"Volto mais uma vez a Eusébio e à história da sua vida contada por ele próprio. Momentos únicos e transparentes. Deixemos Queluz e a farda da tropa. Ele conta-nos os momentos enamorados da sua juventude.
Na semana passada trouxe aqui as recordações de Eusébio sobre a sua incorporação no serviço militar. Retiradas da única auto-biografia do Pantera Negra, Meu Nome é Eusébio, escrita na primeira pessoa com base em testemunhos recolhidos por Fernando Garcia. Curiosamente, ainda há pouco, o meu bom amigo Bernardo Trindade, grande alfarrabista de Lisboa, fez-me chegar um exemplar com dedicatória de Fernando Garcia e Cruz Santos, com quem tive a honra de trabalhar na velha A Bola.
Cruz dos Santos foi, aliás, o primeiro jornalista e entrevistar Eusébio na sua chegada a Portugal, ou melhor, à Metrópole, como então se dizia.
Pareceu-me que as palavras de Eusébio trazem consigo uma visão muito particular de momentos fundamentais da sua vida e carreira.
Volto, por isso, à matéria.
Deixemos de lado a tropa e o fardamento e o quartel do Regimento de Artilharia Antiaérea de Queluz, onde Eusébio deu entrada para ser um soldado português como os demais.
Falemos do amor.
Isto é, deixemos Eusébio falar do amor.
'Um dia conheci Flora. Só de vista, nunca nos tínhamos falado, apenas trocávamos um ou outro olhar desinteressado. E, apesar de a achar bonita, as nossas relações jamais tomaram qualquer outro sentido. Os anos foram passando. Nada fazia prever o mínimo contacto. A indiferença entre nós era evidente'.
Podia sê-lo, mas não por muito tempo.
Haveria Lisboa, depois de Lourenço Marques: 'Lisboa seria o expoente máximo da minha vida de desportista e de homem'.
Em Lisboa, portanto...
1963. Eusébio já tinha conquistado a Taça dos Campeões Europeus.
'Em 1963, Flora veio à Metrópole integrada na equipa de ginástica da Associação Africana. Como sou doido por marisco, a minha mão pediu-lhe que me trouxesse um frasco com camarões. Avisado da encomenda, procurei-a. Conversámos durante muito tempo, recordámos a minha terra e o seu bairro e eu aproveitei para dar largas à saudade'.
A nostalgia aproximou-os.
'Quis ser amável - eu tinha necessidade de ser amável, queria sê-lo para com Flora que me trouxera algo de muito querido e que era a presença, através dela, dos meus e da mina terra. (...) Ela ofereceu-me aquele sorriso que me havia de prender para sempre'.
O tempo passou. Houve o reencontro, lá em Moçambique: 'Passei alguns dias de férias em Lourenço Marques e, nessa altura, pensei seriamente na minha vida e na minha solidão. Sim, porque, apesar de viver em Lisboa, rodeado de gente amiga, sentia-me só. Alguma coisa me faltava, mas só depois de conviver com Flora compreendi melhor o significado da solidão. Sim, eu precisava de alguém que me acompanhasse e que quisesse compartilhar a minha vida. E porque não Flora? Não gostava dela? Um dia organizaram uma festa em minha honra. Flora lá estava, e eu não hesitei um segundo. Olheia-a e, de chofre, perguntei-lhe cara a cara: Queres casar comigo, Flora? Ela riu-se, entre nervosa e surpreendida. Mas não me deu qualquer resposta. Creio que teve alguma dúvida. Talvez não tivesse levado a minha proposta muito a sério, pelo que nela havia de repentino e inesperado. Mas mostrou-se embaraçada e, posso dizê-lo, satisfeita'.
Eusébio e Flora casaram-se num mês de Setembro: dia 22. Na igreja, a cerimónia teve lugar a 8 de Outubro.
Ela disse-lhe finalmente sim.
Conta Eusébio: 'Tomei a fazer-lhe a pergunta de dois anos antes: Queres casar comigo, Flora? Desta vez ela não se riu. Tomou a sério a minha insistência, que eu sempre mantivera nas cartas que lhe mandava de Lisboa, e perguntou por sua vez: Falas a sério? Tens a certeza de que é isso que queres? Estava certo do meu amor por Flora, disse-lho mais uma vez, e a partir daí começamos a arquitectar os nossos planos (...) Quando Flora entrou de férias, passámos o melhor tempo da nossa vida. A praia do Polana esperava-nos todos os dias. E a tarde e a noite eram repartidas de modo e estarmos sempre na companhia um do outro. Dançávamos, visitávamos amigos comuns, outras vezes, fazíamos serões em casa das tias da Flora. Nunca nos zangámos durante o namoro. Éramos muito ciumentos mas não havia motivo para brigas. O nosso amor, foi tal como hoje, era sólido e sincero'.
No livro da sua vida, Eusébio dedicou páginas de ternura à mulher que esteve sempre a seu lado. Chama-se Flora. Tem nome de pétalas. Houve um tempo em que, sob o sol de Lourenço Marques, o amor pairava no ar..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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