quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Como é que isto pode ser pior com vídeo-árbitro

"América.
Há coisas que só mesmo lá acontecem.
Na Florida, imagine-se, não é permitido lançar anões.
Os donos de estabelecimentos em que se pratique o lançamento do anão serão multados em mil dólares. A lei é de 1989 e, acredite-se, ou não, alguém tentou alterá-la em 2011. Sem sucesso.
Mas a América também nos deu a Lua. Deu-nos Hollywood. Histórias de cowboys.
E o vídeo-árbitro.
A América, em 2012.
Árbitros e National Football League (NFL) entram numa disputa laboral e a liga decide-se por um lockout. Os juízes profissionais estão proibidos de apitar. A NFL desata a contratar substitutos. 
Seatlle, Washington. Os Seahawks recebem os Green Bay Packers na jornada 3 da época regular. Perdem por cinco pontos a poucos segundos do final. Um touchdown vale seis pontos. E é isso que a equipa procura, com o relógio a esgotar-se. Michael Jordan sempre disse: «Nunca perdi um jogo, apenas fiquei sem tempo…»
Os Seahawks têm a bola e Russel Wilson faz um lançamento longo, em desespero, um Hail Mary, para a zona de pontuação…
É futebol americano, mas não desista já…

Algumas coisas complicadas, mas que se simplifica aqui e que deve saber:
A bola é de quem a apanha; passe completo se for o ataque, intercepção se for a defesa.
Se um defesa e um atacante apanharem a bola ao mesmo tempo, beneficia-se quem ataca, ou seja, o passe é completo e conta como ponto, se estiver na zona de pontuação.
Quando no ar, os jogadores têm de manter a bola até tocarem no chão.
Agora já consegue formar uma opinião sobre o lance. Mas numa daquelas coisas que só acontecem na América, veja bem o que fazem os dois (sim, dois!) árbitros que estão em cima do lance: um marca touchdown, o outro não.
Os americanos têm coisas estranhas, fazem leis esquisitas, usam o sistema imperial de medição, comem em porções de Gulliver, mas também assumiram que qualquer jogada de pontuação tem de ser revista. Um bom princípio, algo que eles também têm por lá.
Prevaleceu em campo que foi touchdown dos Seahwaks. O que iniciou a revisão na TV. Para se reverter a decisão tem sempre de «haver prova irrefutável de que o se decidiu em campo foi errado». 
Como já percebeu, os juízes, que eram substitutos, consideraram não haver evidência suficiente de que o defesa agarrou a bola primeiro do que o atacante ou de qualquer outra irregularidade.
E a vitória foi para os Seattle Seahawks.
Um momento, ainda. Outra coisa complicada que se simplifica. Pass interference. Com a bola no ar, não se pode interferir com o receptor. Não se pode agarrar, não se pode puxar. E o atacante não pode fazer o mesmo para ganhar espaço ao defensor.
Mais simples ainda: veja o que faz o 81 dos azuis ao 37 dos brancos.


É falta, claro. Mas ninguém deu conta. Nem no campo, nem no vídeo. Como ninguém percebeu o fora de jogo aqui.
Na América foi um ex-árbitro, com anos de experiência profissional, que entrou em directo e falou na infiltração.
Dois dias depois do caso, o lockout acabou. Os árbitros profissionais voltaram. Mas nem com vídeo, nem com os melhores juízes terminaram as polémicas.
O replay vai ajudar, certamente, em muita coisa o futebol nascido em Inglaterra. Pode até seguir alguns dos princípios da NFL (sempre que há golo a jogada é revista parece-me um bom). Porém, lá não acabou nem com os casos, nem com as discussões. E eles têm anos e anos de vídeo-árbitro.
Por cá, lê-se e ouve-se ex-árbitros a analisar jogadas, com recurso a vídeo. Raramente há consenso. Melhor dizendo, ninguém se entende! A discussão continuará. Só vai ser diferente.
Com vídeo-árbitro, os casos serão menores em número, deseja-se isso, mas o discurso insinuoso pode ser ainda pior. O juiz em campo tem a desculpa de não ter replay, o da cabine não. Nem a mãe deste, já agora...
«O árbitro viu no replay, toda a gente vê que é penálti/golo/fora de jogo/mão (escolha um) mas ele diz o contrário! Só pode estar comprado, porque ele viu!»
Sou defensor absoluto do vídeo-árbitro. Mas ele tem sempre este pós-hífen. O que significa que há a interpretação de alguém. Portanto, as decisões do vídeo-árbitro serão tão melhores quanto o for...imagine-se, o árbitro.
Julgar que as polémicas e as comunicações inflamadas vão acabar por cá é absurdo.
Tão absurdo como lançar anões."

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