"O segundo de dois «derbies» disputados nos Estados Unidos, em Foxboro, terminou com a vitória clara do Benfica sobre o Sporting (3-0). Depois, de forma inédita, ambas as equipas regressaram a Lisboa no mesmo avião.
«Benfica e Sporting viajaram no mesmo avisão!»: eis a manchete. Com honras de primeira página. Era assim mesmo em 1972. Julho de 1972. Acrescentava-se: «Deve ser quase inédito! Mas os dois esquadrões regressaram juntos esta manhã, em bloco, da aventura norte-americana que rendeu umas centenas de contos aos clubes e jogadores». E que viagem era essa que juntava dois clubes irmãos quase sempre desavindos? Era o regresso a Lisboa e Tejo e tudo. Um regresso dos Estados Unidos, de Foxborough.
Foxborough, arredores de Boston, no Estado de Massachusetts. Também lhe chamam Foxboro. Chegou a ser, em tempos que lá vão, a capital do fabrico de chapéus de palha. Muitos emigrantes portugueses vivem nas redondezas. Motivo mais do que óptimo para realizar dois jogos amigáveis entre Benfica e Sporting para lusitano ver. Sobre o primeiro desses confrontos, falaremos um dia, nesta sua página. Vamos ao segundo.
No Schaeffer Stadium, catorze mil espectadores deixaram na bilheteira mais de 1900 contos e viram o Benfica fazer uma exibição de gala e bater confortavelmente o seu grande rival na sequência de movimentos notáveis de categoria e empenho.
Os golos foram todos na segunda parte: três. Um de Eusébio, de «penalty»; um de Jordão, que tamém sofreu a falta que deu a grande penalidade, e o terceiro de Nené. Eram duas equipas imponentes. Veja-se:
BENFICA - José Henrique; Malta da Silva, Humberto, Messias e Adolfo; Rui Rodrigues, Toni e Vítor Martins; Nené, Artur Jorge e Eusébio. Jordão entrou no segundo tempo para o lugar de Artur Jorge.
SPORTING - Botelho; Pedro Gomes, Laranjeira, José Carlos e Hilário; Tomé, Gonçalves e Peres; Marinho, Yazalde e Nelson.
Já se sabia antes de a bola começar a rolar: havia um prémio de 12 contos para cada jogador da equipa vencedora. Nada de deitar fora...
Soltou-se o diabo negro...
Os golos só espirraram a partir do minuto 70, mas não foi essa a verdade dos acontecimentos. Durante a primeira parte, o Benfica fez o suficiente para garantir vantagem tranquila. Nené, Humberto e Vítor Martins tiveram oportunidades para abrir o marcador, mas perderam-nas por uma razão ou outra.
Não que o Sporting tenha feito papel de cordeiro que espera a imolação. Nada disso! Quem tinha Yazalde arriscava-se sempre a marcar um golo pelo menos, e o argentino andou lá perto. A diferença era esta: o Benfica jogava em ataque continuado, e o Sporting preferia o contra golpe.
Substituições ao intervalo. Nos leões, Danilo e Nando para os lugares de Tomé e Yazalde. Nas águias, aquela já assinalada lá atrás: Artur Jorge por Jordão.
Felino, negro como uma sombra assustadora, Rui Trindade Jordão tornou-se temível. Quem o segurava? Pulava por entre os defesas contrários como um diabo cuspindo fogo. A cada minuto que passava tornava-se mais perigoso, encontrava-se mais perto da baliza de Botelho. No minuto 70, no tal fatal minuto 70, briga na área do Sporting com Pedro Gomes e Laranjeira. Cai e é «penalty» assegura o árbitro norte-americano Jim Powell. Eusébio, sempre Eusébio, corre para o ponto solitário dos 11 metros. Como é seu hábito, não falha. O Benfica ganha vantagem e, pelo desenrolar dos acontecimentos, ganha também o jogo.
Não existe por parte dos homens de Alvalade fulgor suficiente para contrariarem a superioridade encarnada. A resistência física e moral está de rastos. Jordão prossegue, imávido, no seu recital. Ainda muito longe da baliza, recebia uma bola com um domínio perfeito Ajeita-me para o remate perfeito e irretocável. É golo!!! Com pontos de exclamação.
Outros poderiam ter sido marcados. Houve hipóteses para isso. Mas só aconteceu mais um, por Nené, a dois minutos do final de prélio: 3-0. Os bolsos dos benfiquistas ficavam mais cheios. Era tempo de correr para o autocarro e tomar o rumo do aeroporto na tal viagem conjunta com algo de inédito e com muito de saudável. Lisboa, ao longe, esperava pelos seus clubes preferidos. Ainda que sempre rivais, seja em que lugar do mundo for..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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