quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Parasitas e cágados assassinos

"Quem gosta de futebol sabe que, entre o nosso olhar de fora e as decisões dos treinadores, há sempre enormes discrepâncias. Os treinadores lidam com coisas que nem imaginamos. Equilíbrios políticos nos balneários. Lesões e falsas lesões. Negócios ínvios. Afirmações de poder. Depois, por vezes, inventam mais do que Deus dá. Os excessos de pressão levam a isso. Os excessos de auto-estima, também. Não vou recordar mais do que o desastre decidido por um técnico de qualidade extra, Jorge Jesus, ao colocar David Luiz, na esquerda a marcar Hulk. Lembram-se?
Estamos, hoje, na véspera de um escaldante FC Porto-Benfica. Tem toda a razão Rui Vitória, quando evoca o triângulo virtuoso: jogadores, treinadores, árbitros. São estes agentes, e apenas estes, que podem arrancar o futebol das garras dos parasitas que o têm sequestrado nas últimas décadas. Para o entregar à sua razão final – os adeptos.
Não esperemos que, nas palavras de hoje, Sérgio Conceição ou Rui Vitória sejam brandos ou vácuos. A missão dos líderes técnicos, na véspera de um grande jogo é deixarem ideias no ar. A pairar luz sobre o seu exército e a cair tempestade sobre as forças adversárias. Quanto melhor, mais assertivo, for o discurso de cada um dos técnicos, mais promete o duelo sobre a relva, aprazado para amanhã. 
Cada um dos técnicos tenderá a incluir no seu discurso figuras de estilo, destinadas à interpretação da terceira equipa em campo. O terceiro vértice do triângulo definido por Rui Vitória. Triângulo, cuja descodificação, Sérgio Conceição subscreveria na íntegra, não estivesse em véspera de um grande duelo.
Todos os homens do futebol sabem que tudo, num grande clássico, se deveria passar entre o triângulo confinado por jogadores, treinadores e árbitros. Com as paixões a pulsar nas bancadas do estádio e nas televisões de todo o Mundo em Português.
São os parasitas, os cágados, regurgitantes em torno deste maravilhoso fenómeno, o futebol, que o estragam e tornam azedo. Irão matá-lo, se deixarmos.
Muito pior do que um técnico, ou um jogador que não aguenta a pressão, e assim fica negativamente na história de um clássico; muito pior do que um árbitro medroso, que por isso grava o seu nome a negativo na memória colectiva – mesmo na dos vencedores –; muito pior do que tudo o que possam fazer quaisquer agentes do triângulo virtuoso definido por Rui Vitória; muito, muito piores, do que tudo isso, são a acções dos senhores de cinzento, que estão no futebol, nas suas tribunas ou túneis, como poderiam estar no boxe ou no póquer, só para poderem vender resultados condicionados. E com isso julgam achar que ganham a vida. Mesmo que com isso matem lentamente a paixão. E, com ela, a dimensão mágica do jogo."

Cemitério de elefantes

"Júlio César, guarda-redes do Benfica, decidiu colocar ponto final na sua relação com os encarnados. Aos 38 anos, tricampeão em Portugal (81 jogos de I Liga disputados), depois de ter sido pentacampeão de Itália ao serviço do Inter de Milão (228 jogos realizados na Série A), clube com que se sagrou campeão europeu, sendo eleito melhor guarda-redes da UEFA em 2009/10 e contando no currículo com 87 internacionalizações A pelo Brasil, Júlio César terá entendido não estar nas melhores condições para prosseguir a sua aventura na Luz.
O futebol português deve estar agradecido a uma grande figura do panorama internacional, como Júlio César, pelo que de bom mostrou entre nós, especialmente na primeira temporada, e pela visibilidade externa que deu ao nosso campeonato. Júlio César despede-se de Portugal, como fizeram no passado monstros sagrados das balizas como Ferenc Meszaros, Joseph Mlynarczyk, Peter Schmeichel, Michel Preud'homme, num caminho que também estará a ser trilhado por essa lenda do futebol mundial que dá pelo nome de Casillas. Na simbologia do cemitério de elefantes, Portugal teve muito gosto em recebê-los. Embora a busca dos nossos clubes esteja essencialmente virada para promessas susceptíveis de serem potenciadas, não será demais lembrar a importância que grandes jogadores em fim de carreira têm assumido no futebol nacional, de Teófilo Cubillas a Salif Keita, passando pelo incontornável Pablo Aimar. Não é por este tipo de contratações que os clubes lusos se têm dado mal. O problema é quando contratam jogadores estrangeiros indiferenciados, por razões abstrusas..."

José Manuel Delgado, in A Bola

Sporting e Benfica intocáveis até perto do intervalo

"Após a realização de 12 jornadas, os rivais da Segunda Circular estão praticamente lado a lado na perseguição ao líder FC Porto, já que apenas 1 ponto separa leões e águias, com vantagem para a formação de Alvalade. Contudo, as semelhanças entre o desempenho das duas formações não se ficam por aí, sendo de destacar que têm exactamente o mesmo número de golos sofridos (8) com a particularidade de somente terem encaixado 1 no decorrer da primeira parte. Mais: em ambos os casos o golo dos adversários aconteceu ao minuto 43!
Dito de outra forma, Sporting e Benfica são praticamente intocáveis até ao descanso, isto apesar das águias, paradoxalmente, terem visto o Sp. Braga marcar-lhes um golo na primeira metade logo da ronda inaugural (Hassan). O jogo, contudo, terminaria com o triunfo dos lisboetas (3-1). Mais sorte teve Rafael Costa, do Moreirense, o único a bater Rui Patrício antes do intervalo, na jornada 7. É que esse golo valeu 1 ponto aos cónegos, já que o encontro fechou com uma igualdade (1-1).
FC Porto, Marítimo, Rio Ave e Boavista também apresentam defesas bastante sólidas na primeira parte, já que somente encaixaram 2 golos. Curiosamente, tanto estes quatro emblemas como Sporting e Benfica sofrem mais golos na segunda parte, período em que o melhor registo pertence a FC Porto e Sp. Braga (3 golos sofridos).
Os rivais lisboetas (a exemplo de Marítimo e Rio Ave) já encaixaram 7 golos na segunda metade, com a particularidade dos leões sofrerem todos na derradeira meia hora (6 no último quarto de hora). Mas, verdadeiramente inesperado é perceber que neste período Sporting e Benfica não perdem só para FC Porto e Sp. Braga, mas também para o... Feirense.
A equipa de Santa Maria da Feira (que foi batida 13 vezes na etapa inicial, o pior desempenho da Liga a par do V. Guimarães) só concedeu 4 golos após o descanso, num registo deveras improvável. O Estoril, com 15 golos sofridos na segunda parte, é a formação que mais vacila após o reatamento, sendo que V. Setúbal (14) e Portimonense (13) não estão consideravelmente melhor.

Sabia que...
» O Estoril vai em 6 jogos sem marcar? Apesar do nulo fora diante do Marítimo, a equipa continua débil na finalização.
» Jonas foi o sétimo jogador a conseguir facturar num mínimo de 10 jornadas seguidas na história do campeonato ? Antes do goleador brasileiro do Benfica, também Peyroteo (1937/38 e 43/44), Julinho (49/50), António Teixeira (53/54), Edmur (57/58), Azumir (61/62) e Fernando Gomes (84/85) tinham cometido tal proeza.
» O Portimonense terminou um jogo sem sofrer golos? Os algarvios conseguiram fechar a baliza no triunfo caseiro perante o Tondela (2-0).
» O V. Setúbal vai em três rondas seguidas com jogadores expulsos ? Nuno Pinto foi a última vítima, depois dos também defesas Vasco Fernandes e César.
» Esta foi a terceira jornada sem penáltis? Antes, nas rondas 1 e 7, também se verificara o mesmo cenário."

“O que se passa no Universo Porto da Bancada é um crime cometido semanalmente”

"1. Um director de comunicação deve dar entrevistas a jornais? Se sim, porquê?
Um director de comunicação numa entidade com as características de um clube com a dimensão global do Sport Lisboa e Benfica assume muitas vezes o papel de porta-voz da instituição, sendo natural que dê entrevistas sobre temas da actualidade aos mais variados órgãos de comunicação social. Mas os principais protagonistas mediáticos de um clube devem ser o presidente, os órgãos sociais, os treinadores e os atletas.

2. Dado o seu passado profissional, o director de comunicação representa um papel, ou melhor, é forçado a representar um papel público quando assume funções para chegar aos seus adeptos?
O vínculo [Luís Bernardo foi jornalista e assessor] que tenho ao SLB é no âmbito de uma prestação de serviços, através de uma empresa de comunicação na qual sou administrador. Sou profissional com mais de 20 anos de direcção de diferentes entidades ao nível de comunicação, nunca fui nem sou forçado a fazer qualquer papel imposto que contrarie a minha vontade. No Benfica não se entende este cargo como uma espécie de animador ou instigador.

