sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Uma questão de prioridades no futebol: fita métrica vs. tomada de decisão

"Recentemente, fomos confrontados com uma posição pública por parte do ex-treinador da selecção escocesa de futebol, Gordon Strachan, relativa à identificação dos factores que poderão ter determinado o insucesso na qualificação para o Mundial de 2018 na Rússia. Na sua perspectiva, a selecção escocesa tem uma “desvantagem genética” pelo facto de apresentar “a segunda estatura média mais baixa da última fase de qualificação, para além da Espanha.” Acrescenta ainda que “esta desvantagem obriga a que a sua equipa tenha de combater e de saltar mais alto que todos os outros”. Neste sentido, Gordon Strachan priorizou a dimensão física no processo de selecção de jogadores: “Tivemos de seleccionar uma equipa que combatesse a altura e a força dos adversários”. Parece-lhe assim que para o futuro será importante conferir maior relevância à “componente genética, para assim juntar jogadores com estatura mais elevada”.
Do ponto de vista factual, se atendermos ao grupo de qualificação para o Mundial onde a Escócia esteve inserida verificamos que esta apresenta uma desvantagem em termos de estatura (1,80m) face a algumas das equipas do seu grupo como a Eslováquia (1,82m) ou Lituânia (1,84m). Contudo, parece-nos extremamente abusivo explicar o desempenho no futebol, ou em qualquer outra modalidade desportiva, de forma linear com base na dimensão física. De acordo com dados do International Center for Sport Studies (2017) as selecções europeias que apresentam uma média de estatura mais elevada são a Sérvia (1,86m), Bósnia (1,85m) e Islândia (1,85m). Por sua vez, Espanha (1,80m) e Portugal (1,81m) figuram, respectivamente, como a 4ª e 11ª equipa com média mais reduzida de toda a União Europeia. Como é óbvio, não existe qualquer relação entre a estatura dos futebolistas e o sucesso desportivo. Na verdade, o desempenho desportivo apresenta uma natureza multifatorial que se caracteriza por uma interacção complexa entre diferentes factores cuja incidência se vai alterando ao longo do tempo. Neste sentido, recorrer a uma relação causa-efeito para abordar o sucesso ou insucesso desportivo implicará sempre uma visão redutora e desvirtuada e, nessa medida, sem poder explicativo. Mesmo no caso de modalidades onde o contexto de desempenho é relativamente estacionário, como no Atletismo, é fundamental que o atleta na execução do salto em comprimento, regule permanente a sua trajectória face à aproximação da tábua de chamada mediante informação de natureza espácio-temporal. Esta regulação informacional com base no ajustamento entre o comportamento do atleta e as condições do ambiente fará certamente a diferença entre registar um salto nulo ou vencer uma medalha.
No caso de modalidades como o Futebol, onde o contexto de desempenho se altera praticamente em cada instante, esta dependência informacional assume ainda maior relevância. De que servirá ao jogador escocês ser mais alto ou saltar mais alto se o timing de execução do salto para cabecear uma bola, por exemplo, for desajustado face à trajectória e velocidade da mesma? De que servirá ao jogador escocês efectuar um passe com maior velocidade se este não for capaz de percepcionar as linhas de passe disponíveis num determinado instante (que se dissolvem momentos depois)? Esta dependência informacional face ao contexto performativo implica uma permanente actualização do estado de relação entre o atleta e o envolvimento mediante uma atitude de ordem táctica.
O que importa questionar é se o processo de treino de equipas de alto rendimento, como no caso da Selecção Escocesa, foi direccionado para a elevação do desempenho desportivo partindo de uma lógica multifatorial. Neste caso, a promoção da capacidade do futebolista percepcionar informação relevante e tomar decisões que o aproximem do sucesso será sempre mais determinante que uma eventual superioridade em termos de estatura. O futuro deverá assim implicar um redireccionamento de prioridades...da fita métrica para a tomada de decisão."

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