terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Correm ainda, lado a lado, pelas estradas da memória

"José Maria Nicolau merece ser aqui relembrado por uma e outra vez. Foi uma figura única do ciclismo português e marcou, com Alfredo Trindade, a rivalidade acima das rivalidades. Um Benfica-Sporting sobre duas rodas.

Chamavam-lhe «O Hércules do Cartaxo», tamanha a sua potência. José Maria Nicolau foi o maior ciclista da década de 30, e há muitos que o consideram o melhor de todos os tempos. Começou mal. Em 1928, no Lisboa-Óbidos-Lisboa, desistiu. Voltou no ano seguinte. Lisboa-Cartaxo. «Queria chegar primeiro na minha terra. Seria algo para jamais esquecer. Vesti pela primeira vez a camisola do Benfica. Sentia-me capaz de tudo. Mesmo tendo como adversários gente do melhor, como Quirino de Oliveira ou António Marques. A prova era terrível. A saída de Lisboa era feita através de azinhagas com mau piso. Mal partimos, lancei-me na frente. Bem me avisaram para ir mais devagar, que iria rebentar num instante, mas não liguei. Na ponta final fui vencido pelo Quirino. Fiquei triste e satisfeito. Triste por perder. Satisfeito por perceber que era tão bom como os outros».
Não era. Era melhor.
Dedicou-se a vencer: I Circuito de Lisboa, Taça União, III Volta dos Campeões, Grande Prémio de Outuno, Estoril, I Porto-Vigo, Porto-Lisboa, Volta a Portugal! Vencia provas com quem bebia água: fácil, de golada...
A Volta a Portugal estava na sua 2.ª edição. Tinha havido a primeira; depois, quatro anos de intervalo. Finalmente, Nicolau.
Alto, jovem pleno de vigor. Era um touro de potência. Determinado; entusiasta. «Desde que atingiu a classe de corredor de primeira linha, não hesitava em arrancar logo de princípio. Em muitas provas, pareceu levar tudo de reboque, na sua roda... Nas descidas, era do mais confiado. A 'alma' de Nicolau, em cima da bicicleta, correspondia à 'alma' tradicional do Benfica».
Em 1932 não ganhou a Volta. Mas ganhou o resto: V Volta dos Campeões, Taça Golegã, Taça Olímpica, Grande Prémio de Lisboa, 12 Voltas à Gafa, Porto-Lisboa, Taça União, III Lisboa-Coimbra, Campeonato de Portugal em Fundo, Lisboa-Benavente. Não havia limites para José Maria Nicolau.
Um rival de peso
Houve, depois, a rivalidade. A rivalidade de sempre: Benfica-Sporting - José Maria Nicolau - Alfredo Trindade. No velho jornal Os Sports, após a III Volta a Portugal, conquistada por Trindade, fazia-se a comparação: «A superioridade atlética de Nicolau em relação a Trindade é inegável: a derrota na III Volta não o apouca, porque os melhores perdem e não deslustra perder quando o adversário é valoroso e se vendeu cara a vitória. Nicolau disputou provas, além da Volta, e em todas triunfou; nas dezanove etapas da Volta, venceu doze vezes e ficou quatro vezes em segundo e duas em terceiro. É difícil demonstrar mais absoluto senhorio, e o campeão do Benfica merece a designação de rei na época de 1932».
A carreira de Nicolau foi pejada de triunfos.
Houve um ou outro, em especial.