3. Ainda consegue retirar prazer ao ver um jogo de futebol?
Claro que sim.

4. Assume alguma responsabilidade nesta escalada verbal que se assiste em alguns programas de TV?
Nunca me viram a responder a jornalistas e comentadores e tenho procurado manter um registo institucional na comunicação do clube.

5. Qual o envolvimento dos presidentes na elaboração destas estratégias de comunicação?
O presidente define as grandes linhas de orientação em todas as áreas relevantes do clube, e depois a concretização dessa estratégia e a gestão do dia a dia é feita pelos profissionais dos diversos sectores. 

6. Os treinadores estão a par e/ou são chamados a envolverem-se?
Existe uma articulação entre a comunicação institucional e o futebol, respeitando-se claramente as naturais especificidades de cada área. Aqui não é necessário haver recados ou clarificações sobre, por exemplo, quem fala em nome do futebol do clube.

7. Porquê a existência de programas de televisão como “Chama Imensa” e “Universo Porto da Bancada”?
O “Chama Imensa” é um programa que existe há três meses na BTV e está em linha com diferentes programas de análise aos jogos do fim de semana. É perfeitamente natural e justificável a sua existência, desde que a denúncia de determinadas situações não seja o único fundamento para a sua existência.

8. Programas como estes fazem parte de uma estratégia comunicacional? Com que objectivo? E que dividendos se retiram daqui?
Não podemos comparar um programa que há mais de um ano faz da sua essência o ataque sistemático a um outro clube rival com um programa como o “Chama Imensa”, que só esta semana esteve a abordar especificamente um conjunto de informações que entendeu tornar públicas.

9. Tem noção que a agressividade deste tipo de comunicação está a prejudicar o futebol português?
Quando um programa que existe tem como base uma suposta informação roubada a outro clube e se divulga troca de correspondência privada está tudo dito. É um crime cometido semanalmente.

10. Qual o papel que os directores de comunicação devem tomar para contribuir para a pacificação do actual estado do futebol português?
Muitas vezes fomos acusados até de demasiada descrição e sobriedade. Essa atitude até foi apontada como um defeito, mas partia da convicção de que perante o descontrolo dos nossos rivais mais tarde ou mais cedo tudo se tornaria insustentável. Por outro lado, temos a lucidez de fazer uma autocrítica em determinadas situações. Ainda recentemente houve um tweet pouco feliz da nossa parte, que indirectamente afectou um árbitro que é respeitado pela sua honestidade e integridade, que foi o caso do Artur Soares Dias.

11. Já foi retirado algum patrocínio ao clube face ao tipo de comunicação que está a ser praticada?
Por outro lado, algum patrocinador já se manifestou incomodado com este tipo de estratégia? Apesar do ruído e clima gerado, até hoje ainda nada ocorreu.

12. Os presidentes da Liga e da Federação Portuguesa de Futebol já falaram consigo ou recomendaram algum tipo de atitude?
Penso que no meu caso tal não é necessário e, como tal, talvez por isso, nunca ocorreu.

13. As intervenções nas redes sociais por parte dos directores de comunicação contribuem também para alimentar o clima de crispação do futebol português?
Não tem sido essa a minha atitude, infelizmente outros têm outras opções. O resultado não é bom.

14. Se nos anos 80 e 90 os clubes tivessem as suas próprias televisões e as redes sociais já existissem, o que hoje se passa, passar-se-ia nessa altura?
Muitas das discussões de café e entre amigos têm agora uma oportunidade de serem ampliadas através das redes sociais de acesso livre e noutros espaços mediáticos. Não é possível comparar realidades diferentes, nos termos e nos ritmos.

15. Os directores de comunicação dos clubes falam com os comentadores desportivos para os preparar antes dos debates?
Não passemos esse atestado de menoridade à grande maioria dos comentadores. Agora, estou sempre aberto para dar esclarecimentos sempre que sejam solicitados."

Não é fácil ser Rui Vitória

"Não me lembro de um treinador com tantos caminhos condenados a serem becos sem saída.
Se o homem tem a coragem de apostar num guarda-redes pós-adolescente, o rapaz constipa-se, perde cinco quilos e sai da baliza. E quem entra? O rapaz que semanas antes tinha ardido na fogueira do maior pecado capital dos donos das redes, a fogueira do 'frango'.
E agora? Se jogar Bruno Varela no Clássico e errar, Rui Vitória - é a ele que me refiro - será crucificado por ter deixado no banco o mais prometedor dos guarda-redes da nova geração.
Se jogar Svilar, e o erro surgir, então Vitória terá de responder pela segunda crucificação de Varela em público.
Não é fácil ser Vitória e eu não queria estar no lugar dele.
Este é o exemplo maior de uma equipa cheia de nós. Alguns cegos.
O 4x3x3 veio para ficar? Parece que sim. Ora, o que fazer então a Pizzi? Joga Samaris ao lado de Fejsa? O grego tem respondido muito bem. Mas o português aparentou uma leve melhoria contra o Vitória de Setúbal.
E Krovinovic, não inscrito na Europa? Tem de jogar, sim. Falta falar de Filipe Augusto, tantas vezes elogiado e excluído por Vitória.
Mas mais difícil é escolher os alas. Diogo Gonçalves passou de titular para a bancada, Rafa idem aspas, Gabigol é mais forte noutras noites. Restam Salvio, Cervi e Zivkovic. Quem cai?
Não é fácil ser Rui Vitória.
Mais fácil é saber que Jonas, o melhor do campeonato, está lá para ser titular, seja qual for o antídoto escolhido. Tem mais bola na posição-9? Sim. Mas mantém os níveis de eficácia altíssimos.
Com os resultados tremidos, as opções tímidas em várias unidades e as lesões recorrentes, não é nada fácil vestir a pele de Rui Vitória e escolher a equação certa para não perder o campeonato já na sexta-feira.
Acima de tudo isto, numa análise a justificar mais espaço, está a qualidade do futebol do Benfica. Ou a falta dela. E aí, caros senhores, não há guarda-redes ou médio que lhe valha.
Não é fácil ser Rui Vitória, o cavalheiro da palavra. Confesso: é preciso um sangue frio sobre-humano para manter a compostura nas salas de imprensa e analisar alguns dos mais tristes episódios da história recente do Benfica. Bessa, Basileia, Moscovo, mas também Vila do Conde, Portimonense (na Luz), tudo pedaços de temporada demasiados pobres.
E Rui, de olhar sereno, a tudo reage com a serenidade dos intocáveis. E a certeza do auto-conhecimento.
Será, afinal, assim tão exigente ser Rui Vitória?"

De que saber é o método?

