"Há poucas coisas mais prováveis do que encontrar uma mulher bonita dentro de um Fiat 500. Mas entre elas está certamente encontrar indignação nas redes sociais. Diariamente. Por motivos diferentes.
Ora é porque este disse aquilo ou porque aquele disse isto. Porque esta imagem não tem jeito. Porque aquele comentário é racista, machista, feminista, xenófobo, imbecil, pueril, demagógico, inoportuno, idiota. Riscar o que não interessa. É indignação para o menino e para a menina, em doses iguais (para evitar ainda mais indignação).
Uma das últimas - entre as que sou capaz de acompanhar, porque há as que apanho a meio e não consigo entender e as que apanho de início e faço por não entender – metia chouriços. Ou melhor, um deles. O chouriço de André Almeida contra o Portimonense, baptizado por Vítor Oliveira, um homem do futebol, dos maiores deste país, e que, por isso, conhece como poucos a linguagem deste mundo.
Goste-se ou não, o golo de André Almeida foi um chouriço.
E repito a definição de Vítor Oliveira sem sequer entrar no campo de julgar a intencionalidade do remate. Aliás, pela forma como o lateral do Benfica mete o pé à bola, diria que não é improvável que tenha querido mesmo rematar à baliza, como não é que tenha pretendido cruzar. Só ele saberá e se ele diz que queria rematar, acredito. Até porque é indiferente face ao resultado final da obra.
Querendo ou não, André Almeida marcou e deu a vitória ao Benfica, com um golo candidato a melhor da época (calma lá com o Puskas...), mas que é, por definição, um chouriço.
Aliás, remates de longe, em força, que resultem em grandes golos têm grande probabilidade de encaixarem na gaveta dos chouriços. Creio até que foi Pedro Barbosa que explicou há uns tempos que qualquer jogador de futebol quando remata de longe tem uma preocupação apenas: acertar bem na bola e enviá-la com força. O resto tem muito de sorte e azar.
Entre os melhores golos que vi ao vivo, – todos eles encaixados perfeitamente um degrau abaixo do cabeceamento de Van Persie contra a Espanha no Mundial do Brasil. Ah, como te roubaram o Puskas… - lembro-me de um pontapé incrível do Freddy Guarín no Dragão frente ao Marítimo. Um remate pouco à frente do círculo central que entrou na gaveta. Se repararem, o colombiano encara a baliza para perceber a posição da mesma e depois os olhos não saem da bola. Puxou a culatra e «cá vai disto». Golo.
A reacção de incredulidade, consumada com o «Díos mio» que lhe sai da boca momentos após perceber o que tinha feito, não enganam: grande golo e «ganda chouriço». Se todos nós, em casa, o podemos dizer, para quê ficar indignado quando alguém que está lá dentro diz o óbvio?
Foi o que fez Vítor Oliveira. Dizer o que milhões pensaram, vários deles benfiquistas, certamente, depois de pararem de celebrar o momento.
O chouriço é saudável, – o metafórico, claro, porque o real é delicioso mas não faz nada bem ao colesterol – é alegre, jovial. O chouriço é futebol. Faz parte dele.
Ao contrário das panelas de pressão que Miguel Leal trouxe para a ribalta depois da derrota em Guimarães. «Quem tem medo da pressão que compre uma panela»? Não, mister, não. Isso é o mesmo que aconselhar a compra de uma pistola a quem tem medo de balas.
Vou sempre preferir um treinador que fale de chouriços a um que fala de panelas de pressão. O futebol é dos chouriços, das cuecas, cabritos, coxinhas, roscas, bicicletas, moinhos, bicos, cacetadas, rabonas. É a língua que cresci a ouvir, é a língua que falo.
Indignem-se, paciência. Será só um dia entre vários."
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