terça-feira, 9 de maio de 2017

Estalou o verniz em Alvalade

"Jesus prometeu muito, ou prometeram por ele, mas deu pouco. Uma Supertaça, plantéis que justificam muito mais, é pecúlio esfarrapado.

Em 2010, ano do primeiro campeonato conquistado por Jesus ao serviço do Benfica, o Sporting Clube de Braga, então treinador por Domingos Paciência, arrastou a decisão até ao último quarto de hora da derradeira jornada, em Estádio da Luz lotadíssimo e em silêncio profundo que golo atempado de Óscar Cardozo, o segundo nessa tarde, transformou em indescritível e barulhenta festa, desempatando o jogo que Ricardo Chaves empatara uma dezena de minutos antes.
O Benfica voltou a ficar em vantagem frente ao Rio Ave (2-1), outra vez ele, enquanto na Madeira, diante do Nacional, os bracarenses não conseguiram impor-se.
No ano seguinte, Benfica e Braga defrontaram-se nas meias-finais da Liga Europa e Domingos enganou Jesus, afastando-o da competição e assegurando presença do emblema minhoto na final de Dublin, que veria a perder com o FC Porto.
Na manhã de anteontem, em Alvalade à pinha, o mesmo Domingos voltou a trocar as voltas ao mesmo Jesus, quebrando um recorde que durava há 62 anos: desde 1955 que os azuis não venciam em casa do leão.
Um resultado surpreendente que aliciou as dores do Belenenses, provocadas pela instabilidade interna, e entreabriu a porta a uma crise inevitável no Sporting. Era uma questão de tempo, principalmente a partir das 111 medidas anunciadas pela sua administração.
Há duas épocas, quando Jesus trocou o Benfica pelo Sporting, não faltou quem prenunciasse a mais terrível das catástrofes na águia, de repente privada do seu guia espiritual. Previu-se a ruína, a tragédia, a desgraça porque, repare-se no ridículo da questão, o Benfica mudou de treinador.
Do lado do leão, o ambiente era  exactamente o oposto. Entusiasmo pelas promessas feitas e gozo imenso por se vender aos adeptos a ideia de se ter provocado rombo irreparável na estrutura do rival.
Enxergaram-se a JJ atributos a raiar o sobrenatural e que depressa levaram os homens da propaganda mais chegados ao presidente a colar-lhe rótulos de excelência, espécie de solução mágica que iria resolver todas as depressões futebolísticas. Sem perguntas, nem dúvidas, razão pela qual talvez seja mais doloroso o choque com a realidade e a assumpção de que, afinal, existe o perigo de o melhor treinador do mundo se transformar no maior dos pesadelos, pelo exagero que envolveu a operação: no folclore, nos gastos e, muito provavelmente, nas consequências.
A seguir à vitória em Braga e ao relevante desempenho leonino, Jesus aproveitou a onda favorável para falar em reforços. Quer mudar o sector defensivo, outra vez. Renovou-o em Janeiro de 2016 e assegurou já André Pinto. Desde que chegou a Alvalade, contratou sete defesas, recuperou Rúben Semedo e quando o entende recorre ainda a Bruno César. Esgrime os mais de 30 golos sofridos, esquecendo-se, no entanto, que os que lá estão são os mesmo que boa conta deram do recado na temporada anterior.
Incomodativa, com, foi a análise que fez ao jogo com o Belenenses, transferindo a responsabilidade para alguns jogadores e voltando a agitar a factura a pagar pela aposta em jovens de pouca experiência, numa alusão clara à estratégia da administração ao decidir que «a formação será a aposta base da política desportiva».
Jesus prometeu muito, ou prometeram por ele, mas deu pouco. Uma Supertaça, com vencimento principesco e plantéis que justificavam muito mais, é pecúlio esfarrapado. Pela qualidade dos praticantes e pela estabilidade do grupo que lhe foram oferecidas, na medida em que as saídas de Slimani e João Mário foram supridas sem quebras por Bas Dost e Gelson Martins.
À entrada para a terceira temporada, e com a previsibilidade de alguns dos principais elementos serem colocados no mercado, como é normal, significa que, havendo mais trabalho pela frente, baixam as perspectivas de sucesso em função da personalidade do próprio treinador: megalómana e que só valoriza a primeira pessoa do singular.
A reacção de Bruno de Carvalho, imediata à derrota com o Belenenses e ouvida a explicação técnica, é sinal de que estalou o verniz e se prepara para tomar decisões. Aliás, já o escrevi neste espaço, o dilema de Bruno para o novo exercício assenta em pertinente interrogação: Jesus, sim ou não? Saber até que ponto o treinador deixou de fazer parte da solução e se transformou em problema bicudo.
Depois daquele abraço a Casillas e dos elogios que lhe endereçou, mais dia menos dia, há de aparecer uma notícia a dar conta do interesse do FC Porto em Jorge Jesus. Disso dei conta há três meses e em troca recebi uma caterva de insultos: eis o fascínio das redes sociais.

PS1 - Parabéns a Luís Castro, à sua urbanidade e à qualidade do seu Rio Ave.

PS2 - Rui Vitória, apesar ao aumento recente no vencimento, precisa de trabalhar sete anos para igualar o que Jesus recebe em um ano apenas. Tem o seu segundo título de campeão nacional à distância de um triunfo e, no entanto, continua o mesmo homem sereno, prudente e humilde, com respeito por todos os adversários. Também de uma inabalável firmeza na acção e na palavra."

Fernando Guerra, in A Bola

1 comentário:

  1. Eu diria que o Jesus para a próxima época já tem lugar reservado no Porto...

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