"Se bem penso, já há muito venho dizendo que os treinadores portugueses não sabem mais do que os bons treinadores doutros países. Afadigam-se alguns articulistas em tentar provar que os êxitos dos nossos treinadores, no estrangeiro, se devem à sua preparação científica, incomparável em relação à preparação científica dos treinadores doutros países, designadamente europeus. Na relação entre as pessoas (e portanto na relação treinador-jogadores) não há só necessidade de ciência, mas também de respeito, de arte, de valores. Temos uma identidade que nos faz um povo de fácil convívio, de comunicação atraente, de rápida compreensão de culturas e tradições alheias (o nosso povo o diz: “cada povo, com seu uso; cada roca, com seu fuso”). Não é porque sabemos mais que somos melhores treinadores, mas porque não copiamos figurinos estranhos à nossa maneira-de-ser, porque somos genuinamente nacionais, não escondemos a solidez e a fundura das nossas raízes e, daí, a nossa simpatia e generosidade e compreensão – que nem todos os povos têm, com tamanha nitidez, como aliás a filosofia e a antropologia nos ensinam. Para não fatigar quem tem a bondade de ler-me, cito o Padre João Ferreira, no seu livro Existência e Fundamentação Geral Do Problema Da Filosofia Portuguesa: “O temperamento português já foi repetidas vezes analisado por etnólogos e caracteriologistas nacionais e estrangeiros, como: Mendes Correia, Jorge Dias, Gonzague Reynold, Paul Descamps e também por alguns escritores, como Ramalho Ortigão, Joaquim de Carvalho, Cruz Costa, Afonso Botelho, Cunha Leão, etc. Segundo os estudos feitos, convém-se em anotar que o português é essencialmente dotado duma alma feminina, poética; é humano e doce (…), mais sensível do que racional (…), sentimentalista, idealista, galã, sociável, de fácil adaptação, etc.” (p. 148).
No futebol (e no desporto em geral) por força do cartesianismo, até há cinquenta ou sessenta anos atrás, a mente e o corpo consideravam-se como duas substâncias realmente distintas, podendo existir uma sem a outra. Assim, para o estudo do corpo, a fisiologia, a biologia bastavam. Quem falava do corpo como produto cultural e social? Muito poucos! O corpo, aliás, surge aos olhos dos estudiosos com um estatuto paradoxal: ora é um objecto entre os outros, o corpo-instrumento; ora é o lugar concreto onde a vida subjectiva se manifesta. Maurice Merleau-Ponty distingue o “corpo objecto” do “corpo vivido”. O “corpo objecto” é o organismo, o corpo tal como o estudam e analisam os cientistas; o “corpo vivido” é o corpo-sujeito, que as ciências descuidam, frequentemente. Vale a pena ler o poema “Lágrima de Preta” de António Gedeão, para entender-se rapidamente o que pretendo dizer: “Encontrei uma preta / que estava a chorar, / pedi-lhe uma lágrima / para a analisar. / Recolhi a lágrima / com todo o cuidado / num tubo de ensaio / bem esterilizado. / Olhei-a de um lado, / do outro e de frente: / tinha um ar de gota / muito transparente. / Mandei vir os ácidos / as bases e os sais, / as drogas usadas / em casos que tais. / Ensaiei a frio, / experimentei ao lume, / de todas as vezes / deu-me o que é costume. / Nem sinais de negro, / nem vestígios de ódio. / Água (quase tudo) / e cloreto de sódio”. De facto, uma lágrima não se resume ao que a análise laboratorial nos diz. Para além da água e do cloreto de sódio, pode haver, numa lágrima, amor, ódio, alegria, saudade, oração, êxtase, admiração, dor, sofrimento. Enfim, um número incontável de sentimentos que não cabem nas análises que nos chegam dos laboratórios. Os cientistas de pendor positivista não deverão esconder que há mais mundo, para além da biologia.
É moda, no nosso tempo, falar pouco do ser humano e mais e muito mais de normas, de regras e de conjuntos significantes. Por isso, na antevisão dos jogos de futebol, há quem não precise mais do que o 4x4x2, ou o 4x3x3, ou o 4x3x2x1, ou o 3x5x2, para um prognóstico de um jogo de futebol. Lembrando Péguy, “digamos a verdade, toda a verdade, só a verdade, brutalmente a verdade brutal, fastidiosamente a verdade fastidiosa, tristemente a verdade triste”. Com efeito, para mim, a única noção precisa e coerente de cientificidade, no Desporto, não é a que decorre dos métodos das ciências naturais, Não há, aqui, um modelo de cientificidade “a priori”. O ser humano é a unidade de uma complexidade. Há, nele, diversidade e complementaridade. Há, nele, e sirvo-me agora do que aprendi, em Edgar Morin: o princípio da unidade complexa, próprio de qualquer sistema; o princípio da inseparabilidade da ordem e da desordem, da organização e da desorganização, já que os eco-sistemas não se alimentam apenas de ordem; o princípio da complexidade lógica, ou o princípio da conceptualização complexa, que nos impõe o recurso a macro-conceitos, tais como: ordem-desordem, todo-partes, uno-múltiplo, causa-efeito, indivíduo-espécie, indivíduo-sociedade, sujeito-objecto, etc., etc.; o princípio da incerteza, pois que a incerteza é típica do pensamento complexo, tantos são os dados indispensáveis a ter em conta. Muito mais há a dizer sobre esta extensa problemática. Permito-me agora, fundamentado ainda em Edgar Morin, adiantar os quatro grandes princípios orientadores do treino desportivo: formar pessoas capazes de organizar os seus conhecimentos, mais do que armazenar as ordens emitidas pelo treinador, quero eu dizer: o treinador diz o que é preciso fazer, mas é a maneira-de-ser do jogador que as faz (e aqui o treinador não chega); ter sempre presente, em todas as situações, a condição humana, como dizia Rousseau: “o nosso verdadeiro estudo é o da condição humana”; aprender a viver, através da prática desportiva, pois que, na alta competição desportiva os problemas clássicos da vida são observados de forma amplificada e agravada; é a metodologia específica das ciências hermenêutico-humanas a metodologia do treino desportivo.
De que saber é o método? No que ao Desporto diz respeito, o saber é o de uma ciência hermenêutico-humana. É portanto, no meu modesto entender, pré-científico, ou pseudo-científico, interpretar o atleta em termos unicamente físicos, ou biológicos. A humanidade da pessoa ultrapassa muito (muitíssimo) a sua animalidade, não a suprimindo embora. É diminuta a diferença entre o aparelho cognitivo do chimpanzé e o do homem. A diferença encontra-se no número de neurónios e na reorganização do cérebro. Reside, aqui, a emergência das qualidades humanas irredutíveis, que se conhecem por pensamento e por consciência. É porque tem uma desconhecida dimensão espiritual que o fenómeno humano surge, como um novo fenómeno, no planeta Terra. De facto, para o bem e para o mal. Com maligna impertinência, o mal aí está, ilimitado e com defensores exaltados e acriminiosos. Mas o bem também nos rodeia. Também há sábios, heróis e santos, na História. Também há mentalidades superiormente aparelhadas, capazes de implementar e conceber instituições, como a Ciência, a Cultura e o Desporto nos revelam. O “homo ludens” não o descobrimos unicamente, nas várias formas de Jogo e de Desporto. Joga o cientista, quando investiga e o filósofo de ampla inteligência teorizadora e o literato novelista e romancista. Criar, para o “homo sapiens” é sempre jogar – jogar com o mítico e o racional, com a tradição e a utopia, com o mágico e o simbólico. É da síntese de tudo isto que o novo surge, tantas vezes inesperado, tantas vezes maravilhoso. Assisti, pela televisão, ao Valência-Barcelona da última jornada do campeonato espanhol. E não esqueço o passe do Messi ao Jordi Alba, que fez o golo do Barça. Foi um passe de 30 ou 40 metros, que chegou ao seu destino, ao Jordi Alba, com uma precisão milimétrica. É preciso saber jogar, para executar um passe tão perfeito. Só que não há jogos, há pessoas que jogam. Quanto mais humanos formos, melhor entenderemos o jogo."

Vitória na Roménia

Zalau 2 - 3 Benfica
22-25, 25-18, 25-27, 25-22, 10-15


Excelente vitória... com o Mrdak em grande! 23 pontos, somente em três Set's, pois após a confirmação da qualificação, foi para o banco 'descansar'!!!

Na próxima eliminatória vamos defrontar os Austiacos do Holding Graz... se tudo correr normalmente, parece que vamos voltar a encontrar o Ravena lá para os Quartos!!!

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Até ao último segundo !!!

Oliveirense 73 - 76 Benfica
19-16, 19-17, 18-17, 17-26

Não foi um grande jogo, mas foi uma vitória importante!
A Oliveirense é um dos principais 'candidatos' a chegar à Final da Liga... Têm um bom treinador e um bom plantel, e têm feito um campeonato bastante regular...; nos últimos dias vários jogadores do Benfica estiveram nas Selecções, o Carlos Morais por exemplo ainda 'não chegou'; tudo isto somado, dificultou a nossa vitória... e se mesmo assim (jogando abaixo do nosso potencial): ganhámos... !!!
Só chegámos à liderança no 4.º período, chegámos a ter uma desvantagem grande no 3.º período, mas no momento decisivo, fomos letais...

Incompetência total: terminar o jogo, com os jogadores a ficarem parados mais de 10 minutos no Pavilhão (frio), para depois recomeçar o jogo com 0.6 segundos para jogar, é pura incompetência!!!

Vitória no Minho

Braga 1 - 5 Benfica

Mais uma vitória fora de casa... tranquila, e sem o Nicolia! Com o puto-futuro-craque Hugo Santos no banco!

Sábado recebemos o Barcelos, que este ano, depois de algumas saídas, pareceu-me mais fraco...

ADENDA: Mais um festival de corrupção na vitória dos Corruptos em Valongo!!! Nojo...

A boa notícia: O campeonato voltou (a 1.ª jornada do 2.º terço)

"O Benfica chega a esta jornada com os mesmíssimos pontos do ano passado e mais quatro do que há dois anos.

Depois de mais uma jornada europeia de tão má memória para o Benfica, voltou-se a jogar para o Campeonato Nacional. Confesso que, três semanas volvidas, tenho de puxar pela memória para me recordar dos resultados e classificações. Mas, neste campeonato de regime gota-a-gota, e antes que venha nova interrupção natalícia obrigatória por cá, realizou-se a primeira de mais um curto período de três jornadas consecutivas.
Com os resultados alcançados, temos os três candidatos a dependerem deles próprios para serem campeões. Mesmo o Benfica, a quem jornalistas e comentadores já haviam feito o funeral para esta época. Tudo fruto de um desaire relativo do FC Porto nas Aves, onde - diga-se de passagem - a única equipa que merecia ter vencido o jogo foi a de Lito Vidigal. O Sporting venceu num campo difícil, ainda que com alguma felicidade. Já o Benfica cilindrou o Vitória de Setúbal, num jogo bem conseguido e psicologicamente reabilitador. Dirão alguns, que foi fácil demais. O certo é que há uma semana, para a Taça, não foi assim e o Benfica melhorou bastante, sobretudo pelo facto de Pizzi ter voltado aos níveis a que jogou na época passada e Krovinovic ser cada vez mais nuclear no jogo encarnado. Enfim, no campeonato, duas saborosas vitórias de Vitória contra os dois Vitórias (agregado 9-1). E na Luz, seis jogos, seis vitórias, 19 golos marcados e dois sofridos.
Reconheço que a actual classificação e distâncias entre os grandes está agora mais de acordo com a justeza das 12 jornadas já passadas. O FCP merecidamente em primeiro lugar, o Sporting em segundo (com pontos arrancados a ferro, vide V. Setúbal, Estoril e SC Braga em casa, Feirense e Rio Ave fora...) e o Benfica em terceiro, mas a depender apenas de si próprio. Mesmo que em alguns jogos tenha estado abaixo do que seria exigível, o Benfica chega a esta jornada com os mesmíssimos pontos do ano passado e mais quatro do que há dois anos. E, em ambos os casos, foi campeão...
Na sexta-feira joga-se o FC Porto-Benfica. Um teste importante para ambas as equipas, ainda que mais fulcral para o Benfica. Será importante que Rui Vitória estabilize o modelo, a dinâmica e a constituição da equipa. Visto de fora, é difícil entender o ioiô de jogadores que oscilam entre serem titulares e nem sequer se sentarem no banco em jornadas seguidas ou vice-versa. Por outro lado, seria bom perceber por que razão excelentes jogadores como Zivkovic e Cervi andaram postos de lado e tantos jogos e Filipe Augusto é quase sempre preferido face a Samaris.
Como bem escreveu José Manuel Delgado na segunda-feira, bom será que os pirómanos costumeiros não poluam, por antecipação, o que deve ser uma luta leal no relvado entre duas equipas favoritas ao ceptro de campeão. «Metem baixa», referiu. Que médico a conceda, adianto.

