bolas nas costas: aquela lambreta das celebrações do Tetra. E ainda Jimenez, Mitroglou e sabe-se lá mais quem.
Mas a única que não pode sair, protegida por uma cláusula de rescisão de cem milhões, é a nossa Vaca Vitória. Enquanto continuar a pastar no relvado da Luz, o Penta e o Hexa são limpinhos."

O meu Benfica...

"Não poucas vezes, num sentimento de orgulho legítimo e até de nostalgia bonita, mimo os olhos com as minhas dez faixas de campeão nacional. Foi uma caminha gloriosa ao lado, entre outros, do Eusébio. Mas nunca fui tetra campeão; em 1966 (esse mesmo, o ano do Mundial), em 1970 e em 1974 o desiderato não se concretizou.
Numa riquíssima história centenária, carregada de verdade e de apoteose, o Benfica pode finalmente assinalar a consecução de quatro campeonatos consecutivos. Sinto uma sensação quase adolescente de conquista, de sucesso, de glorificação. Sinto uma incontida vontade de partilhar, de sublinhar, de comemorar.
A matriz do meu clube remete para a sua condição popular, inconformista e ganhadora. É assim há mais de um século. Com um ou outro interregno, a senda triunfal estimula de forma maciça todo o universo lusitano. Hoje Portugal sorri, sorri mesmo. O Benfica conquistou o almejado tetra, respondendo à letra à treta de alguns.
A organização, o investimento, a inovação, a visão, o crescimento e, claro, a modernidade, tudo reunido, são factores que estão subjacentes a esta tomada histórica. O presidente Luís Filipe Vieira é, desde logo, credor de muitos encómios. Também os jogadores e os técnicos Jorge Jesus e Rui Vitória, com a particularidade de o actual treinador ter feito o pleno no seu ainda curto consulado.
Esta foi uma temporada excitante. Os nossos principais adversários, amiudadas vezes, procurara, menorizar a nossa vitalidade, a nossa grandeza, a nossa cultura secular. O Benfica respondeu sem sobranceria em campo. Teve uma postura humilde, afinal o predicado maior dos verdadeiros campeões.
Nesta altura, o meu Benfica é mais Benfica, nesta altura, o meu Benfica é melhor Benfica. Porque ganhou o tetra? Porque pode ganhar o penta."

