quarta-feira, 13 de julho de 2016

Ronaldo: herói e mártir

"Quando Cristiano Ronaldo disse que queria vencer o Campeonato da Europa para dar uma prenda ao povo português terão sido poucos que lhe deram importância. Pelo contrário, foi criticado por estar a banhos em Ibiza quando os companheiros já trabalhavam no Jamor, sem se dar conta que acabara de triunfar na Liga dos Campeões com a camisola do Real Madrid. Ele e Pepe gozavam o descanso merecido e concedido pelo seleccionador. Confesso que também eu não me fixei nessa declaração que era o anúncio do momento encantador que estamos a viver. Classifiquei-a, na altura, como simples gesto de simpatia da parte de quem desfrutava a terceira Champions da carreira. Avaliei mal a situação, porém. Erro meu, por não ter levado em devida conta que Ronaldo é viciado em vitórias e em títulos e obstinado em conseguir sempre mais e melhor, revelando uma ambição sem limites na descoberta de patamares suficientemente elevados que lhe permitam tocar a perfeição.
Este foi o Europeu que Ronaldo quis oferecer a todos os portugueses e aquele em que muito se sacrificou para alcançar esse objectivo. Ultrapassada a barreira dos 30 anos, sentiu que, provavelmente, se lhe deparava a derradeira oportunidade de alcançar conquista de grande dimensão internacional pela Selecção. Se já era o melhor jogador do Mundo, a partir de agora deve ser visto também como o melhor capitão do Mundo, a extensão perfeita de um treinador junto do grupo de jogadores.

Ronaldo foi o guia, dentro e fora do campo. Foi o arquitecto da ponte de amizade que se estabeleceu entre a Selecção e a maravilhosa comunidade lusa em França. Foi o psicólogo que levantou o moral de companheiros em períodos críticos, como a história da grande penalidade apontada por Moutinho no jogo com a Polónia e o empurrão revitalizador ao esgotado Raphael Guerreiro, com a França. Foi amigo de todos nos treinos, com infinda disponibilidade para dar sorrisos, abraços e afectos. Na noite de domingo, ao lado do seleccionador, no banco de suplentes, foi sofredor e o braço direito de Fernando Santos na ajuda que lhe deu no envio de mensagens de confiança e de motivação para o interior do recinto de jogo.
Depois das lágrimas do capitão provocadas pela lesão e consequente saída de cena, depressa emergiu a tal força de acreditar que emprestou a esta equipa portuguesa uma solidez granítica na defesa dos seus interesses desportivos, além de contar com a comovente cumplicidade de milhares de portugueses e portuguesas, os quais viram o seu inestimável apoio recompensado quando Ronaldo ergueu o almejado troféu.

A nossa Selecção apresentou-se em Paris, não para estragar a festa dos franceses, mas sim para fazer a festa dos portugueses e para provar que apesar de ser um país pequeno em superfície é, confirmadamente, uma potência do futebol mundial. Estivessem os nossos governantes ao nível dos nossos futebolistas em talento, dedicação, garra e vontade de ganhar, de certeza que em Bruxelas olhariam para nós com mais respeito...
Ronaldo assumiu-se como líder e, além disso, foi o maior dos heróis. Pelo que jogou, apesar das pesadas consequências de temporada exigente, disputada ao mais alto nível e em cenários muitas vezes desfavoráveis, e pelo que representou na Selecção e no relacionamento com o povo. No entanto, pagou factura pesada pelo facto de ser a grande referência de Portugal.
Na conferência de imprensa da projecção do jogo, Didier Deschamps teve duas frases enigmáticas:
1. «Se existe plano anti-Ronaldo ninguém sabe a receita»;
2. «Neutralizar Ronaldo seria perfeito, mas reduzir a influência que tem na Selecção de Portugal já seria bom».
As palavras são dele e trago-as à colação sem qualquer intuito bacoco, mas não deixa de ser um raio de coincidência a entrada desabrida de Payet precisamente sobre o joelho mau de Ronaldo: o esquerdo. Não quero insinuar sequer que houve a intenção por parte do jogador francês de excluir o capitão português do palco do jogo em maca, de o transformar em mártir da arrogância gaulesa, mas acredito na intenção de entrada rijinha para provocar dor e inibição. Não significa que tenha sido assim, mas os treinadores que se dão ao trabalho de me lerem sabem que não estou a dar nenhuma novidade... Há quem recorra a esses estratagemas com a ideia de fragilizar o opositor.
Enfim, como prémio de consolação Payet aparece no primeiro lugar do barómetro da UEFA. Tenham paciência... O novo campeão da Europa é Portugal: Ronaldo quis, Santos acreditou e a obra nasceu."

Fernando Guerra, in A Bola

2 comentários:

  1. E continua o endeusamento de Ronaldo. Parece que foi ele que ganhou o europeu contra os onzes adversários. E esteve longe de sê-lo.

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  2. Neste Europeu não existem dúvidas que Portugal foi uma equipa. Julgo que seria muito mais justo olhar para as coisas nesse prisma.
    Quanto a Ronaldo e a todos os da federação, mais vale tarde do que nunca, mas deixo a pergunta: Porque não tivemos uma equipa nos outros anos?
    Desejo muito que Portugal e os portugueses aprendam com esta vitória. A humildade, o trabalho e a união é a resposta para se obterem grandes feitos mesmo quando todos os outros recusam em acreditar.
    É assim no futebol e é assim na vida.
    Eu nunca que escreveria uma crónica como esta depois da lição de grande valor humanista que esta vitória deu a todos os portugueses e ao mundo.

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