Um mistério
Um castigo aplicado a um jogador tem a sua eficácia, facilmente comprovável pela sua ausência num ou mais jogos. Um castigo aplicada a um treinador, embora seja também verificável pela sua ausência no banco, já é menos escrutinável. Quer dizer, não pode orientar directamente a equipa ou estar no balneário antes e no intervalo de um jogo, mas, sobretudo com as novas tecnologias (e em Portugal...) poderá estar em contacto com que o substitui no comando no relvado. Isto, evidentemente, se o castigo for de suspensão, pois, não rato, se limita a umas multinhas esmolares. Por fim, um castigo a um dirigente de um clube, máximo o seu presidente, é um bico-de-obra para se saber onde começa ou acaba a punição. Desde logo, bom seria saber se se aplica ao presidente de um clube ou ao também presidente da administração da SAD de mesmo clube, o que, a ser assim, levará à total ineficácia de qualquer castigo. É a sempre invocada salamização de funções no nosso país, desde logo na politica, com a habitual escapatória de que fulano ou sicrano não está a falar como ministro, mas antes a título partidário, senão mesmo pessoal, em que tudo vale como se a pessoa fosse divisível e de manhã fosse uma, à tarde outra, e à noite uma terceira. Ora, voltando à bola, o presidente castigado pode invocar que está a falar como responsável da SAD umas vezes, ou como presidente do clube, se lhe for mais conveniente. Mas a balbúrdia e contrafacção cada vez mais espúrias de tudo isto têm a ver com os limites da acção de quem é punido. Por exemplo, não pode representar o clube, estar no banco de suplentes, etc., mas poderá opiniar sobre tudo e mais alguma coisa nas redes sociais ou dar entrevistas públicas, ainda que em canais cativos? E, já agora, quem paga a multa pecuniária? O clube ou o dirigente pessoalmente? Admito que não estou de posse de todos os meandros jurídicos desta parafernália sancionatória, mas, vista de fora, estamos diante de uma palhaçada que só descredibiliza quem pune e não é capaz de repor a ordem por que se regem os agentes desportivos. É, por esta e outras razões, que, por cá, tudo é permitido, mesmo o que é proibido. Se tudo isto se passasse no contexto da UEFA ou da FIFA outro galo cantaria. E, assim, alegremente, o rei vai nu ou, na melhor das hipóteses, vestido, mas andrajosamente.

Lisboa, capital do desporto
Uma boa notícia, ainda que pouco falada, talvez ofuscada por não ser regional e politicamente correcta. Lisboa foi escolhida pela ACES Europe como a capital europeia do desporto para 2021, assim batendo a candidatura holandesa de Haia. Outras capitais e cidades como Madrid, Copenhaga, Estocolmo, Milão, Varsóvia, Dublin, Istambul já haviam sido anteriormente escolhidas para anfitrãs desta iniciativa. Em 2017 é Praga que detém este estatuto.
É um justo reconhecimento de uma cidade crescentemente aberta ao desporto e aos desportos. Segundo o município de Lisboa, «223 mil pessoas praticam regularmente actividade física desportiva nas instalações da cidade» apoiando 118 clubes e associações desportivas no ano passado. Está previsto um investimento de 26 milhões de euros em equipamentos desportivos até 2021.
«É uma candidatura que representa o reconhecimento e a consciência da cidade de Lisboa para importância da actividade física e do desporto como factores determinantes na construção da cidade humana, inclusiva, moderna e sustentável», lê-se no site da candidatura agora premiada.
Os meus parabéns aos autarcas de Lisboa e à cidade. E que se aproveite 2021 para se dar um salto qualitativo na promoção do desporto e do desportivismo.

Contraluz
- Palavra: Absurdo
O desrespeito pelo telespectador de novo na BTV. Há semanas foi a interrupção do Benfica - FC Porto em basquetebol com um resultado disputadíssimo a 60 segundos do fim, para transmitir os primeiros momentos de uma conferência de antevisão do futebol. No passado sábado, o mesmo, agora com o disputadíssimo Benfica - ABC em andebol, secundarizado para um liliputiano ecrã lateral onde nada se via para dar primazia a mais uma conferência de futebol igual a tantas outras e que bem poderia esperar mais três ou quatro minutos. Lastimável e pouco adequado ao ecletismo estatutário do SLB.
- Frase: «Em Itália, nada é mais definitivo do que o provisório» (Corriere della Sera, 29/11)
A propósito de o belíssimo Fratelli d'Italia só agora se tornar oficialmente o hino de Itália, passados 71 anos (desde 1946!). Em muitas coisas, que não no hino, somos muito parecidos. Basta recordar os impostos provisórios que se eternizam definitivamente...
- Número I: 101
Os golos alcançados por um fantástico profissional: Jonas. Aos 33 anos de idade, continua a ser um futebolista de eleição e quão decisivo tem sido para o Benfica desde que lá chegou recambiado do Valência!
Parabéns Jonas.
- Número II: 80
A fazer fé no publicado nos media, este é o valor em euros de ingresso para parte dos adeptos benfiquistas no jogo de sexta-feira no Dragão e na arquibancada nascente (os portistas pagam para a mesma zona, 20 euros!). Aqui se cruzam a exploração do sempre invocado futebol para o povo com a esperteza de espremer a carteira de espectadores que transportam o pecado original de serem adversários desportivos. E a Liga a dormir, como de costume..."

Bagão Félix, in A Bola

David e Golias

"1. Já aqui elogiei Sérgio Conceição, mas desta vez tenho de fazer-lhe um reparo. Não lhe fica bem dizer que o Aves festejou o empate com os dragões como se tivesse ganho a Champions. O Aves precisa de pontos e de confiança que advém de conseguir roubá-los frente a um dos grandes, sobretudo frente a um FC Porto que na Liga só tinha sido travado pelo Sporting. Foi, portanto, justificada a explosão de alegria. Sérgio Conceição também já treinou clubes pequenos e sabe bem o sabor de algo assim. Convém não perder a perspectiva quando deixamos de ser David e passamos a ser Golias. Eu quando acabar de pagar a minha casa, um dia, também vou festejar, e nessa altura não gostarei que algum milionário me diga que pareço estar a festejar a compra de uma penthouse na Trump Tower, em Nova Iorque.
2. Em resposta à decisão do Supremo Tribunal, que condenou o clube a pagar mais de 300 mil euros ao ex-funcionário Maurício do Vale, despedido na era Bruno de Carvalho, o Sporting decidiu colocar os antigos presidentes e dirigentes em tribunal, pretendendo responsabilizá-los pela indemnização a pagar. É o mesmo que derrubar o caixa de esmolas da igreja e culpar o carpinteiro que a fez...
3. O presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, diz que o Benfica deve estar acima do ruído e ignorar os medíocres. Totalmente de acordo. Então porque não acaba com o ruído e os medíocres na sua própria casa? Não quer ou não consegue) O masoquismo encarnado no Twitter (e não só) parece-se cada vez mais com a relação do Sporting com o Facebook. Doentia.
4. A anunciada greve dos árbitros, que parecia ser um produto premium no combate ao estado de sítio do futebol português, não passou, afinal, de uma promoção de black friday. Ridículo.
5. A carreira de Júlio César não merecia que se tornasse de um novo Paulo Lopes, com todo o respeito. Separação natural e com elegância."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