António Simões, in Diário de Notícias

Serei o Caleb do hexa

"A caminho da terra prometida, Moisés envia batedores até Canaã. Estes doze batedores ou espiões são uma espécie de novas pombas da nova arca; têm o dever de trazer no bico ramos de oliveira mergulhados em mel e leite. Quando voltam, a maioria não quer assumir a verdade maravilhosa: a terra prometida está mesmo lá à espera; a maioria dos batedores deixa-se contaminar pelo azedume pessimista, pela inércia do deixa-andar, pela cobardia do cínico que não tem coragem para ser feliz; dizem que é impossível lá chegar, que há tribos poderosas e muralhas inexpugnáveis. É uma parábola poderosa do pessimismo. Quando nele estamos mergulhados, não queremos aceitar boas notícias, porque a nova luz desinstala a narrativa que usamos para ver o mundo. O pessimista pode ser tão irrealista como o optimista, a distopia é tão míope como a utopia. Querem um exemplo? Submersos no baixo queirosianismo, a maioria dos portugueses é assim: não sabe lidar com histórias de sucesso de Portugal; quando algum facto positivo põe em causa a narrativa da “choldra”, ficam irritados; não querem acreditar que Portugal também pode ser uma terra de mel e leite. Ora, o meu benfiquismo é desta patética estirpe. Ainda hoje tenho dificuldade em lidar com esta normalidade da conquista, com este bocejo de felicidade que é vencer ano após ano. O tetra ainda me parece inverosímil, já aconteceu mas a minha cabeça recusa-o como uma impossibilidade física e metafísica. Quem é da minha geração perceberá esta predisposição.
Os mais novos e os mais velhos terão dificuldade em compreender. É normal. Os mais velhos têm memórias dos anos gloriosos do Eusébio e, portanto, vêem esta nova era como um regresso à normalidade do povo escolhido que veste de encarnado. E os mais novos só têm memórias pós-2010. Sucede que eu tenho 37 anos, vivi a adolescência e primeira fase adulta durante o jugo da agremiação norte coreana que veste aqueles pijaminhas azuis e brancos. Este Moloch azul mortificou duas décadas inteiras do meu benfiquismo. Reparem: nos anos 90, quando o campeonato começava em Agosto, eu assumia que tínhamos 6 pontos negativos, ou seja, assumia que começávamos abaixo de zero, no gélido menos 6. É uma conta fácil de explicar: os dois jogos com o Moloch azul estavam perdidos à partida. Todos os anos rezava ao Santo César Brito, mas o destino estava traçado: éramos empalados, eles faziam connosco aquilo que Vlad fez aos turcos. Não, não me venham com a história dos árbitros. Eles ganhavam porque eram melhores, porque nós tivemos duas décadas de uma incompetência incompreensível, porque tínhamos medo. Ir às Antas era como voltar ao Egipto ou, pior ainda, era como ser deportado para a Babilónia ou para uma Gomorra qualquer onde a nossa equipa era ciclicamente abusada sem só nem piedade ao estilo do Pulp Fiction. Não indico o Pulp Fiction por acaso. O filme de Tarantino é uma dos separadores que a minha memória usa para dividir as águas entre um passado ainda alegre e o futuro negro na Gomorra azul. O filme é do ano mágico de 1994, o ano do 6-3 e do 4-4, o último ano de uma equipa gloriosa, a equipa de Paneira, João Pinto, Kulkov e do profeta zarolho, Isaías, o homem da fórmula 12-1; se chutasse 24 vezes, marcava 2 golos. Depois de 94, entrámos na noite. Entre 94 e 2010 (o campeonato do Trap não conta), passámos mal. Foram os anos da Babilónia do Nabucodonosor da Cedofeita, foram os anos em que tivemos pensionistas ingleses no meio campo, ferroviários galeses na ala esquerda, suecos com nome de batata frita na frente, foram anos em que tivemos no banco um escocês de garrafão e um egípcio chamado Manuel José, foi a altura em que desperdiçámos José Mourinho em nome da tal mística que se escondia no bigode de Toni, como se fosse uma farripa de couve do caldo verde. Não, não se riam, porque a estupidez era grande.
Durante estes longos dezasseis anos, o meu cérebro habituou-se ao pessimismo, aprendeu a desconfiar dos (curtos) momentos de alegria. E o momento Kevin, há uns anos, foi uma recordação dolorosa desse tempo. Parecia que já estávamos emancipados, parecia que já tínhamos dado o nosso Grito do Ipiranga contra o jugo azul, parecia que as pernas já não tremiam quando se passava para lá do Douro, mas afinal ainda havia aquele minuto 92 no alforge do Nabucodonosor da Cedofeita. É por tudo isto que ainda não sei o que pensar ou fazer com esta boda de títulos que brota da terrena prometida de Vieira.
Na caminhada de Moisés, só dois batedores têm fé e coragem para abraçar a felicidade: Josué e Caleb. Calam a multidão pessimista que cerca Moisés, e gritam: “não temais”. É preciso não temer a glória, que tem uma luz que pode acobardar. Eu, confesso, ainda temo. Mas, com jeitinho e devagarinho, como canta o Salvador Sobral, eu prometo que chego lá. Prometo aliás que serei o o Caleb do Hexa e o Josué do Hepta. O penta é pra meninos."

A liderança dentro de campo

"A experiência positiva de o Benfica ter no seu plantel vários jogadores campeões em Portugal e o FC Porto ter uma escassa experiência no seu plantel de ser campeão, foi determinante e pode continuar a assumir preponderância nos futuros títulos da Liga.

Confesso que por norma, não atribuo muita importância à experiência como garantia por si só de qualidade. Por exemplo, nos treinadores campeões em Portugal, existem estudos recentes que demonstram que um treinador campeão em Portugal por outro clube não acrescenta qualquer mais-valia às maiores hipóteses do seu novo clube se tornar campeão. Aliás, existe geralmente um choque que se pode denominar de «conflito de organizações», sugerindo que um treinador considera que a fórmula para se ser campeão deve ser uma, e o clube outra.
Mas sobre o tema da liderança dentro de campo, referindo-me aos jogadores que em campo assumem a liderança dos outros colegas, assumo que a experiência positiva de o Benfica ter no seu plantel vários jogadores campeões em Portugal e o FC Porto ter uma escassa experiência no seu plantel de ser campeão, foi determinante e pode continuar a assumir preponderância nos futuros títulos da Liga. 
Passo a explicar. Em vários momentos foi fácil compreender a ansiedade existente em diversos jogadores do FC Porto, por exemplo. Resultados positivos mas difíceis de manter, oportunidades que não foram aproveitadas após percalços do rival, um discurso que em determinados momentos não surtiu efeito. O jogador do FC Porto com mais títulos na Liga em Portugal é o Maxi Pereira. Na baliza aparece outro jogador muito experiente. Mas, depois disso, temos um conjunto de jogadores que joga regularmente a titular que não tem qualquer experiência de títulos. Não os torna maus jogadores. Apenas pouco ou nada experientes em determinadas situações.
O Benfica, ao contrário do seu rival, chegava a esta Liga como tricampeão e por isso, de modo natural, muitos jogadores desse plantel já tinham pelo menos um título. A questão é que existem vários jogadores do Benfica que chegaram a esta Liga com três ou dois títulos em Portugal. Juntando a isto, um treinador do FC Porto sem experiência (relembro por exemplo que o Benfica contornou esta situação – bem ou mal, deu resultado – com um treinador muito experiente fora de Portugal, Trapattoni) que conseguiu em muitos momentos juntar os adeptos, os dirigentes e os resultados, mas que acabou por ceder em termos comunicacionais nos momentos de alguns percalços.
Não há uma solução exacta para resolver estas situações. Não é uma receita médica com maior probabilidade de resolver a bem ou mal. Mas é claro que tem solução. Por essa razão, o FC Porto terminou com os ciclos do Benfica e do Sporting e, nos últimos anos, o Benfica terminou com o ciclo do FC Porto. A questão é esta: a história demonstra que ter jogadores com maior experiência em ser campeão tem mais peso do que ter treinadores campeões. O desafio para o futuro será compreender dois aspectos: como é que o Benfica vai manter vários jogadores experientes no plantel ano para ano; e como é que um plantel do FC Porto com poucos ou nenhuns campeões e com um treinador sem experiência em ser campeão vai prevalecer, ou como é que um plantel do Sporting sem campeões e com um treinador experiente vai alinhar ideias para prevalecer à medida de um clube e não apenas às ideias do treinador."

