segunda-feira, 20 de junho de 2016

Vontade e astúcia



1. Arrancou ontem à noite a última jornada da primeira fase deste Europeu de França. Três seleções já estavam classificadas - França, Itália e Espanha - e uma já estava eliminada, a Ucrânia. A que se juntou, ontem, a Roménia. Também a Suíça com o empate face à França adquiriu o estatuto das já apuradas para os oitavos de final. Depois dos resultados de ontem a luta reside em dezassete seleções. Que jogam a sua sorte até à próxima quarta-feira. O que significa que faltam saber quais as seis equipas que farão as malas e acredito que alguns terceiros classificados terão de esperar pela noite de quarta-feira para saberem, em definitivo, se ficam ou não mais uns dias em terras gaulesas. Como é ao caso da surpreendente Albânia! As combinações são múltiplas em todos os grupos deste Europeu. Europeu singular em razão da necessidade de repescagem de terceiros classificados para se atingir a soma necessária de dezasseis seleções para uns oitavos de final que continuarão a atrair monstruosas audiências televisivas e a gerar receitas relevantes aos principais patrocinadores desta atrativa competição europeia de futebol. Que ganha, aos pontos, à Copa América onde temos visto, e revisto, a imensa capacidade de Messi e de Nico Gaitán. Que já nos deixa imensas saudades pelo perfume do seu futebol... O que sabemos é que uma vitória portuguesa frente à Hungria nos deixa à porta do primeiro lugar no grupo. E uma não vitória complica-nos as contas e, logo, a vida em França! Quando julgávamos que face ao sorteio não precisávamos, como era habitual, de fazer contas eis que regressámos à nossa habitual sina. Deixamos tudo para o fim. E no final aparece Cristiano Ronaldo! Temos memória e acreditamos! Mas parece que gostamos que cada jogo seja uma final. E, assim, teremos já uns pré oitavos em Lyon face à Hungria e com a presença, simbólica e afetiva, do nosso Presidente da República. Pode ser que, com o seu sorridente estímulo e o seu contagiante otimismo, Cristiano Ronaldo regresse aos golos e a nossa seleção seja bem mais eficaz. Com a convicção que Fernando Santos quererá mesmo cumprir a promessa que fez à Família, ou seja, regressar a Portugal, em festa, apenas a 11 de julho! Mas sente-se pelo sorriso das palavras que tem mesmo vontade de regressar apenas daqui a quatro semanas...

2. Mas, acreditando firmemente na nossa seleção, importa assumir que me parece que, até ao momento, houve excesso de marketing. Desde o último jogo de preparação no Estádio da Luz e da goleada conquistada parece que se iniciou um tempo, bem, antecipado, de balões e marchas. Houve quase que um pré Santo António. Foi o hino adaptado e foi a candidatura assumida ao título europeu. Foram imensos balões de adrenalina e construção instantânea de novos heróis. Todos eram bestiais. Todos mesmo. Uns mais que outros... como sempre! E, em certos momentos, digamos que não houve humildade. Mesmo a humildade de aceitar certas críticas, certas vozes, certos gritos. Importa dizer que a Islândia chegou pela primeira vez a um Europeu - e é um Estado que tem menos gente que o Município de Sintra! - e que a Áustria, nos últimos tempos, só participou no Europeu de 2008 em razão de ter sido um dos países co-organizadores dessa competição. Daí que a sua presença em França ser, de verdade, quase que acidental. E foi face as estas duas seleções que empatámos, que apenas marcámos um golo e que não motivámos nem a crítica europeia do futebol nem, acima de tudo, os milhões de fiéis-adeptos da nossa seleção. Que nunca desistem e sempre acreditam. O que precisamos agora frente à Hungria para além de sorte é de astúcia. Para um largo São João. E, depois, para um sorridente São Pedro. Então espera-se já com os quartos de final na algibeira e com um sorriso imenso de Fernando Santos. É que a promessa à Família, bem querida, estará bem mais próxima! O que nos importa depois de amanhã em Lyon é que o guarda-redes da Hungria não jogue, como os seus colegas islandês e austríaco, tanto com as mãos e seja obrigado a ver a bola mais baixo, mais perto dos seus pés. Com as consequências naturais... O que queremos é que toda a equipa acredite que pode marcar e que não deixe, em exclusivo, essa responsabilidade a Cristiano Ronaldo, Nani e, em estado de necessidade, porventura a endosse ao Éder. O que proclamamos é que a Seleção seja forte coletivamente e menos ansiosa individualmente. E ter a ousadia, a ousadia mesmo, de dizer isso a Cristiano Ronaldo. E de lhe mostrar alguns artigos de opinião que ao longo desta semana foram escritos, com maior liberdade e com sentido da diferença, por nomes relevantes do futebol europeu e em diferentes e prestigiados órgãos de comunicação social. Ler a crítica e quem nos critica ajuda-nos. A crescer, a alterar procedimentos ou, até, a refletir acerca de nós próprios. Também desta forma alguns entenderão que receber ou não telefonemas é um instante de vida. E nada como já ter perdido, e bem, para perceber que os bem próximos de ontem são os desconhecidos de hoje... Em tudo. Em tudo mesmo. No futebol de bestial a besta é um momento. De jogo. Mais curto que um telefonema desejado ou uma mensagem ansiada... Mas tendo sempre presente Gramsci quando nos adverte que é importante ligar o pessimismo da lucidez com o otimismo da vontade!

3. No mais espero que no final desta de semana o Embaixador dos EUA em Portugal, Robert Sherman, nos volte a surpreender e a sensibilizar com um novo vídeo de apoio à nossa seleção, que o estado de calamidade financeira no Rio de Janeiro tenha sido decretado e que se eliminem mais sombras acerca dos Jogos Olímpicos e que o referendo no Reino Unido acerca da sua permanência, ou não, na União Europeia tenha tido uma participação bem relevante. É que, também nesta sede, acredito, vale mais o nós do que o eu. Mesmo que alguns que usam o nós em certos momentos privilegiem, e muito, e em outras circunstâncias, o eu. Mas como escreve Fernando Savater «para ser homem não basta nascer, é necessário também aprender». Sempre. Com vontade. E também, por vezes, com astúcia!

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