Os protagonistas

"Fazer golos ou evitá-los está longe de dar direito ao palco no futebol nacional

uma curiosa convergência em declarações recentes de Sérgio Conceição e Luís Filipe Vieira: ambos pediram que o palco fosse dado aos protagonistas, jogadores e treinadores. O presidente do Benfica - e passando ao lado da piada fácil que seria uma referência à expressão "passar a mensagem" nesta época de "missas e padres" (espero que não convoquem uma greve por isto...) - fê-lo ontem; o treinador do FC Porto após o empate na Turquia, com o Besiktas, o que até poderia deixar adivinhar uma espécie de "entente cordiale" com vista ao arrefecimento da panela de pressão do Clássico de sexta. E isso nem seria nada do outro mundo - só não parece ser deste, porque praticamente na mesma altura em que Sérgio Conceição "pedia" a retirada de cena dos demais actores, o presidente portista carregava nas tintas da crítica ao desempenho do rival lisboeta na Champions, onde somou desilusões e humilhações.
Numa época em que o acesso aos milhões da UEFA vai afunilar drasticamente para os portugueses (só o campeão terá acesso directo), todos os argumentos parecem poucos e não entrar nesta guerra seria dar mostras de uma debilidade a que ninguém - já nem o Braga! - pode dar-se ao luxo. Nesse outro mundo, faria sentido que todos remassem rumo à pacificação do Clássico e mais além, quem sabe inspirando-se no protagonismo que outros portugueses - Mourinho, Marco Silva, Paulo Fonseca... - conseguem ou no protagonismo de que outros abdicam, como o treinador do Barcelona, Ernesto Valverde, que respondeu ao erro garrafal dos árbitros que não validaram o golo de Messi ao Valência com o reconhecimento de ter sido favorecido anteriormente contra o Málaga e pedindo a tecnologia "olho de falcão". Com a tranquilidade de quem não precisa de "decretos" para deixar o palco aos protagonistas."


PS: Depois do jogo na Vila das Aves a atitude e as palavras do treinador dos Corruptos, alteraram-se !!!

O adeus do "Imperador"

"Júlio César foi um jogador diferente.

Não são necessárias muitas palavras para honrar a passagem de Júlio César pelo futebol. Aquele a quem foi ao longo dos anos atribuído o cognome de “o imperador” despediu-se ontem de uma actividade que fica a marcar a sua vida, saindo pela mesma porta por onde tinha entrado, ou seja, a porta grande.
Permaneceu em Portugal durante quase quatro anos, deixando sempre para as gentes do futebol a imagem de um cavalheiro que se respeitou e soube respeitar os outros.
Por isso, choveram ontem durante toda a tarde e noite mensagens dirigidas ao guarda-redes, provenientes dos mais diversos quadrantes e personalidades, e que só confirmam que a sua carreira nos deixa a imagem de um homem e de um jogador diferente.
Não vale a pena recordar aqui o extenso rol de sucessos que foi acumulando nos diversos clubes e países por onde passou.
Campeão europeu pelo Inter de Milão no tempo de José Mourinho, campeão nacional por diversas vezes, titular indiscutível do escrete canarinho, Júlio César teve momentos empolgantes, e também alguns pelos quais não gostaria de ter passado.
Neste caso, recorda-se, por exemplo, a final do Campeonato do Mundo disputado no Brasil vai para quatro anos, em cuja final sofreu sete golos frente à selecção da Alemanha.
Ninguém sabe se Júlio César vai ou não continuar ligado do futebol, embora tudo pareça apontar que a sua continuidade não passe de uma miragem.
Isso não invalida, no entanto, que aqui lhe deixemos um aceno especial por esta sua passagem por uma modalidade que lhe fica a dever não somente grandes serviços como jogador, mas também, e sobretudo, uma imagem como homem que todos gostaríamos de ver sempre decalcada pelos seus pares."

Primeira Maratona Olímpica

"A primeira Maratona Olímpica foi realizada passados 2.386 anos, do feito heróico e remoto do soldado Filípides (530-490 a.C.) na Antiguidade Clássica. Para comemorar essa lenda o historiador, linguista e filósofo francês Michel Bréal (1832-1915), membro da delegação francesa e amigo de Pierre de Coubertin (1863-1937), teve a ideia no Primeiro Congresso Olímpico, realizado de 16 a 23 de Junho de 1894, no anfiteatro da Sorbonne em Paris, de instaurar uma corrida como recordação daquele gesto lendário do soldado Filípides e pensando que não se devia seguir à risca o antigo modelo grego, propôs a realização da prova não prevista nem planeada e que seria o fecho e o apogeu dos primeiros Jogos da Olimpíada unindo-se assim a história moderna e a idade antiga, tendo até sido definido um Troféu de Ouro para o seu vencedor.
A ideia foi aceite com júbilo e em 10 de Abril de 1896, correu-se a primeira Maratona moderna no mesmo percurso que a antiga, desde a planície de Maratonas até ao Estádio Panatenaico, também chamado Calimármaro.
Anteriormente ocorreram duas provas no percurso proposto para os Jogos (Ferreira, 1984). A segunda prova foi oficialmente definida como Maratona de qualificação para os Jogos Olímpicos, com um total de 38 corredores. Curiosamente viria a estar presente um jovem de 24 anos, de nome Spiridon Louis (1873-1940) que alcançou o 17º lugar.
Segundo António Fernandes (2010) no livro “Cem Anos de Maratona em Portugal”, da Editora Xistarca, menciona que perante a ideia dos juízes escolherem os 16 primeiros para a Maratona Olímpica, o major (coronel?) Papadiamantopulos (1810-1898), conhecedor das capacidades atléticas de Spiridon Louis, quando este serviu o exército entre 1893 e 1895, sob o seu comando na companhia militar, fez uma enorme força para que fosse escolhido, como maratonista de invulgares recursos atendendo que provinha de uma cidade, Maroussi, também conhecida por Armareussis, situada a nordeste de Atenas, cujos seus habitantes eram conhecidos pela sua tenacidade.
Assim nos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna foi incluída a corrida evocadora do lendário soldado da Maratona, homenageado com a realização da prova precisamente no próprio percurso desde o campo de batalha em Maratonas até Atenas (Cogan, 1980).
Entre os concorrentes um camponês, com a profissão de guardador de rebanhos, habituado ao silêncio e ao ar finíssimo da montanha, que dias antes da prova via passar pela estrada atletas que se treinavam, perguntou o que faziam e disseram-lhe que se preparavam para a Maratona, imitando-os de seguida.
Uma semana antes da prova, vinte e cinco atletas viajaram para Maratonas para efectuarem a corrida, mas só dezassete começaram a prova entre doze gregos, dois franceses, um australiano, um norte-americano e um húngaro.
Papadiamantopoulos foi o responsável por dar o tiro de partida na prova dos 40 quilómetros junto ao túmulo levantado em Maratonas, recordando os 192 Atenienses mortos pelos Persas.
Começou a provas às duas horas da tarde e teve como vencedor Spiridon Louis, com o tempo de 2:55,20 horas.
O francês Albin Lermusiaux (1874-1940) que ficara na 3ª posição nos 1.500 metros, foi quem marcou ao princípio o andamento e com 22 quilómetros percorridos ia à frente com uma vantagem de três quilómetros e assim se manteve até chegar a uma vertente pronunciada, pouco depois dos 32 quilómetros, tendo sofrido uma cãibra e abandonou. Comandou então o australiano Edwin Flack (1873-1935), mas antes de efectuar outros 5 quilómetros também não resistiu ao esforço e teve de ser levado para Atenas numa ambulância. Entretanto Spiridon Louis adiantou-se tendo o seu valor como corredor não ter sido muito apreciado, já que deve ter sido muito tentador seguir o ritmo do francês e o de Flack, uma tentação em muitos grandes corredores que desistiram desde logo. Outra vítima da corrida foi norte-americano Artur Blake (1872-1944), segundo nos 1.500 metros, que começou a sofrer alucinações e caiu numa valeta.
Ao chegar à aldeia de Ampelokipi, Spiridon Louis começou a acelerar com descontracção, seguido pelo grego Charilaos Vassilakos (1877-1964) e o húngaro Gyula Kellner (1871-1940). Vitoriado por várias pessoas, dirigiu-se para o Estádio cuja multidão grega na maioria, havia sido mantida ao corrente do desenrolar da corrida e desanimada ao princípio quando os estrangeiros tomaram a iniciativa, estava agora a ponto de ver realizado o seu sonho, uma vitória de um atleta grego, sendo uma emoção incrível.
Desistiram sete, um foi desclassificado e nove foram classificados. Somente se conhecem os tempos dos três primeiros tendo o segundo, um grego Charilaos Vasilakos, realizado o tempo de 3:06,03 horas e o terceiro, o húngaro Gyula Kellner, que se treinou especialmente com vistas à Maratona, com mais 32 segundos. Kellner, tinha ficado em 4º lugar, mas protestou junto do júri por ter visto o grego Belokas apear-se de um veiculo o qual não pôde nega-lo.
O conhecimento pormenorizado que tinha do percurso, permitiu-lhe esconder um veículo num dos parques, que depois utilizou. A desclassificação foi automática e a sua camisola com as cores nacionais, azul e branca foi-lhe arrancada e feita em pedaços. Assim Kellner recebeu a medalha de bronze e um relógio de ouro como compensação.
O primeiro classificado, de 1,60 m de estatura, da pequena aldeia de Armareussis, não se tinha treinado para esta corrida, mas ao que se conta, passara o dia inteiro da véspera a rezar, pedindo a Deus, em nome de não se sabe que motivos, que lhe concedesse o alto favor da vitória (Michel, 1964).
Como não tinha roupas de atleta para correr utilizou o trajo grego com que constava de um saiote, camisa de mangas largas e colarinho, colete, coturnos altos e sapatões.
Sessenta e nove mil espectadores encheram o Estádio para assistir à chegada daquela prova e choraram de emoções quando viram entrar à frente um grego que foi recebido com todas as honras. Na sua entrada todo o recinto se achava já num estado de grande excitação sendo o júbilo muito grande quando se viu entrar este atleta em primeiro lugar. Uma banda a cavalo entrou no Estádio atrás dele e os dois Príncipes reais da Grécia, Constantino e Jorge, ambos com mais de 1,85 metro de estatura, correram ao lado de Spiridon até à linha de chegada sendo aclamado como um herói. 
Esperavam o Rei da Sérvia, o grande Duque Miguel, a Arquiduquesa Teresa assim como o Rei George I que da sua tribuna, lhe entregou pessoalmente o troféu de prata que conquistara com 15 cm de altura e não em ouro como previsto anteriormente.
Recebeu prendas de recompensa, dada pelo milionário George Averoff (1815-1899) que lhe ofereceu refeições até ao final da sua vida, bem como de outras pessoas, um vale de 365 refeições gratuitas, serviço de engraxamento de sapatos por toda a vida, um lote de terreno, dinheiro, jóias que as mulheres lhe lançavam, assim como barba feita para o resto da vida pelos barbeiros da região. 
Segundo Fernandes (2010), foi escorraçado do Movimento Olímpico, pois Coubertin era intransigente quanto ao amadorismo. De facto, não é de estranhar que devido ao decreto sobre profissionalismo de Coubertin, Spiridon Louis, nunca mais voltou a competir.
Este jovem modesto esteve ausente de noticiários da imprensa por muitos anos, nunca mais correu após a sua vitória olímpica, levando uma vida de prática de agricultura e posteriormente como oficial da polícia.
A sua última aparição em público foi nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, já com a idade de 63 anos. Foi o porta-bandeira da Grécia na Cerimónia de Abertura, quando do desfile das missões participantes e ainda andou com a chama olímpica no estádio.
Foi recebido por Adolfo Hitler (1889-1945) e entregou-lhe um ramo de oliveira de Olímpia, simbolizando a paz. Faleceu a 27 de Março do ano de 1940.
Charles Maurras (1868-1952), jornalista e poeta monarquista francês, inimigo declarado dos Jogos, voltou-se para o Barão Pierre de Coubertin, debaixo da emoção daquele momento da chegada e disse-lhe: “Vejo que o seu internacionalismo no desporto não mata o espírito nacional, mas reforça-o”. Por obra daquela única vitória grega, na prova da Maratona, desapareceu a oposição aos Jogos.
O nome do vencedor da primeira Maratona Olímpica é usado em Portugal associado à mais antiga revista desportiva (Spiridon) dedicada à corrida, cujo primeiro número saiu em Novembro de 1978 do século passado, e conta já com 234 números saídos em 39 anos e mais de 10.000 páginas editadas de artigos de grande interesse sendo o “treinador pessoal” de muitos que praticam a corrida com prazer."