Uma história sobre o tetra que o Benfica perdeu pela diferença de golos

"Foi há 39 anos que o Benfica teve a última oportunidade para ser tetracampeão. Em 1977/78 não o conseguiu ser, apesar de não ter perdido um jogo e de ter acabado com os mesmos pontos do FC Porto, que venceria o campeonato. António Fidalgo era o habitual suplente de Manuel Bento, mas foi o titular no jogo das Antas que, a três jornadas do fim, decidiu tudo. E contou-nos o porquê de ter sido a última partida desse campeonato a fazê-lo querer sair do clube da Luz, um ano depois

- Perder um campeonato em que a equipa acaba sem derrotas e com os mesmos pontos que o FC Porto: qual foi a sensação?
- É verdade, acabámos sem derrotas, com muitos poucos golos sofridos [foram 11] e só fiz três jogos, salvo erro. Mas joguei aquele célebre jogo nas Antas, em que o empate permitiu ao FC Porto ser campeão.

- Até houve um autogolo.
- Sim, foi quase a acabar. Houve um livre à entrada da área, depois houve um alívio do Alberto, se não me engano, e o Ademir, de recarga, marcou o golo.

- No velho Estádio das Antas, o ambiente não devia estar fácil.
- Estava completamente cheio, a transbordar mesmo. Até havia muitas pessoas bem perto da minha baliza. O FC Porto não era campeão há 19 anos. Nós, nos últimos jogos, tínhamos tido dois empates em casa muito comprometedores. Se bem me recordo, foram com o Braga e o Portimonense. Esses empates permitiram que o FC Porto se aproximasse e esse antepenúltimo jogo, nas Antas, praticamente decidia tudo. Ficámos em igualdade de pontos.

- O que decidiu foi a diferença de golos.
- Isso já não me lembro bem, mas veja lá, é melhor [ri-se]. Mas sim, acho que o Benfica e o FC Porto acabaram com os mesmos pontos.
- Foi mesmo: acabaram os dois com 51 pontos, mas o FC Porto teve uma diferença de +60, melhor que a do Benfica (+45).
- Não me recordo bem disso, francamente. Mas lembro-me bem do jogo, porque o Bento tinha sido expulso em Setúbal. Ele era o titular. E eu, a seguir, fiz três jogos - dois no Estádio da Luz, com o Estoril e com o Feirense, se não me engano, e fiz esse nas Antas. Curiosamente, no último jogo do campeonato, fui outra vez para o banco. Aliás, há uma coisa curiosa, não sei se interessa.

- Diga, diga.
- O último jogo foi contra o Riopele [onde jogava Jorge Jesus], que ainda estava na primeira divisão, e o Riopele jogou no estádio do Braga, para encher. E eu tinha jogado no Braga na época anterior… 

- Até foi considerado o melhor guarda-redes do campeonato, pela “A Bola”.
- Exacto. E tinha uma afeição grande à cidade e ao público. Como era o último jogo do campeonato, pensava que ia jogar. Quando fui para suplente, posso-lhe confidenciar que foi aí que decidi que ia sair do Benfica. Já não havia hipótese. Eu compreendia que o Bento jogasse, mas, se eu não jogava naquele jogo, nunca iria jogar mais.

