quarta-feira, 17 de maio de 2017

Tetra ou 36, que é o dobro de 18

"Vieira é mesmo diferente, por muito que o sublinhado cause alergia a quem vê esta «força da natureza» acentuar o seu domínio e não sabe como pará-la

Por esta altura, corrigidas as contas dos Campeonatos Nacionais, conclui-se que o Benfica ganhou 36, precisamente o dobro do Sporting (18), enquanto o FC Porto fica a meio caminho (27), menos nove do que a águia e mais nove do que o leão, como aquelas equipas escondidas na tabela, classificativa que exultam com a possibilidade de poderem alcançar a liderança sem se darem conta de estarem à mesma distância da fronteira da despromoção.
Dito de outra maneira, em 83 edições oficialmente reconhecidas, o domínio benfiquista representa quase metade do total (43,4%). O outro prato da balança, contudo, pesa mais se aos 32,5% portistas se acrescentarem os 21,7% sportinguistas. Nem a provada estapafúrdica pretensão do presidente leonino Bruno de Carvalho de criar uma nova realidade, com títulos virtuais, perturba a verdade da história, por nada alterar de significativo, a não ser em retardar a relação dobro/metade, dependendo da perspectiva, na análise comparativa entre Benfica e Sporting.

O tetra não passa de simples curiosidade, embora interessante, na medida em que já deu aos padrinhos em representação do universo benfiquista a ideia do nome do próximo filho de Rui Vitória, que se chamará penta, tal como o do Porto, sem preconceitos, pois copiar dos outros o que é bom apenas valoriza quem assume a humildade de o fazer.
Com o título atribuído, esgota-se a paciência para cenas feirantes em que já só falta alguém sugerir o recurso ao microscópio para se perceber se o desequilíbrio e queda de um avançado na área foi provocada pelo atacador da bota do defesa prevaricador ou pela unha do dedo grande de um dos pés. Como parece não haver barreiras para a imaginação é de esperar tudo. Quanto a esta época desportiva, sobre o nome do campeão, é assunto encerrado.
Ganhou o Benfica porque foi o melhor e em reacção que pode classificar-se de exemplar pela sua raridade na nossa canhestra cultura futebolística, os treinadores de FC Porto e Sporting felicitaram publicamente o novo campeão. Nuno Espírito Santo fê-lo de uma forma clara e inequívoca. Jorge Jesus, talvez mais renitente por ser de outra geração, ainda muito agarrado ao jeito que os árbitros dão quando os treinadores querem esconder incompetências próprias e entreter os adeptos com erros que são facilmente transferidos para quem está obrigado a decidir ao segundo, mesmo assim, considerou que «o Benfica foi um vencedor justo».

Falaram os maestros das orquestras que formaram o pódio e ficou tudo dito. Daqui em diante, o barulho pode continuar, mas vai ser partir pedra para ver se dá sumo, só assim se conseguindo enxergar algum cabimento para aquela peregrina manobra de se promover uma cimeira de comunicadores do dragão e do leão, um pouco às escondidas, no mesmo hotel que há anos acolhe o FC Porto quando se desloca a Lisboa e que outro efeito não se conhece senão o de tornar mais fortes a «humildade, determinação, compromisso e ambição» do Benfica.
O modo e a oportunidade da iniciativa revelaram-se de uma notória falta de jeito, da qual nenhum mal viria ao mundo, dado tratar-se até de pessoas que foram colegas de profissão e trabalharam para o mesmo patrão, não fosse a bizarria desse encontro aparentemente ter servido para suportar um comunicado com vários pontos de união entre os dois clubes, coisa que se resolvia sem necessidade de tanta exposição e tanto falatório.
Porque, em rigor, as dores de cabeça dos presidentes do FC Porto e do Sporting são intensas e requerem medidas que não se explicam em redacções de circunstâncias:
1. Pinto da Costa está há quatro anos a seco em matéria de campeonatos, embora com imenso crédito ainda dado o seu notável currículo. Nuno Espírito Santo, sim ou não? A equipa melhorou e o futebol deu sinais de estabilização. Mudar por mudar será adiar o regresso às conquistas. Há um ano o FC Porto acabou a 15 pontos do primeiro, agora está a cinco. Em vez de pensar em novo treinador talvez seja mais prudente e seguro manter o que está: abdicar de quem não se identifica com o grau de exigência do dragão e procurar reforços que se vejam.
2. Bruno de Carvalho é uma máquina a fazer promessas, mas em cinco anos de presidência campeonatos nacionais nem vê-los, e nada faz prever que a tendência perdedora se altere. Nos antípodas do homólogo portista. Quis Jorge Jesus e agora não sabe como lidar com ele, mas a culpa não é do treinador. Este faz o seu trabalho. Sem o sucesso reclamado pelo presidente, o que não significa que haja engano no caminho que Jesus percorre. Mas o presidente tem pressa e disso faz gáudio para o exterior. Assim, é complicado. Não há treinador  que resista ao estilo.
Estes são alguns dos desafios dos presidentes de FC Porto e Sporting que não se resolvem com manobras de comunicação. O do Benfica encara os seus com trabalho e olhando para dentro, porque tem um rumo e um projecto. Vieira é mesmo diferente, por muito que o sublinhado cause alergia a quem vê esta «força da natureza» acentuar o seu domínio e não sabe como pará-la."

Fernando Guerra, in A Bola

1 comentário:

  1. Fernando Guerra CEM POR CENTO DE ACORDO CONSIGO Mas talvez pudesse ser mais claro nas diferenças entre Vieira e os outros

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