"O termo ganhou raízes no futebol em Portugal. Por causa de um Portugal-Espanha jogado no velho Stadium de Lisboa. Juntou-se uma multidão para ver o lendário Zamora.
Porque foi semana de a selecção nacional jogar no Estádio da Luz, recorde-se um momento histórico da equipa de Portugal.
A chegada dos espanhóis a Lisboa mereceria noticiário volumoso. Uma multidão de largos milhares de pessoas deslocou-se à Estação do Rossio para aplaudir entusiasticamente os jogadores e treinadores adversários. Há alguém que tem direito uma recepção especial: o lendário guarda-redes Zamora, que desembarca no Rossio acompanhado pela sua mascote inseparável, uma boneca de trapos.
Zamora provocava alvoroço onde quer que fosse, era, aliás, o inspirador das famosas 'zamoranas', uma defesa na qual o braço e o antebraço formavam um ângulo recto, rapidamente imitada por todos os guarda-redes portugueses e, principalmente, pela miudagem nos seus jogos de rua.
O país deixou-se encantar definitiva e irremediavelmente pela sua selecção e, pela uma hora da tarde do dia 17 de Dezembro de 1922, o velho campo do Stadium, na Alameda das Linhas de Torres, rebenta pelas costuras.
Mais de 20 000 espectadores comprimem-se nos peões e nas bancadas; centenas de automóveis e side-cars invadem a beira das estradas do Campo Grande. Um verdadeiro 'acontecimento sportivo e mundano', como er ade bom tom dizer-se por esses dias.
Alguns minutos antes das duas, os espanhóis entraram em campo envergando os seus orgulhosos equipamentos vermelhos e azuis. Zamora, o grande Keeper do Espanhol de Barcelona e, mais tarde, do Real Madrid, o 'dominador emérito da bola', provocava excitação no público com a sua boneca de trapos e concitava a afeição geral. Os representantes das suas federações, Ornaechea e Raul Nunes, trocam ramos de flores no centro do terreno, o presidente da República, António José de Almeida, toma o seu lugar de honra ladeado pelo Presidente do Ministério, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo ministro de Espanha, como era designado o embaixador, Alejandro Padilla.
A estrondosa vitória que não foi
O jogo começa então, lento e pouco merecedor de tão grande entusiasmo. Carreaga e Montesinos dominam o sector defensivo de Espanha, e o seu 'capitão', Samitier, que jogaria no Barcelona e no Real Madrid, o homem que chegava com a cabeça onde os guarda-redes não chegavam com as mãos, desenvolvia um jogo admirável, controlando os movimentos ofensivos dos portugueses, entre os quais Alberto Rio e Torres Pereira são, até ver, os mais dinâmicos. Os pontapés fortíssimos do zurdo Acedo assustam o público mas Carlos Guimarães está atentíssimo e tranquilo. Um «oooh!» de espanto sublinha o remate estupendo de Jaime Gonçalves às traves de Espanha. E o delírio rebenta a cinco minutos do intervalo: Alberto Rio, que já tinha jogado vários anos no Benfica, ganha a bola a um adversário e corre solto pelo meio do campo até a entregar a Jaime Gonçalves. Mais uma vez, este ensaia o seu fortíssimo remate. Só que agora, certeiro e infalível. Zamora está batido. A multidão parece querer mergulhar sobre o relvado, vêem-se lenços acenando nas bancadas.
Precisamente às 15 horas e 20 minutos, assinalam os registos, deu-se início ao segundo tempo. E os espanhóis surgem agora mais rápidos e mais agressivos. Há, talvez, um excesso de dureza ao qual os portugueses não estão habituados e que os obriga a recuar na defesa da sua baliza. Na sequência de um canto, o salto colectivo de quatro espanhóis na área de Portugal baralha por completo os backs lusitanos, e Monjardin empata a contenda. A qualidade da selecção espanhola vem ao de cima, o seu domínio acentua-se e é quase com naturalidade que Piera faz o 2-1. A vitória fica-lhes bem. E os portugueses reconhecem-no. O Diário de Noticias fala, no dia seguinte, de 'uma vitória moral estrondosa'. O termo ganhará raízes."
Afonso de Melo, in O Benfica
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