- Chegou a falar disso ao John Mortimore?
- Não, não, não, falei com os meus colegas. Aliás, foi um colega meu que, antes do jogo, me disse: ‘Olha que não vais jogar’. Como era o último jogo, achava que não comprometia nada o facto de eu jogar. Então, acabou. Ainda fiz mais um ano no Benfica, mas foi aí que decidi.

- Foi a gota de água.
- Tinha feito uma época muito boa em Braga. Voltei ao Benfica e não tinha oportunidade de jogar porque era o Bento, era normal. Mas não jogar naquele jogo deu-me uma tristeza muito profunda. Já tinha jogado nas Antas, que foi um vulcão em erupção, e sinceramente achava que ia jogar em Braga. Até me lembro de ver macas a passarem atrás da baliza, que dava para o acesso aos túneis, porque estava ali muita gente afecta ao FC Porto. Foram ao nosso jogo porque estavam extremamente ansiosos, não ganhavam o título há 19 anos, tinham a festa preparada.

- Vocês, no balneário, falavam muito sobre o tetra?
- Sim, falávamos. As recordações que tenho da altura é que pensávamos mesmo que íamos ganhar o campeonato. Aqueles empates em casa deitaram tudo a perder, mas tínhamos a convicção que íamos ao Porto ganhar. Mas o FC Porto também tinha grandes jogadores nessa altura, com o Pedroto. Infelizmente, não conseguimos. Eles deram tudo o que tinham. Às vezes ainda falo com o Humberto Coelho sobre esse jogo e sobre um lance do qual me recordo sempre: ele teve a hipótese de fazer o segundo golo muito pouco tempo antes de o FC Porto marcar. Ainda no outro dia, a falar com o Fonseca, que era guarda-redes do FC Porto, recordámos isso. O Humberto recebeu um cruzamento ali à entrada da pequena área, sozinho, rematou e acho que o Fonseca defendeu com o pé, a bola bateu na barra e saiu. Passados poucos minutos, foi o golo do FC Porto.

- E o Humberto Coelho, nessa altura, era um dos líderes do balneário, certo?
- Sim, era o Humberto e o Toni, mais do que todos. Era os grandes líderes, líderes a sério. Assumiam bem o papel e lembro-me que me apoiaram mesmo muito antes do jogo, durante a semana. Confiaram em mim e foi óptimo sentir isso da parte dos colegas, porque estava sem jogar durante quase toda a época. Mas tinha presente a época que tinha feito no Braga, que foi muito boa.
- Mas chegou ao Benfica e teve de competir com o Manuel Bento. Como é que eram os treinos?
- Bem, era terrível. O Benfica, naquela altura, tinha treinos de conjunto que, muitas vezes, eram mais acesos que alguns jogos do campeonato. O plantel era muito competitivo e lutava-se muito nos treinos para ter um lugar não só na equipa, como nos convocados. Nessa altura, o Benfica ganhava três campeonato, o Sporting ganhava um, e depois o Benfica ganhava outros três. Nesse ano, foi o FC Porto.

- E ainda tinha de levar com os remates de gente como o Nené, o Chalana, o Vítor Baptista ou o Shéu.
- E, de vez em quando, o Eusébio ainda treinava connosco. Os meus treinadores de guarda-redes, tanto no Benfica como depois no Sporting, eram normalmente os jogadores ou os adjuntos. Não havia técnicos de guarda-redes. Os treinos quase que se resumiam a isso. Praticamente não éramos englobados nos treinos táticos, hoje em dia é tudo diferente. Éramos autodidatas.

- Os treinos de finalização não eram frustrantes? Devia chegar a poucas bolas, com aqueles jogadores.
- Não, sempre me deu um gozo particular. Eu gostava muito de fazer treinos de baliza, treinos técnicos. Confesso que não gostava muito de correr. Mas, fizesse sol ou estivesse chuva, adorava estar na baliza. Depois, quando apanhei esse jogadores, muitos eram aqueles de quem coleccionava cromos, uns anos antes. O ambiente era fantástico entre os jogadores.

- Mesmo tendo jogado pouco, o António faz parte de um recorde do Benfica: 56 jogos sem perder, entre 1976 e 1978.
- Praticamente não faço parte desse recorde, porque quase nunca joguei [ri-se]. Nem sabia disso, francamente. Pouco jogava. Mas é óptimo, claro. Nessa temporada lembro-me que estava um pouco esgotado, porque tinha feito a tal época anterior de grande nível, e o Bento, realmente, não dava hipótese. O Bento trabalhava por cinco jogadores, era um excelente guarda-redes. Tinha uma agilidade tremenda e trabalhava muito. Não sei se vai parecer muito mal dizer isto, mas ele trabalhava muito mais do que eu.