Agôn Homo Sportivus - Estratégias & Estratagemas

"Em epígrafe, o título do livro de Gustavo Pires e António Cunha que tive a honra e o prazer de apresentar. Este livro consubstancia, além dos investimentos específicos de cada um dos autores, a síntese dos profícuos diálogos entre estes dois profundos conhecedores da coisa desportiva.
Contudo, antes de falar da obra tenho de falar dos obreiros. Falar de António Cunha (AC) é falar de um homem do desporto a quem estou ligado não só profissionalmente, mas também emocionalmente. A nossa relação teve choques e apaziguamentos, mas permaneceu sempre indelével um elo de respeito e admiração que nos permite, hoje, momento em que as guerras estratégicas da vida se refugiam nas caves calmas da memória, manter uma amizade que é o viático mais importante para todos os primeiros dias do resto das nossas vidas. AC foi meu professor, em 1974-1975, fase revolucionária em que nós, alunos, púnhamos tudo e todos em causa. AC, e é esta a primeira vez que lho estou a dizer, mais que nosso professor de andebol que o foi e bom, foi o companheiro mais avisado que nos evitou alguns dislates fortuitos que poderiam ter feito perigar a dignidade da nossa formação académica. Embora, pouco mais velho que muitos de nós, sempre teve uma espécie de presciência acerca do que estava bem e estava mal. Essa precoce sabedoria relacional e comportamental veio-lhe, de certeza, da sua condição de treinador que ele assumiu desde muito cedo. Na sua ascensão como treinador de elite de andebol, várias vezes pediu a minha colaboração. Estive ligado, superficialmente mas com muito prazer, à aventura mais desafiante e gratificante que AC teve na sua vida – o ABC. Após o primeiro título nacional deste novel clube recebo, com muita surpresa, o agradecimento formal do ABC assinado pelo presidente do clube. É isto, sim. A gratidão é a matriz mais forte da personalidade de António Cunha.
Que dizer de Gustavo Pires (GP)? GP colabora com a nossa faculdade há muito tempo, mas somente há uma dúzia de anos é que começamos a ter contacto mais directo. Ouvi-o num seminário e gostei do que ouvi e, a partir daí, nunca deixei de o ler. Porquê? Porque mesmo os escritos mais singelos estão perpassados por uma inteligência arguta denunciadora de profundo estudo e reflexão. GP é um emissor profuso de locuções inteligentes e profundamente respaldadas na realidade, mesmo que episodicamente estejamos desencontrados dele numa ou outra das suas ideias. É um filósofo arguto e inquieto, na linha de outros grandes pensadores da coisa desportiva que emergiram a partir do 25 de Abril. GP é um dos vértices do triângulo dourado que marcou o mais elevado pensamento sobre o desporto após a revolução de Abril – Manuel Sérgio, Jorge Olímpio Bento e Gustavo Pires. Não me digam que há outros, pode haver, mas estes são as minhas referências e tenho direito à minha taxonomia.
Falemos agora da obra.
Uma obra escrita pode ser dissecada por três tipos de leitura: leitura literal, leitura sintomal e leitura hermenêutica. Esta obra dispensa a leitura hermenêutica pois não tem sentidos escondidos, é cristalina como a água da montanha correndo límpida por entre pedras.
Entrei nela através de uma leitura literal, inocente, permeável ao fluxo das ideias e gozando o prazer de revisitar tempos e lugares que foram genésicos para minha formação. Foi tanto o deleite da leitura que me perdi na perscrutação da obra e aí fui eu até ao fim, numa digressão de puro prazer que só terminou na última linha. Por isso, tive de fazer uma segunda leitura, a leitura sintomal, tentando descortinar lógicas e sentidos, erros ou omissões, fraquezas ou potencialidades.
Antes de mais, a obra de GP e AC permitiu-me revisitar campos de interrogação que me formaram e estavam imersos no limbo da memória. Regresso vívido e transformador ao passado.
O livro tem partes e capítulos muito fortes e outros menos bem conseguidos. Posso afirmar que, para mim, o livro é ouro em 90% e simples prata nos restantes 10%. Isso é óptimo dizeis vós todos, pois essas percentagens são raras de obter em qualquer obra literária, mas eu digo, está mal porque estes homens têm a obrigação de escrever sempre tocados pela aura da infalibilidade. Como são escassas, passemos às partes menos bem conseguidas. Um certo repeticionismo de autores ou situações que nos obrigam a reencontrar 100 linhas abaixo o que a montante já tinha sido bem expresso. A recorrência a autores menores ao lado das grandes luminárias do pensamento humano (não cito os autores menores pois podem ser maiores para outros e seria estultícia da minha parte arvorar-me em definidor do que deve estar inscrito nas tábuas da lei) e a ausência de um sentido crítico mais apurado de algumas personagens e situações. O que mais gosto em GP é a sua tendência polemista, a sua verticalidade analítica, a sua coragem política e sociológica, a sua ingente luta pela verdade. Neste livro, tomou do seu mestre Manuel Sérgio a tolerância e a bondade e ficou-se por leves afloramentos críticos, o que talvez deva ser apanágio de uma obra pedagógica como esta. Este livro é um tratado de Pedagogia do Futebol, do Desporto, da Vida e, talvez se não justificasse um pendor crítico mais acentuado. GP e AC, neste livro, são mais professores e menos mineiros da realidade. Denunciaram, sem magoar, muitos dos miasmas que corrompem o desporto português. Deixaram falar primacialmente a sua costela pedagógica, abrindo muitas portas abertas para outros investimentos heurísticos. E é essa uma das qualidades supremas desta obra. O impulso que nos leva a querer estar com eles na aventura de decifrar a realidade do desporto. E digo bem alto e perdoem-me o plebeísmo, porra, eu queria ter estado ao lado deles nesta aventura cultural. Eu tinha querido acrescentar ao seu diálogo o aporte de mais de 50 anos a viver o desporto como finalidade existencial e, principalmente, a riqueza das vivências que tive em 20 anos no futebol. Este livro convoca-nos, a todos nós homens e mulheres do desporto, a, em cada capítulo, acrescentarmos a súmula das nossas mais vívidas experiências.
Eu, poderia estar aqui a discorrer um ano seguido sobre o efeito revolucionário que este livro provocou em mim, porque a construção do caminho encetado por GP e AC vai paralelo e por vezes cruza-se com o caminho que construí para mim. Somos compagnons de route, na aceção nobre e não política do conceito. Somos companheiros de caminho porque desde muito jovens assumimos como referência existencial o aforismo de Machado: “Caminante no hay caminho, se hace caminho al andar”. A sua história pessoal dá boa nota acerca dos muitos caminhos que tiveram de desbravar. 
Quais as ideias mais fortes que sobressaem deste livro? Porque o tempo escasseia vou fixar-me somente em três.
- A competição desportiva é uma metáfora da guerra.
- A prática é o critério supremo da teoria.
- O pensamento estratégico prepara o presente, baseado no passado e procurando inteligir o futuro. 
Cada uma destas macro ideias consubstanciam mundos maravilhosos por perscrutar ou recuperar. 
Deste livro sobressai clara a similitude entre guerra e a competição desportiva. A génese do desporto tem a guerra como referência. Quando em 776 a. C., supostamente a data dos primeiros jogos olímpicos, o cozinheiro Coroebus de Elis, ganhou a corrida de estádio, a dimensão religiosa dos jogos era preponderante. Menos de 80 anos depois já a expressão desportiva dos jogos assimilava muita da lógica militar e belicista da preparação da juventude que devia estar preparada para, no campo de baralha, defender a honra e os interesses da sua polis. Mas, se quisermos ir mais longe na história biológica do Homem, podemos verificar a prática da corrida como predominantemente instrumental nas lutas de sobrevivência contra os predadores e domínio de território. Podemos por isso afirmar que a excelência motora determinou a evolução da espécie humana, a sua fixação a um território, o ganho e domínio de novos territórios, e a afirmação étnica dos vários grupos pré-humanos e proto-humanos. Por isso, as guerras explícitas ou subliminares que derivam do choque de interesses entre Porto, Benfica e Sporting, nada mais são que o regresso a um guião biológico que tem sede nas zonas hipotalâmicas do nosso cérebro e que pouco são tocadas pela roupagem cultural que o homem sócio histórico foi progressivamente vestindo.
GP e AC, tenho a certeza, tiveram longas conversas sobre Prática e Teoria. Este é um dos temas recorrentes no areópago dos teorizadores das competências. Os autores evidenciaram bem o contraste, o choque mesmo, de opiniões. E a solução, como um imperativo absoluto, não existe. A prática é o critério supremo da teoria, só que existem várias competências práticas. Eusébio, segundo Humberto Coelho, tinha um afinadíssimo computador dentro da cabeça. Analisava e antecipava jogadas que o tornavam num felino económico que estava sempre no sítio certo no momento certo sem grande dispêndio de energia. Esta competência prática alcandorou-o a deus dos estádios, mas não lhe deu expertise suficiente para vingar como treinador. Existem várias competências práticas e várias competências teóricas e por isso, o conflito teóricos-práticos é um logro que esconde, talvez, mesquinhos interesses corporativos.
Para terminar, abordo o pensamento estratégico como antecipador da realidade, que os autores tão bem desenvolveram. Fica-me, como mensagem a ambiguidade do futuro. Tal como nos ensina Popper, existem tantos mundos em aberto quantos a nossa imaginação puder criar, por isso, todo o pensamento estratégico tem de estar, desde o início, contaminado com o vírus da incerteza. É essa a arma que devemos possuir quando queremos abordar sistemas dinâmicos que não se deixam prender em lógicas fixistas.
O parto deste livro foi custoso e demorado; logicamente que a profundidade que revela não era compatível com pressas e afloramentos. Está aqui muito pensamento, e o pensamento cansa. Só desejo que os autores recuperem depressa e nos permitam continuar a receber o s frutos dos seus investimentos."

