sábado, 12 de agosto de 2017

Benfica

"São comuns, entre nós, os panegíricos à língua portuguesa por ser a única que contém uma palavra que descreve um sentimento de perda ou ausência de algo ou alguém. Refiro-me à saudade, como qualquer lusófono saberá.
Até há uns anos, achei sempre que 'saudade' tornava o nosso idioma singular, porém a minha namorada, que é holandesa, apesar de apreciar a 'saudade', contrariava-me porque a sua língua materna contém também uma palavra materna sem tradução literal em qualquer outra ('gezellig', um determinado estado de conforto físico e psicológico). Por um acaso feliz, num qualquer aeroporto, encontrámos um livro dedicado a palavras que existem somente numa língua.
Pois bem, o cenário é aterrador para os laudatórios do português. Percorrer aquele livro dá a sensação de que todas as línguas têm palavras que só nelas existem - há uma que descreve o tempo que se demora a comer uma banana - e, por isso, dou por mim, de vez em quando, à procura de outras para além da saudade.
'Benfica' é uma boa candidata. É o nome do nosso clube e de uma freguesia, mas, se aplicada na adjectivação, consoante o sujeito, poderá adquirir significados múltiplos. Por exemplo, um benfiquista, ao afirmar que tem passado uma manhã Benfica, só poderá estar a referir-se a feitos a sensações extraordinárias. Pelo contrário, a mesma frase dita por um anti-benfiquista significará que está a ser acometido por desgraças que lhe provocam simultaneamente tristeza, frustração, autocomiseração e inveja.
E proponho também outra que defina antigos árbitros de futebol que, impedidos pela idade de destilarem ódio ao Benfica num relvado, o façam agora em páginas de jornais e na televisão: os videoparvos."

João Tomaz, in O Benfica

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