- Não há problema nenhum em dizê-lo, estamos a falar do Bento.
- Claro. Mas, depois do ano no Braga e de ter oportunidade de fazer aqueles três jogos no fim da época, senti uma dor que nunca mais me saiu por não ter jogado aquele último jogo. Porque foi em Braga e estavam os meus amigos todos e a minha família na bancada, para me verem jogar [acabaria por substituir Bento a 12 minutos do fim do jogo]

- E, por cima de tudo isso, não conseguiram o tetra.
- Sim, mas quer dizer, isso já era difícil. Acreditávamos que íamos ganhar os dois últimos encontros, mas sabíamos que muito dificilmente, naquele contexto, o FC Porto iria deixar escapar o título. E pronto, ganhámos os jogos que faltavam e eles também."

A grandeza do futebol

" "Acabámos por ganhar por cinco a um Vitória de Guimarães histórico e podiam ter sido por mais" 

Quando começou o jogo de ontem, o meu estado de espírito, caros amigos, era de cautela e caldos de galinha. Sabia que a festa estava pronta. Sabia que os astros pareciam ter-se reunido neste fim de semana português e mundial. Sabia que o Glorioso merece ser campeão, e que mais vale cedo do que tarde, e que "as camisolas berrantes" são "papoilas saltitantes". Sabia isso tudo, pois, mas sentia que era preciso calma, primeiro. São as duas grandes lições que trago destes quarenta e dois anos sobre a Terra, caros amigos: calma e alegria, o importante é ter calma e alegria.
Já lá diz o velho provérbio chinês: não se deve deitar os foguetes antes da festa. "Primeiro, há um jogo de futebol", dizia eu para dentro, para me tentar convencer, "depois, logo se vê". Nesse dia apertadinho, em que tantas jornadas, tantas memórias, tantas emoções se concentravam em noventa minutos, tínhamos de nos pôr a pau com a distracção e o excesso de confiança. Nada de blá-blá sobre faixas, taças ou champanhe. Aquele era o momento de nos concentrarmos na redondinha. Entregá-la de pé para pé, dar-lhe velocidades de embasbacar adversários e, por fim, chutá-la para o sempre poético "beijo das redes". Mesmo expressões dessas podem ser perigosas. Na política, diz-se que as campanhas eleitorais são poesia e, depois, governar é prosa. Naquele sábado apertado, cabia-nos fazer o contrário: construir em prosa para, só depois, festejar com poesia.
Eram propósitos ponderados, sensatos, não é verdade, caros amigos? Pois bem. Quando, aos onze minutos, Cervi marcou o primeiro golo, mandei logo a sensatez às urtigas. Íamos golear, íamos festejar, podíamos começar já! Caramba, onde é que eu tinha a cabeça, onde é que eu tinha o coração? Um escritor que distingue prosa e poesia não é digno de ser chamado escritor! E, sim, sim, sim, a equipa estava connosco, que maravilha. Confundindo futebol-arte e eficácia, calma e alegria, em grande estilo. Aquela assistência de Ederson para o golo de Jiménez! Aquele terceiro de Pizzi, entrando sem medos pela área adversária, a merecer uma continência geral! E a obra-prima do chapeuzinho de Jonas! Acabámos por ganhar por cinco a um Vitória de Guimarães histórico e podia ter sido por mais. Mas não são os números que contam. É que não foi só o título, caros amigos. Neste jogo o Benfica provou a grandeza do futebol."

Cadomblé do Vata

"1. Uma semana inteira com os nervos em palpitação constante e ao fim de 20 minutos já está tudo resolvido... a assombrosa 1.ª parte do SLB fez mais pela saúde pública em 45 minutos do que o Serviço Nacional de Saúde em 45 anos.
2. A festa foi gira com certeza, mas a equipa demorou uma eternidade a chegar ao Marquês... para o ano quem conduz o autocarro é o Eliseu, para nem dar tempo do pessoal começar a reclamar.
3. O Fejsa tem contrato até Junho de 2019... e o Benfica é Hexacampeão... e o Benfica é Hexacampeão... oh oh ...oh ooooh.
4. Ao contrário do que por aí se diz, no jogo do Bessa também teremos objectivos a alcançar... o principal de todos é utilizar 14 jogadores que ainda não tenham alinhado nenhum minuto no campeonato, para arrasarmos a conta bancária da Liga em medalhas de campeão.
5. ... começou ontem."

