sábado, 19 de agosto de 2017

Há uma geração rasca no nosso futebol

"Há quem defenda a ideia drástica de erradicar esta gente que tanto usa e abusa de uma espécie de violência doméstica contra o futebol.

Excelente trabalho da redacção de A Bola, contando tudo, ou quase tudo, porque infelizmente, as câmaras que podiam captar o som do que disse o presidente do Sporting ao presidente do Arouca ficaram súbita e surpreendentemente sem som, daquele triste incidente no túnel de Alvalade.
O trabalho, apresentado com rigor ao longo de quatro páginas de abertura do jornal, constituem, por si só, uma das mais importantes e significativas constatações de facto sobre o que bem poderia ser dado como exemplo do lado mais negro de um certo tipo de geração rasca que afunda a credibilidade de dirigentes do futebol português.
O que se ouve nas gravações e que são imputadas ao presidente do Arouca é sintomático de uma atitude de desrespeito e de total desconsideração pelo adversário. O que se apura de actos no acórdão do Conselho de Disciplina, relativos ao presidente do Sporting, vão no mesmo sentido e acrescentam as maiores razões de inquietação. O que depois se pode ler na reacção de Bruno de Carvalho, através do seu famoso facebook, onde se revela uma grosseira e pouco corajosa insinuação que parece ter por alvo o presidente do Conselho de Disciplina é tão lamentável quando significativa da conta que o presidente de um dos três maiores clubes portugueses tem pelos órgãos disciplinares do futebol.
Toda a matéria em que o acórdão disciplinar navega é um charco pestilento, onde impera a ordinarice, a vulgaridade, a afronta.
Não importa avaliar a justiça da pena aplicada a cada um dos principais e tristes protagonistas, porque mais importante é a exposição pública do atraso cultural e civilizacional de quem tem obrigações e deveres públicos pelos cargos que desempenha na liderança de instituições que são seguidas por milhões de cidadãos, muitos deles jovens, em idade de formação e que entendem como exemplo para a vida a ideia de que as diferenças se resolvem pela violência, pela força, pela afronta, pela intolerância, ou pela primária manifestação de uma força animal.
Portanto, a questão essencial não de se saber se as penas aplicadas deveriam ser mais ou menos gravosas. A questão decisiva é a de saber como erradicar este tipo de acções do futebol e que, de facto, são socialmente perigosas. Isto, para evitar falar, pelo melindre que envolve, na visão drástica de quem entende que se devia começar por erradicar todo o tipo de gente que de forma persistente e continuada usa e abusa de uma espécie de violência doméstica contra o futebol português.
Haverá certamente quem defensa que a linguagem do desporto de competição, especialmente nos seus bastidores, é uma linguagem crua, desprovida de preocupações éticas e sociais. Mas não é a mesma coisa a linguagem de cabina, na reserva de uma sala entre um grupo fechado que tem os seus códigos particulares, e a linguagem em zona pública, em especial, preferida por dirigentes máximos de instituições às quais se consagra uma importância e responsabilidade sociais que levam a justificação de benefícios públicos e até certas honrarias de Estado.
Ser presidente, alto dirigente, ou protagonista com grande visibilidade pública num clube de futebol, em Portugal, é uma posição de privilégio. Nem toda a gente está mentalmente preparada para isso. Nem toda a gente percebe que a suposta importância nacional da função não é, de todo, correspondida na realidade. É por isso que dirigentes, jogadores, treinadores, depois de terem conhecido momentos de alta emoção e de verdadeira idolatria popular se deixam cair na mais profunda depressão quando passa o seu tempo e percebem como era efémera e vã essa suposta glória. É que o futebol é, apenas, uma representação da vida.
(...)"

Vítor Serpa, in A Bola

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