O recorde batido na Porto-Lisboa. Estava em 14h42s, e Nicolau fez 12h10s - 2h35m11s de diferença. Explosivo! Supersónico! Há uma fotografia bem exemplar desse momento. Nicolau junta as mãos sobre a cabeça em gesto de triunfo. Está aos ombros dos seus companheiros - Mário de Almeia, Domingos Leal, Santos Duarte, Vassalo Miranda, Aguiar da Cunha e Gil Moreira. Uma equipa de campeões!
A rivalidade continuava- «Nicolau-Trindade de constituíram a mais célebre rivalidade ciclista de todos os tempos em Portugal», escrevia-se na Stadium, uma revista revolucionária (em todos os sentidos) para a época. «As estradas do continente eram ímanes que atraíam compactas multidões para as suas beiras. Os gritos de incitamento, os aplausos vibrantes do povo eram incentivos caros que chegavam à alma dos seus formidáveis ciclistas. O triunfo de um deles não era, de modo alguém, derrota inglória do outro. Era um duelo ímpar de emoção, um duelo sem fim. Desta alternância de ganhar e de perder nasceu a mais excepcional e vibrante rivalidade desportiva de todos os tempos no ciclismo lusitano. O facto de Alfredo Trindade pertencer ao Sporting e José Maria Nicolau ao Benfica completou com extrema felicidade o quadro dessa formidável emulação desportiva, jamais atingida entre dois atletas no plano puramente individual. Nicolau ganhou a II Volta a Portugal, e Trindade foi segundo. Trindade ganhou a III Volta a Portugal, e Nicolau foi segundo. Na quarta, Nicolau desistiu, e Trindade ganhou. Na quinta, Trindade desistiu, e Nicolau ganhou. Que melhor igualdade se pode desejar para traduzir a enorme rivalidade que existiu entre os dois ídolos do ciclismo?».

Os dois nomes entraram, lado a lado, no corredor estrito dos mitos. Passaram-se as décadas, e mantém-se a chama. Correm ainda num desafio infinito pelas estradas da memória."

Afonso de Melo, in O Benfica

Benfiquistas a bordo

"Em dia de jogo na outra margem, a massa associativa 'encarnada' atravessou o Tejo e colaborou na construção do Novo Parque de Jogos.

Na época 1956/57, o Benfica conquistou o seu nono Campeonato Nacional. Entre o início e o fim da competição, vários foram os episódios que ficaram para a história. A viagem ao Barreiro no dia 14 de Outubro de 1956 foi um deles.
Nesse domingo, ao inicio da tarde, o Benfica atravessou o rio Tejo rumo à 'cidade industrial' para disputar a 5.ª jornada frente ao Grupo Desportivo da Companhia União Fabril (CUF) do Barreiro. Consigo levou uma 'dedicada falange de apoio'.
A Comissão Central organizou dois 'barcos especiais ao Barreiro' que transportaram os sócios e simpatizantes do 'Glorioso' entre o Cais do Sodré, em Lisboa, e o cais da CUF, no Barreiro. Em ambos, aos cinco escudos do bilhete de ida e volta, acrescia uma 'sobretaxa de 2$50 a favor do Fundo da Construção do Novo Parque de Jogos'. Uma vez mais, a massa associativa acedeu à iniciativa do Clube e '«gente» benfiquista não faltou no Barreiro'.
Na outra margem, o jogo teve início às 15h, no campo D. Manuel de Melo - emprestado pelo FC Barreirense ao clube seu conterrâneo 'enquanto arrelva o seu estádio de Santa Barbara' - e contou com casa cheia. Milhares de benfiquistas ali se deslocaram para 'acompanhar o seu clube, dando o seu contributo para mais um grandioso espectáculo desta festa que é o futebol!'.
Vencer o desafio não foi tarefa fácil para os 'encarnados'. A CUF marcou ao minuto um, o campo era uma piscina de lama, Águas e Palmeiro lesionaram-se e Coluna foi expulso. No entanto, 'a garra, o brio, a vontade benfiquista' foram mais fortes que os obstáculos e os 'encarnados' venceram por 3-2. 'Acabado o jogo, o Benfica, apesar de tudo, continuava à cabeça do campeonato'. Na viagem de regresso a Lisboa, os passageiros dos 'barcos especiais' abanaram as suas bandeiras com entusiasmo redobrado. E terão sido inúmeros os 'Viva o Benfica!' que se ouviram no Tejo.
Roland Oliveira captou a falange benfiquista num desses 'barcos especiais' a caminho do Barreiro. A fotografia foi publicada na edição de 18 de Outubro do jornal O Benfica. Na legenda lia-se: 'Bandeiras ao lato, a «frota» do Benfica caminha à «conquista» do Barreiro... e dos dois pontos'. Conseguiu.
Pode ver esta e outras fotografias na exposição Roland Oliveira, em exibição na Rua Jardim do Regedor, em Lisboa."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Gerir a comunicação é muito mais do que controlar redes sociais