Fui eu que disse a Rui Costa e a Rui Vitória que o Salvador (também) tinha ganho

"Uma não notícia ou, se quiser, uma crónica de rua, no meio da malta do Benfica, ao lado do autocarro, a caminho do Marquês

Tenho a mania. Ando sempre a dizer aos jornalistas mais novos que nunca se deve fazer textos cronológicos - princípio, meio, fim. Bem feito, agora tenho de dobrar a língua porque não vejo outra maneira de contar esta não notícia, esta crónica de rua (no meio da maralha, como se dizia no meu tempo).
Fui à Luz ver a bola mais o meu sobrinho Robert William, que é Robert por causa do Bob Marley, e William por causa do Shakespeare. Mal me sentei, o pessoal da bancada disse-me que um outro ‘sobrinho’ meu, o Bebé, Euclides Vaz de nome posto pelos pais, tinha ganho ao Sporting no futsal e que o Benfica estava na final da Taça de Portugal. A primeira boa notícia de uma daquelas jornadas desportivas porreiras.
Por falar em jornadas desportivas porreiras vou já resumir o jogo num parágrafo: quando o Jonas faz o 4-0 fiquei pregado à cadeira, com as mãos na cara, incrédulo com aquela exibição portentosa, de luxo, como exclama quem gosta de bola quando está excitado. Sobre o jogo estamos conversados, está fechado!
Saímos do estádio e fomos comer uma tosta XXL, aquelas do Giovanni, que fica ao lado do Califa, uma daquelas pastelarias que só falta aparecer nos cartazes da Câmara Municipal de Lisboa quando for data de aniversário, frequentado nas horas vagas por senhoras com casacos de vison e onde uma vez eu e o João Gobern entrevistámos o Paulo Barbosa (na altura um dos gurus dos agentes FIFA, vulgo empresários de futebol) e, não me perguntem porquê, nunca publicamos na "Focus" (onde já andei, Jesus).
Perante a insistência inteligente do Robert – “é um dia histórico, é o primeiro tetra” – fomos para o Marquês de Pombal num autocarro que parou na Praça de Espanha, ou melhor, foi mandado parar pela polícia que controlava o trânsito perante a iminente chegada da caravana benfiquista. A segunda boa notícia: não tínhamos de ir ao Marquês sequer para os ver, íamos acompanhá-los.
O Robert, claro, sacou do smartphone, limpou a memória e vai de gravar tudo e um par de botas, depositando nas minhas mãos uma daquelas cartolinas de jogo, vermelho de um lado e branco do outro, que tinha no título das instruções qualquer coisa a respeito de cartilhas. Já não me lembro bem.
O que jamais esquecerei, (e vocês não se esqueçam que estamos a caminhar, às vezes em passo de corrida, ao lado do autocarro do Benfica) é que, na Avenida de Berna, tento acenar ao Ricardo Lemos, que trabalhou comigo n’ "O Jogo" há uma porrada de anos e agora está na comunicação do clube. Enquanto o Lemos esboçava um sorrisinho, o Robert diz-me a terceira boa notícia, ainda antes do autocarro descrever a curva para entrar na Avenida da República - o também benfiquista Salvador Sobral e Portugal tinham ganho o Festival da Eurovisão.
Levantei a cabeça para dizer ao Lemos, era assim que o tratávamos antes, nos jornais, mas ele já tinha fugido da frente. Gritei para os ‘ruis’:
- Rui, Rui, o Salvador ganhou!
O Vitória, de telemóvel em punho, sorriu naquele seu estar de pessoa bem formada. O Costa precisou confirmar do alto:
- Ele ganhou!? Ele ganhou!?
Acenei com a cabeça, enquanto um polícia dava-me um daqueles empurrões, sem falta, que os defesas aplicam aos avançados quando os querem tirar do lance. O Vitória e o Rui Costa levantaram o polegar e a caravana seguiu até ao edifício da Portugal Telecom onde, no cruzamento, o corpo de intervenção barrou a multidão não deixando sequer passar um garoto que se esgueirava por entre as pernas de um daqueles homens de capacete com viseira, cassetete e calças a lembrar séries de CSI. 
Antes disso ainda acenei ao Lourenço Pereira Coelho, director-geral do Benfica, que festejou o caminho todo enfiado numa pequena janela da parte da frente do autocarro, e que me retribuiu simpaticamente o cumprimento. Depois, no Marquês, o speaker de serviço deu a notícia do Salvador. Multidão ao rubro. Bebi uma mini, semi-quente, numa rulote improvisada e despedi-me do meu sobrinho, que cantava a plenos pulmões: “Lalalalala, Lalalalala, 1904! 1904!”"

Dia das Taças !!!

Benfica 5 - 1 Burinhosa

Dominadores, sem dar hipóteses ao adversário... que sem o guarda-redes titular (vale 80% da equipa!!!), acabou por ser presa acessível... Mesmo assim, destaco a qualidade dos golos: grandes jogadas...!!!
Mas posso afirmar perentoriamente: estamos no melhor momento da época!!! Agora é manter o ritmo para o play-off...