E de repente tudo mudou?

"Duas verdades insofismáveis: no futebol, o poder vem do campo e o momento é tudo. O Benfica era uma equipa deprimida, sem fio de jogo e, era-nos dito, o campeonato estava entregue. Apesar de estarmos todos cansados de saber que as contas só se fazem em maio. Entretanto, também se percebia que, apesar de tudo, o Benfica estava a melhorar ligeiramente e os sinais de que Porto e Sporting já tinham atingido o seu pico exibicional também estavam presentes – ou porque têm um banco menos profundo ou porque têm sido assolados pelas vagas de lesões que vinham afectando o Benfica. 
Chegados aqui, o cenário é tal que, na semana de um clássico importante, contra muitos prognósticos, os três grandes podem ficar muito próximos pontualmente, o que deixará o campeonato em aberto. 
Haverá algo de estrutural na melhoria de futebol do Benfica ou foi, apenas, uma combinação de felizes acasos a explicar uma exibição conseguida frente ao Vitória e meia-dúzia de golos? Será que, de repente, tudo mudou? O jogo no Dragão funcionará como um tira-teimas.
Mas, de alguma forma, podemos vislumbrar os primeiros resultados dos ajustamentos que Rui Vitória tem feito na equipa. Jonas a 9 com um meio-campo a três deixou de ser um plano b, para utilizar apenas em algumas partidas, para passar a ser o plano a. Com consequências. É verdade que Jonas mais avançado afasta o brasileiro do processo de criação. Contudo, aproxima-o da baliza e permite-lhe continuar com uma média notável de remates enquadrados por jogo, 2,7 (neste momento lidera o ranking europeu, ex-aequo com Messi – dados do goalpoint), e a marcar há dez jornadas sucessivas. Se Jonas surge mais avançado, este novo posicionamento torna possível ao Benfica compatibilizar o brasileiro com um meio-campo a três (cujos mecanismos continuam a precisar de ser muito trabalhados) e, acima de tudo, acrescenta mais jogadores na organização ofensiva.
O Benfica é, agora, menos Pizzidependente, o que, aliás, torna mais fácil a recuperação de forma do bragantino (já há indícios fortes disso mesmo); enquanto Krovinovic se tem revelado notável a unir a equipa, pela forma como recebe, desmarca e, até, recupera a bola. Socorro-me, de novo, do GoalPoint para confirmar a intuição de quem vê o Benfica a jogar com o croata em campo: contra o Vitória, Krovinovic falhou apenas uma das suas 55 tentativas de passe.
Se há paralelismo que podemos fazer entre esta temporada e as duas anteriores é que a Krovinovic pode estar reservado o papel que há dois anos foi de Renato e o ano passado de Gonçalo Guedes. Jogadores que, quando entraram, deram um abanão no jogar do Benfica e que foram decisivos na inversão de tendência, levando o Glorioso a vencer dois campeonatos em que poucos acreditavam."

