"70 anos se cumprem sobre o aparecimento de uma linha avançada do Sporting que ganhou o nome de «Cinco Violinos». A sua história é profundamente ligada à história do Benfica, pois fizeram parte da mesma rivalidade infinita. Foi contra os encarnados que conquistaram o seu primeiro título.
O Benfica acaba de vencer o Sporting, na Luz, nada como recordar um Benfica-Sporting. Este, que aqui recordo, teve vitória dos leões. Já sabem que, para mim, as vitórias e as derrotas fazem da história dos clubes. E há derrotas mais importantes do que vitórias. Acreditem.
Vamos ler as palavras de Renato de Castro, jornalista de «A Bola», na edição de 14 de Novembro de 1946: «A história repete-se. Domingo que vem, Benfica e Sporting, mais uma vez, vão decidir um título que só aos dois pode caber. Os demais lugares estão arrumados. As coisas correram de tal forma, que os outros concorrentes já se fixaram nos restantes postos de classificação com uma jornada por disputar - sejam uma jornada por disputar - sejam quais forem os resultados dos desafios em que vão intervir. Só o Benfica e o Sporting é que não: toda a sua sorte (que será incidentalmente o azar do outro) estará nesse desafio. Não se poderá insistir muito que é a força da tradição a imperar, mas será tudo de assinalar que é a teimosia dos dois mais velhos a mostrar... que não se cansa.
Interesse pela partida? Como não?! As partidas entre os dois têm, aliás, sempre o maior interesse. Como poderia a de agora deixar de interessar?!
Como, porém, há sempre quem se lembre de qualquer coisa de especial nas partidas Benfica-Sporting, quanto mais não seja para dar mais pimenta ainda ao que tão polvilhado está com ela, lembra-nos que possamos colocar uma interrogação:
- Qual dos dois, Benfica ou Sporting, será o último campeão de Lisboa?
Na verdade parece que não está mal... A ideia da eliminação dos campeonatos regionais foi posta já há tempos e tem tomado tal corpo nos últimos meses, que pode muito bem pensar-se que estamos em vésperas do último campeonato máximo de Lisboa. Se assim é, a pergunta está bem.
Está bem e pimenta que se dá ao desafio é em dose maior...»
Último Campeonato de Lisboa. O quadragésimo-primeiro.
Dezassete vitórias do Sporting; dez do Benfica. Treze para os restantes.
Jogo no Campo Grande: casa do Benfica.
As duas equipas empatadas. Jogo da primeira volta também empatado.
Os novos regulamentos já não exigiam finalíssima em caso de novo empate. Tudo se decidia pela diferença entre golos marcados e sofridos. Aí a vantagem era do Benfica.
Benfica, então, com duas vantagens jogando em casa, bastava-lhe o empate.
Ou seja, teoricamente, era favorito.
O título, à beirinha do fim
Era este um jogo de título, portanto. Decisivo como todos os jogos de título.E emocionante como poucos.
Azevedo, esse enorme guarda-redes do Sporting, acabou por ser a grande figura do encontro. À beira do intervalo. Azevedo sofre uma luxação no cotovelo e é obrigação a deixar o terreno de jogo. Até ao intervalo, é Jesus Correia quem ocupa o lugar de guarda-redes. No início da segunda parte, é Veríssimo quem vai para a baliza. Travassos recuou para médio, e Jesus Correia ocupa o lugar de interior esquerdo. São doze longos minutos até que Azevedo regresse ao seu posto. Vem inferiorizado. Nitidamente. Mas cinco minutos mais tarde, opõe-se com valentia a um remate de Espírito Santo que lhe surgiu isolado na frente. Essa defesa ficaria para a lenda...
A pressão inicial dos leões foi forte, agressiva.
A defesa do Benfica desorienta-se.
Mas Peyroteo ainda não se sente seguro de si,da potência e colocação do seu remate. Mantém-se retraído: prefere entregar a bola aos companheiros a procurar o golo.
O nervosismo encarnado é crescente. A equipa procura fazer tudo muito depressa. Demasiado depressa.
O tempo vai correndo a favor do Benfica, no entanto.
Meia hora; quarenta minutos ainda zero a zero.
Um passe longo dirigido a Peyroteo encontra este na posição de fora-de-jogo. Apercebendo-se, o avançado do Sporting não se faz ao lance e deixa a bola correr na direcção de Jesus Correia, que vem de trás. Remate forte, de pé esquerdo, a bola ainda resvala nas mãos de Pinto Machado, toca no poste e, de novo, no corpo do guarda-redes do Benfica antes de entrar.
Minuto 41: Benfica, 0 - Sporting, 1. O recomeço do jogo é aflitivo para os leões.
Mas o Benfica não tem a tranquilidade suficiente para explorar a fraqueza do adversário, a sua inferioridade numérica e o seu guarda-redes de recurso.
Há uma febre de golo que tolhe os movimentos encarnados. O Sporting defende-se: com valentia; em bloco.
Os minutos escoam-se.
Azevedo regressa, apesar de inferiorizado. Com ele, o leão ganha uma alma nova.
Um remate rasteiro de Arsénio ganha, finalmente, o caminho da baliza.
Minuto 62: Benfica, 1 - Sporting, 1. A águia acredita. Procura tirar partido do lado esquerdo do guarda-redes do Sporting e do seu braço semi-incapacitado.
Ataca destemperadamente e isso ser-lhe-á fatal. Parece esquecer-se de que o empate lhe dá o título de Lisboa.
O tempo passa. O público está entusiasmado.
Faltam cinco minutos para o final: o Benfica é quase campeão.
Albano tem um remate surpreendente, a meia altura: a bola faz tabela no poste e bate Pinto Machado.
Minuto 85: Benfica, 1 - Sporting, 2. Jesus Correia foge rapidíssimo pela direita, centra rasteiro para Peyroteo, que vem em corrida e dispara fortíssmo para o golo.
Minuto 86: Benfica, 1 - Sporting, 3. A vitória já não foge ao leão. Os «Cinco Violinos» conquistam o seu primeiro título em conjunto: são campeões de Lisboa. Faz-se história. A do Benfica também..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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