PS1: Logo pela hora de almoço, já tínhamos vencido a Taça feminina, com um emocionante jogo: Benfica 4 - 3 Novasemente - Janice(4) -; após prolongamento, com o Benfica a chegar ao empate (3-3) a pouquíssimos segundos do fim do tempo regulamentar, isto após estarmos a perder 0-3 !!!
PS2: Como era esperado as nossas meninas do Hóquei em Patins, mantiveram a invencibilidade e confirmaram o Pentacampeonato Nacional, com a vitória na Luz, 7-2 sobre o Turquel - (Marlene(6), Rita Lopes)!

PS3: Num fim-de-semana onde o Benfica podia conquistar 6 títulos de relevo, conquistámos 5... só falhou o Liga Europeia de Hóquei em Patins masculina!
O Benfica está vivo e recomenda-se...!!!

Feito histórico

"Para aqueles que duvidavam deste Benfica veio, mesmo no final do campeonato (...) uma demonstração inequívoca de qualidade.

1. Ontem foi um doa singular para e em Portugal. Para Fátima, para o Benfica e também para Salvador Sobral. Ontem Portugal mostrou ao Para Francisco a sua fé e Salvador Sobral evidenciou à Europa a sua voz e com uma canção cuja letra, bem doce, nos embala e nos motiva. Mas ontem aconteceu história no Estádio da Luz. O tetra sonhado e ambicionado concretizou-se com uma exibição de sonho. Com momentos de gala de futebolística. Escreveu André Malraux que «a razão de qualquer fé é trazer-nos a certeza». O tetra já está. Já cá está. E o troféu fica, e muito bem, no cada vez mais visitado Museu Cosme Damião. Não é esta conquista o fim de nada. É sim a continuação vitoriosa de um projecto. É mais uma conquista. Bem deliciosa para os benfiquistas. A começar por Luís Filipe Vieira. Bem dolorosa para alguns que são tão só anti-benfiquistas. Como bem se sente e muito se presente.

2. Foi este tetra uma conquista bem emotiva. Como foi o caso da Ana - mais a Isabel - que peregrinou - caminhos pelos campos! - mais de cento e cinquenta quilómetros até Fátima e regressou com a fé inabalável de festejar o tetra do seu clube do coração e do seu emblema de paixão. E foi uma conquista merecida. Num jogo bonito, bem conseguido, convictamente assumido. E foi uma conquista de uma verdadeira Família. O mesmo Malraux escreveu que «não há cinquenta maneiras de combater há apenas uma: a do vencedor». O vencedor desta Liga NOS - e escrevo de propósito e em plena consciência cívica - é o Benfica. Trinta e seis vezes vencedor desta prova nas suas diferentes designações semânticas. Agora campeão quatro vezes seguidas. Pela primeira vez na sua rica história. Com consciência que é uma vitória que honra este concreto presente. E todos aqueles que o ajudaram a concretizar e foram determinantes para a sua construção. Do sócio quase duzentos mil ao Presidente. Do sócio acabado de nascer a todos aqueles que fazem do diamante o seu símbolo associativo. Do Luisão, sereno capitão, ao entusiasmante Paulo Lopes que merece jogar uns minutos no Bessa. Do Jardel, do Fejsa, do André Almeida ou do Sálvio que sentiram na plenitude o tetra ao Cervi, ao André Horta, ao Rafa, ao Carrillo, ao José Gomes ou ao Zivkovic, entre outros, que viveram o seu primeiro título. E não nos esquecemos de Júlio César, de Eliseu, de Samaris, de Mitroglou ou de Raúl Jiménez, que levaram a noite passada milhões de homens e mulheres, de todas as idades, cores e religiões, a diferentes rotundas de todo o Mundo. E em especial à Rotunda do Marquês, o imenso ponto de encontro de uma alegria contagiante. E merecida.

3. A alegria do tetra teve ontem dois momentos esplendorosos. O passe extraordinário de Ederson para o golo de Raúl e o cantado chapéu de Jonas num instante de virtuosismo que embala e encanta ao mesmo tempo. Mas ontem na Luz vivemos larguíssimos minutos de elevada nota artística. Para aqueles que duvidavam deste Benfica veio, mesmo no final, e para lá da dita ansiedade, uma demonstração inequívoca de qualidade e de verdadeira excelência. Foi um jogo que mostrou a todos que «a honra é a poesia do dever». O dever do vencedor é evidenciar claramente que merece ganhar, que merece conquistar, que merece receber o troféu. Mais um. O trinta seis. Foi o que aconteceu ontem na Luz. Foi um momento histórico. Foi uma noite que fica na História. Um feito histórico. Sabendo que a história, tal como a vivemos e construímos, é uma ponte entre o passado de que nos orgulhamos e o futuro que legitimamente ambicionamos.