75.ª aniversário d' O Benfica


"É uma vida plena de notícias, opiniões e ecos dos feitos do Glorioso que em muito contribuiu para alimentar a Chama Imensa, a Mística e o amor ao Clube dos sócios e adeptos em Portugal e no mundo.
Foi preciso espalhar a mensagem do trabalho e dos resultados dos órgãos sociais, dos técnicos e dos atletas nas mais variadas modalidades com as múltiplas conquistas e com as diversas expressões da Alma Benfiquista. Foi o labor de quem fez o jornal O Benfica que o transformou num dos principais pilares da comunicação do Sport Lisboa e Benfica que assegurou a pujança de 75 anos de vida, com renovadas ambições e desafios. Sempre a informar a Família Benfiquista, sempre a alimentar uma forma diferente de viver a vida e o amor a um clube. O jornal O Benfica é uma das nossas maiores memórias.
Acolhe um acervo patrimonial de uma riqueza incalculável que permite saber, à semana, a evolução das várias modalidades, as vitórias e os outros resultados, os protagonistas e os marcos da história do maior de Portugal. É este património jornalístico que, a par da recuperação do espólio histórico do clube e do Museu Cosme Damião, permitiu recuperar todo este trabalho de resgate da memória que tem sido concretizado.
É com muito orgulho que se escrevem as páginas destes 75 anos de vida, em que passaram por este jornal figuras ímpares do jornalismo português. Pelas diferentes épocas, o Jornal O Benfica tem sido a corrente de memória que ligou e liga as diferentes gerações. Muitas das modalidades que são a força viva do nosso ecletismo têm no nosso jornal a sua principal referência e apoio na sua divulgação e promoção junto dos sócios. E na estratégia de futuro que estamos a implementar – apesar da nova era que vivemos –, consideramos que o jornal continua a ser uma peça fundamental. 
Para muitos dos nossos milhares de adeptos, simpatizantes e sócios espalhados pelo mundo, nada se compara ao desfolhar das páginas com o nosso vermelho vivo; quando recebem o jornal O Benfica é muitas vezes o melhor contacto e meio de informação que podem ter do seu clube. O Jornal faz parte de um conjunto de meios que o Benfica colocou à disposição dos seus sócios.
A nossa comunicação concilia suportes tradicionais como o jornal em papel O Benfica com novos suportes que são marcas da inovação do clube, como acontece com essa marca de referência que é a BTV, o sítio do clube na internet, onde estamos a fazer um forte investimento tendo em conta que, hoje, para se promover e chegar a todo o mundo, nada como as redes digitais. Consolida-se assim a presença do Benfica em todos os principais canais multimédia, num projecto que ganhará ainda maior relevância no semestre do próximo ano com a futura Rádio Benfica.
O jornal O Benfica é presente e é futuro – como expressão de uma comunicação integrada do Sport Lisboa e Benfica, em que todas as modalidades contam, os protagonistas são valorizados, as Casas do Benfica têm espaço e os sócios e adeptos têm o papel central na vida do clube. Um futuro que se quer tão radioso como o conjunto de 75 anos de vida do mais antigo jornal desportivo em circulação no nosso País, desde 28 de Novembro de 1942, a alimentar a alma dos Benfiquistas. Então como agora, é preciso espalhar a mensagem. O Benfica é maior do que qualquer circunstância. É o maior de Portugal e uma referência global, que concilia a memória, o presente e o futuro, sempre com a ambição de ganhar, pelo clube, pelos sócios, pelos adeptos e por todos os que acreditam no trabalho que fazemos.
É preciso espalhar a mensagem. Temos de dar cada vez mais destaque aos verdadeiros protagonistas, os atletas e treinadores, aos nossos projectos inovadores e desafios, valorizar o tudo de bom que fazemos, realizado por profissionais de grande categoria. Comunicar Benfica, Benfica, Benfica, estarmos acima do ruído e ignorar os medíocres.
Estou muito feliz com todo o trabalho que temos feito. Só juntos é que podemos caminhar pela estrada que escolhemos, na certeza de que chegaremos a um destino feliz. A terminar, é preciso espalhar a mensagem. Aos 75 anos de vida, o Jornal O Benfica reafirma-se como pilar do universo benfiquista. E é também por isso mesmo, motivo de um grande orgulho. Parabéns e viva o Benfica."

As escolhas para o Dragão

"No entremeio da histeria comunicacional que nos vem sendo imposta pelos tarimbeiros habituais, a enxurrada de golos do Benfica, a escorregadela do FC Porto e o consequente encurtamento da vantagem portista na classificação não serviram apenas para comprovar que não há mal que sempre dure, nem bem que se não acabe. Porque a conjugação daquelas variáveis teve também o condão de garantir que o jogo de sexta-feira, no Dragão, já não terá o carácter decisivo para um Benfica que corria o risco de ficar prematuramente desenganado quanto à renovação do título. Ficou assim afastado o espectro de um castigo indigesto e que seria ainda mais martirizante para os benfiquistas por só se ter ainda jogado pouco mais do que um terço do campeonato. Compreensivelmente, a nova realidade descontentou os portistas, retirou alguma transcendência ao duelo que os dois clubes irão travar dentro de três dias, mas, por outro lado, acrescentou fascínio não só ao "clássico" mas também ao próprio campeonato, até porque, como diria Marcelo Bielsa, o ânimo é um factor que ajuda a definir os resultados. E, por último, não é de excluir que este novo cenário acabe também por condicionar as preferências e as estratégias de Sérgio Conceição e, principalmente, de Rui Vitória.
A escolha talvez fosse diferente se o Benfica tivesse necessidade imperiosa de vencer no Dragão, mas agora seria uma grande surpresa se o técnico do Benfica abdicasse, no Dragão, do 4x3x3 que lhe garantiu um importante triunfo em Guimarães e a goleada e a exibição mais impactante da época frente Setúbal, pouco importando para o caso os constrangimentos internos com que se debate hoje o clube treinado por José Couceiro. É verdade que, pelo meio, aconteceu o festival de disparates na Rússia, mas aí a responsabilidade não foi (como raramente é) do desenho táctico escolhido (até porque é mais fácil disfarçar as deficiências jogando em 4x3x3 do que em 4x4x2 clássico), antes dos problemas crónicos que espelham a falta de método e de organização, bem patentes, por exemplo, na dificuldade em gerir o jogo com bola. E, no meio daquele caos, muitos jogadores acabaram, mais uma vez, por parecer muito piores do que realmente são (sim, também incluo neste lote Filipe Augusto, que não é o melhor médio do mundo, mas já foi presença habitual nas selecções jovens brasileiras). O que mudou então comparativamente ao jogo com os setubalenses? Desde logo, a qualidade do adversário, mesmo que o CSKA também não seja uma equipa da primeira linha europeia e tenha fragilidades que o Benfica não soube explorar. Igualmente importante foram os regressos, frente ao Setúbal, de Grimaldo e Krovinovic, cuja qualidade técnica e inteligência de jogo permitem resolver algumas das carências que sobrevivem em termos de construção. A sua simples presença exponencia um jogo mais combinativo que favorece as prestações principalmente de Jonas e Pizzi (ou alguém acredita que este, em poucos dias, "ganhou forma"?). E os ganhos neste capítulo só não são maiores porque Rui Vitória continua a privilegiar os alas que fazem da vertigem o seu ato de fé (e, neste aspecto, Cervi só leva vantagem sobre Diogo Gonçalves por ser mais fiável defensivamente), em detrimento de outros, como Zivkovic, que têm a capacidade de, a cada instante, ler o que o jogo pede. Para o Dragão seria importante poder voltar a contar com Rúben Dias, o único central do Benfica que, hoje em dia, resolve o problema da profundidade nas costas da defesa e disfarça as costuras do tempo em Luisão. Por último, importa dizer que, para se ser um bom treinador, importa transmitir honestidade aos jogadores. E foi isso que Rui Vitória fez ao manter na baliza Bruno Varela. O problema é que o critério tinha sido diferente quando lançou extemporaneamente Svilar. Na altura, a única explicação plausível foi estarmos na presença de um guarda-redes com qualidade excepcionais (o que é verdade) e que passava a ser uma escolha de futuro, estando o Benfica disposto a pagar os inevitáveis custos da sua precocidade. Mas, a ser assim, também não se percebe que a aposta tenha cedido à primeira gripe, por muito que o belga tenha demorado a curá-la…
Com Soares e Marega novamente disponíveis, Sérgio Conceição não resistiu a regressar ao 4x4x2 nas Aves, talvez já a ensaiar o esquema que mais rentabiliza a dimensão física dos seus avançados para o confronto em que se pensava que poderia deixar o Benfica totalmente "knockout". Mas as circunstâncias mudaram. Não só porque o Benfica renasceu, mas também porque o FC Porto, independentemente do mérito estratégico de Lito Vidigal, perdeu qualidade e intensidade no seu jogo. E, mesmo que isso não deva ser relacionado com o desenho táctico (até porque já se havia notado em boa parte do jogo com o Portimonense, onde até houve um meio campo a três), parece agora mais lógico o regresso à solução em que Herrera surge à frente de Danilo e Sérgio Oliveira (ou André, porque Óliver parece surpreendentemente cada vez menos deste campeonato). Com Corona castigado, o mais provável é que o técnico portista coloque Marega na direita (como fez em Alvalade) e guarde Soares para qualquer necessidade. Já se sabe que a manta é curta e a dúvida é como vão recuperar alguns dos vários jogadores que já vão dando sinais de desgaste. Mas esse é um problema que só poderá (ou não) ser atenuado em Janeiro.

Cinco estrelas - Sterling vale ouro
Num City que Guardiola transformou numa máquina de bem jogar e de bater recordes, ganham cada vez mais importância as filigranas do pequenino Sterling, que já soma 12 golos (oito na Premier League e 4 na Champions) e foi decisivo em Huddersfield.

Quatro estrelas - Cavaleiro empurra o Wolves
Ivan Cavaleiro afirma-se como figura importante num Worverhampton que Nuno Espírito Santo se apresta a conduzir até à Premier League. Marcou nos últimos três jogos, somando 6 golos.

Três estrelas - Milan de mal a pior
No sétimo posto (e a 18 pontos do líder), o Milan não rentabilizou o milionário investimento e despediu Vicenzo Montella. O que não se esperava é que André Silva passasse a ser treinado por Gennaro Gattuso, que vem dos juniores e não tem nada que o recomende.

Duas estrelas - A encruzilhada de Renato Sanches
Renato Sanches não consegue sair da encruzilhada em que se meteu e já está a ser duramente criticado por antigas vedetas do Swansea. Ter talento não chega – é preciso também o suporte psicológico que ele ainda não mostra ter.

Uma estrela - Golos fantasmas e guerras fúteis
Como alguém disse, a parte chata de discutir futebol, política e religião não é a discussão em si, mas o facto de ser inútil argumentar contra fanáticos. E isso vale tanto para quem faz a guerra da comunicação com o seu próprio entulho como para os que torcem o nariz ao VAR mesmo após o golo não validado a Messi."