"1. Hoje, de Paris a Dili a língua que, com os seus diferentes cantares, nos aproxima vencerá a enorme distância que nunca nos afasta. E que sempre, mas sempre, nos aproxima. Em momentos tão inesperados quanto singulares. Hoje, seremos milhões de portugueses a partilhar vontade e crença. Sabendo que não há nunca vencedores antecipados! Todos acreditamos na nossa vitória. Que será bem difícil. Todos. De Lisboa ao Porto, da Meda à Ericeira, de Viseu ao Funchal, de Ponta Delgada a Sintra. Hoje, outros milhões de amantes da nossa Selecção e falantes da nossa língua estarão connosco. Na crença e também na vontade de conquista. De Luanda à Praia, de Maputo ao Príncipe, do Rio de Janeiro a Bissau, de Malaca a Macau, de Goa a Boston. Todos, todos mesmo, iremos partilhar, ao vivo, pela televisão, pelos novos meios e novas formas de comunicação ou pelas velhas mas renovadas ondas da rádio, o jogo da nossa Selecção.
Se na semana passada, com convicção, aqui escrevi «até Paris» hoje aqui digo que acredito que em Paris viveremos, hoje, uma alegria imensa. E bem intensa! A nossa Selecção, com mérito, conquistou o direito de estar na final deste Europeu. Com um golo fantástico de Cristiano frente a Gales. Um golo à Air Jordan. Tal a impulsão, a força e o gesto! E hoje numa final que será vista por mais de trezentos milhões de telespectadores toda a nossa Selecção mostrará a sua personalidade e a sua maturidade, a sua inteligência e a sua experiência, a sua irreverência e também a sua criatividade. E, se for o caso, e de novo, a sua originalidade! E qualquer que seja o resultado final do jogo de hoje esta Selecção merece o nosso profundo reconhecimento e o nosso sentido agradecimento. Merecem, todos - de Fernando Gomes a Fernando Santos, de Cristiano Ronaldo a Renato Sanches, de Rui Patrício a Nani, de Eduardo a Ricardo Quaresma, de José Carlos Noronha a António Gaspar, de Tiago Craveiro a Humberto Coelho, entre todos os outros, também importantes, que integram a comitiva da Selecção - ser recebidos, amanhã em Lisboa, com intenso calor humano e com um contagiante entusiasmo. Pelo que fizeram, pelo que nos proporcionaram e pelos momentos de identidade e de felicidade que suscitaram. E que levaram tantos e tantos a tentar perceber, por uma vez, a força agregadora do futebol. E o espírito de união que saltou, numa vertigem única, da equipa para as ruas e praças do Mundo mostrou e demonstrou a força singular do futebol. Mas se, como ambicionamos e legitimamente sonhamos, vencermos, no seu estádio de referência - o Estádio de França! - a selecção anfitriã, acreditem que um enorme e apertado abraço - e verdadeiras lágrimas - juntará todos aqueles que em Paris aplaudirão os vencedores e que em Dili, já na alvorada de segunda-feira, motivará milhares de timorenses a sair para as suas ruas livres com aquela emoção que este Europeu e o percurso da nossa Selecção desencadeou e multiplicou. E ajuda a explicar um feito que também eles, de forma singular, igualmente sentem como deles. E que na minha modesta opinião deveria levar a nossa Selecção, em tempos próximos, a Timor Leste! Mas também aquele cantar liderante da jovem portuguesa ou aquelas palavras, roucas de emoção, do jovem de origem portuguesa nas proximidades do centro de estágio da nossa Seleção, são momentos únicos e irrepetíveis deste Europeu. Como o senti e partilhei, de forma evidente, na cidade de Marselha no jogo contra a Polónia. Onde também éramos bem minoritários...
2. Por mim, estarei hoje ao final da tarde a cantar, com força e verdadeira emoção, o nosso Hino naquele emblemático estádio. No meio de milhares que comigo partilham o gosto pelo futebol e o sentimento de orgulho pela proeza desta selecção. E vibrarei, acreditem, com a cautela da nossa Selecção. Sentirei o seu cuidado e a sua serenidade perante a equipa e o ambiente franceses. Perceberei se não jogarem bonito. Digo mesmo: joguem, se for preciso, feio. Joguem mesmo! Aplaudirei, com fervor, os nossos golos e, se necessário outra defesa impossível de Rui Patrício em nova decisiva grande penalidade. Como o fiz abraçando o Bruno e o Nuno em Marselha! E no final, no final mesmo, perante os medíocres da palavra, escrita ou oral, proclamarei, com elegância, que o sonho, o sacrifício, a determinação e a fé - sim também a fé! - venceram a arrogância e a superioridade. Que é sempre bem transitória... Como a história, sempre fria, objectivamente regista!
3. O que igualmente todos sabemos é que cada membro da nossa Selecção, e cada um na sua específica e competente missão, tudo fez - e fizeram! - para dignificar Portugal. O que assumimos, e recordaremos, é que cada um soube conjugar sofrimento com humildade, talento com vontade, confiança com esperança, coração com determinação. E cada gesto de partilha, de generosidade e de agradecimento da nossa Selecção foi um gesto de conquista e de entusiasmo. E houve, reciprocamente, motivação e retribuição. De dentro para fora. E também de fora para dentro! Principalmente em Marcoussis, ponto de encontro de afirmação, de ambição e da saudade! Agora que chegámos à final permitam-nos, a nós que desde o arranque não duvidámos, que o sonho nos leve hoje de Lisboa a Paris. E que regresse concretizado, em euforia controlada, de Paris a Lisboa. De manhã, na ida, ali bem perto do céu, rezarei por Portugal. Com a minha íntima fé. Com a certeza que todos na Selecção acreditam que é possível conquistar este Europeu. E acreditando nesta Selecção, estamos certos que cada jogador, mais ou menos jovem, terá mesmo naquele Estádio de França, uma «alma para além de Almeida». E, no final, as nossas lágrimas de alegria serão, também e justamente as lágrimas de Ronaldo. E de toda a Selecção! E como nos ensinou, também num momento delicado da nossa vida nacional, o nosso Padre António Vieira «o maior mérito das ações heroicas é fazê-las»! É o que importa fazer. Eu acredito! Como todos aqueles milhões que num abraço interno se juntarão em fusos horários diferentes, de Paris a Dili. E com uma intensidade impressionante neste pátrio retângulo que é a nossa âncora, a nossa lareira e o sempre o nosso aconchego!"
Fernando Seara, in A Bola
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