4. Ontem vivi um dia especial. Reconfortante e estimulante. De manhã em Fátima senti a força intensa do Papa Francisco. Com o seu sorriso contagiante que nos faz aderir e nos enriquece. Ao final do dia, na Luz, e na linha de Tolstoi, assumi que «a fé é a força da vida. Se o homem vive é porque acredita em alguma coisa». Acredito no meu Deus, sabendo que sou pecador. Assumindo também a fé que tantos milhões agregou. Mas também, em distinto plano, vibro com o Benfica. Combinando emoção e razão. Mas proclamo que em Fátima as lágrimas me escorreram ao ver e ao escutar o Papa Francisco. E digo, sem vergonhas, que à noite em emocionei com este momento singular de conquista do Benfica. Olhei para o Rui Vitória - e a sua equipa técnica - para o Shéu e para o Lourenço Coelho e, na distância curta entre a bancada e o relvado envolvi-os num abraço fraterno. É que fraternidade é um encontro de uma responsabilidade concretizada. E desta forma se assume que «só juntos vencemos». E juntos conquistámos o tetra. um feito histórico. Um feito com história. E por isso a edição deste jornal merece ser guardada. Com carinho e com amor. Palavras que valem para os crentes, para os que amam a música e para aqueles que sentem com fervor, o clube do seu coração e da sua permanente paixão. Este 13 de Maio ficará na história de Portugal."

Fernando Seara, in A Bola

Multidão embala campeão

"O envolvente futebol dos encarnados era apoteótico e inebriava o público

Festival ofensivo
1. Grande entrada do Benfica, a confundir completamente um atordoado Vitória. Forte intensidade na circulação da bola, agressivo primeiro tempo de defesa (transição defensiva), mobilidade ofensiva avassaladora (a que não era alheia a presença de Jiménez)... e aos 16 minutos o resultado em 2-0. Mas o festival de futebol ofensivo parecia não ter fim... Oportunidades atrás de oportunidades, cilindravam um assustado e irreconhecível Vitória. Depois de vários desperdícios, o terceiro golo chegou e logo a seguir Jonas pinta a sua obra de arte - tal como em outras ocasiões, o brasileiro revelou ser o gatilho para o êxtase do jogo do Benfica.
Mal o Vitória, com dois médios de cobertura a jogarem lado a lado, deixando Hurtado no apoio ao tridente ofensivo... mas havia enorme espaço entre os sectores, superiormente aproveitado pela dinâmica do jogo encarnado. Para além dos equívocos tácticos na abordagem ao jogo, os visitantes pareciam ter chumbo nas botas e o ambiente à volta tornava-se castrador para o desenvolvimento do futebol vimaranense.

Desinspiração vimaranense
2. As sucessivas recuperações de bola do Benfica no meio-campo contrário - grande Fejsa - traduziam a agressividade defensiva dos campeões e a enorme desinspiração colectiva dos homens de Pedro Martins. As dificuldades que a priori se esperavam que o Vitória impusesse - habitualmente adversário complicado fora - muito cedo se desvaneceram perante o avolumar do resultado e a incompetência do seu futebol na tarde de glória das cores encarnadas.

Eléctrico e empolgante
3. Após o intervalo, o V. Guimarães pareceu querer sair da imensa letargia em que tinha mergulhado - Marega, Hernâni e Teixeira despertavam - mas foi sol de pouca dura. O Benfica tranquilo, seguro e empurrado por um fantástico público, rapidamente reassumiu o controlo do jogo e foi derramado no tapete verde do estádio da luz, um jogo ligado, eléctrico, empolgante, voltado para a baliza dum excelente Douglas. Assente na voz de comando de Luisão, empurrado pela geometria magistral de Pizzi, e abraçado pelo virtuosismo de Jonas, o envolvente futebol dos encarnados era apoteótico e inebriava o público que enchia como um ovo o estádio da Luz.

História a letras de ouro
4. A história do tetra escrevia-se a letras de ouro e a estabilidade da estrutura encarnada, vingava num ano difícil, nem sempre empolgante, mas quase sempre tranquila (papel preponderante da personalidade de Rui Vitória) convicta e confiante. Os campeões são sempre merecedores dos títulos que conquistam e o Benfica soube contornar os obstáculos que foram surgindo ao longo da época, manter a serenidade nas adversidades e criar fortes laços de coesão no grupo, o que lhe permitiu ser mais forte e ganhar o campeonato."

Daúto Daquirá, in A Bola