"Na qualidade de diplomado pelo Instituto Nacional de Educação Física (INEF) tomei parte na maior revolução de que o desporto alguma foi objecto no País.
Estávamos em 1974/1975 pelo que, naturalmente, me vi envolvido no confronto de ideias e na troca de argumentos, bem como em contraditórios de projectos que, muitas vezes, assumiam aspectos de violência verbal que fazia parte do entusiasmo com que cada um defendia os novos caminhos que entendia serem os melhores para um desporto novo num Portugal democrático. Então, a par das grandes transformações que ocorriam no País, o desporto, primeiro com Melo de Carvalho de quem fui colega de curso e com quem colaborei na Câmara Municipal de Lisboa na formação de técnicos e, depois, com Joaquim de Sousa e Rodolfo Begonha, foi objecto de um processo de desenvolvimento cujos aspectos principais, ainda hoje, se fazem sentir. E tudo aconteceu na maior das liberdades, numa livre troca de ideias e confronto de opiniões sem que alguma vez, que eu saiba, alguém tenha sido incomodado ou perseguido pelas suas opiniões por muito que elas pudessem melindrar os poderes públicos e privados instituídos.
Nos últimos cerca de quarenta e três anos, como bom observador que me prezo ser, assisti, com complacência e algum divertimento, a transformações ideológicas pessoais em que alguns protagonistas da extrema-esquerda se adaptaram às conveniências do tempo político, ao discurso vigente e aos comportamentos de acordo com as pessoas e as instituições que, em cada momento, lideravam os novos tempos políticos. E, recordo que, alguns deles, até tinham tido comportamentos e expressado opiniões de grande agressividade como foram as que envolveram os lamentáveis saneamentos políticos de professores como Abano Estrela, Mário Moniz Pereira e Nelson Correia Mendes que leccionavam no INEF. Apesar destes excessos, que eu saiba, nunca ninguém foi perseguido pelas posições que tomou por muito conflituais que fossem porque a livre expressão de cada um prevalecia como um dos princípios mais sagrados de Abril.
Chegados ao novo século, constato que a livre expressão de opiniões está debaixo de inacreditáveis ameaças que se consubstanciam na participação ao Ministério Público daqueles que, pelas suas críticas, afrontam as políticas desenvolvidas pelo poder vigente que, fugindo ao contraditório e, à custa dos recursos das organizações que lideram, utilizam a denúncia como forma de cortar pela raiz a leviandade das críticas. Acredito que este tipo de denúncias, pela sua inconsistência e irrelevância, estejam destinadas a serem arquivadas, contudo, a maldade fica feita uma vez que os acusados são obrigados a gastar tempo e dinheiro, para além de serem submetidos a uma coação que não é própria de culturas democráticas.
Se o 25 de Abril nos ensinou alguma coisa foi que, se não existe desporto sem confronto de vontades na disputa física e psíquica de um objectivo desportivo, também não existe desenvolvimento do desporto sem um livre e salutar confronto de ideias no sentido da organização de um desporto melhor. Por isso, considero inadmissível que o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) que, de acordo com os princípios do Olimpismo, devia ser o primeiro a defender a liberdade de opinião e livre crítica, tenha apresentado uma queixa no Ministério Público (MP) contra Gustavo Pires que, há dezenas de anos, de uma forma didáctica, pedagógica, social e fundamentada, expressa as suas opiniões em matéria de desenvolvimento do desporto em órgãos de comunicação social escrita como o jornal “A Bola”. Por vezes, nem estou de acordo com as suas posições, o seu estilo ou, até, com os adjectivos que utiliza. Todavia, não se trata de estar ou não de acordo mas sim do directo de cada um, na mais plena liberdade, expressar as suas opiniões relativamente a uma instituição como o COP que presta um serviço público. Por isso, como considero a liberdade de expressão e a livre crítica entre as conquistas mais significativas do 25 de Abril, não posso deixar de manifestar a minha discordância pela atitude do presidente do COP ao tentar condicionar e, eventualmente, calar uma pessoa que, nos últimos quarenta anos, no país, foi uma das que mais investigou, reflectiu, leccionou e publicou, tanto a nível nacional como internacional, no âmbito do Olimpismo, do desenvolvimento do desporto e da sua gestão.
Sou daqueles que continua a pensar que este tipo de atitudes não se coaduna nem com espírito de Abril nem com o espírito olímpico. Por isso, sendo amigo tanto de José Manuel Constantino como de Gustavo Pires, lamento que o presidente do COP se sirva do poder que tem para tentar resolver uma questão que, na minha opinião, por muito que o possa incomodar, não é mais do que o exercício da liberdade de expressão e livre crítica."
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