"Os leões podem estar a descobri-lo da pior maneira.

«Se é uma equipa trabalhada por mim tem de ser a melhor. A diferença está no treinador.»
As palavras não precisam de ser identificadas, todos sabem de que boca vieram e, mesmo que não tivessem sido mediáticas o suficiente, dificilmente alguém não acertaria no autor. Provavelmente, em Portugal, só ele o diria.
Jorge Jesus é um treinador fantástico. As suas equipas são sempre muito competitivas e têm um cunho próprio.
Jorge Jesus tem, quando fala de bola, uma profundidade como poucos. O conteúdo é bom, e enriquecedor para quem o ouve.
Jorge Jesus tem, ao mesmo tempo, um lado que não controla e que tem invariável impacto nos grupos com que trabalha. Acontece muitas vezes quando ganha, outras quando perde.
Se estas declarações proferidas antes da humilhação com o Rio Ave e logo após a derrota em Madrid marcam a temporada do leão, simbolizando o início do seu descalabro, a última sobre Palhinha confirma o escasso valor que o jogador do Sporting – em geral, não especificamente o médio-defensivo – tem para o treinador.
E não é só Jesus, já que a entrada do presidente Bruno Carvalho no balneário em Chaves afina pelo mesmo diapasão. Tal como as exigências posteriores de atitude e entrega, reforçadas num comunicado em que o responsável dividia as culpas entre si e o técnico.
A verdade é que se «Palhinha levou o guião errado» para o jogo é porque alguém lho passou. Naturalmente seria Jesus a fazê-lo, dado que é ele quem monta a equipa e a estratégia. 
«Apresentámos aqui uma equipa muito jovem, com seis jogadores da formação. Aliás, dez da formação em 18 convocados. Isso também se paga. Mas estamos a dar um passo atrás para dar dois à frente.»
Também as declarações do treinador pós-clássico poderão fazer transparecer a discordância com a mudança de rumo da política desportiva, feita agora à base da formação, com os regressos de jogadores como Podence, Geraldes, entre outros.
A grande diferença de Jesus da Luz para Alvalade é que agora não tem qualquer filtro. E, mesmo assim, no clube anterior, ao falar de um possível substituto de Matic no Seixal atirou que os jovens jogadores do Benfica «tinham de nascer dez vezes» para poderem aspirar a tal. O que também motivou uma reação dos mesmos nas redes sociais.
No Sporting, não tem qualquer filtro, repita-se. Se no ano passado poderá ter sido ele a unir o adversário com uma declaração despropositada – embora baseada em falsa premissa –, na presente época, a de todas as apostas, terá perdido o controlo do rumo da equipa, com mais uma frase em falso.
Agora, nas palavras sobre Palhinha e a formação, Jesus parece levantar dúvidas sobre a futura estratégia desportiva do clube e a sua posição na mesma.
Mais do que controlar os jogadores nas redes sociais, dividindo-se em negações de contas e na exacerbação de mensagens positivas, estacando consequências de declarações de Jesus e do próprio momento que a equipa atravessa, o clube deveria focar-se na origem do problema.
Não é de hoje que a comunicação ganha jogos, muitas vezes campeonatos. E o inverso também é verdade. O Sporting poderá estar a descobri-lo da pior maneira."