terça-feira, 7 de junho de 2016

Talvez o maior benfiquista em Hollywood

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- Por sugestão sua conversamos em Sintra. Escolheu o local por ser perto da sua casa ou por sentir aqui - onde de resto já muitos filmes foram rodados, até com reflexo hollywoodesco, como A Nona Porta de Romam Polanski, com Johnny Depp - alguma energia cinematográfica?
- Foi mesmo por ser perto de casa. Moro em Ranholas. Até podíamos ter conversado lá em casa mas esteve a chover e está tudo sujo no jardim. Sou amigo do dono deste restaurante onde estamos. Venho cá muitas vezes e acaba por ser também onde recebo amigos quando estou em Portugal. Sintra, lá está, como disse, tem uma magia qualquer. Uma solidão. Não tenho vizinhos, o que é fantástico. Em Santa Mónica, nos EUA, vivo num condomínio mesmo em frente à praia mas sempre cheio de gente.

- Em Portugal é famoso; nos EUA, apesar de muitos anos de carreira, pela dimensão do mercado a exposição é menor. Ao viajar entre os dois países passa de um Joaquim Almeida para outro?
- As pessoas aqui na terra que me conhecem não param para conversar. O português é tímido. O espanhol é pior, chamam-te para ires com eles. Aqui notam quando passo, ouço o meu nome, normal. Quando isso deixar de acontecer, ou um pedido de autógrafo, é porque não estamos a trabalhar e isso será bem pior. Ocasionalmente ouço actores de novela afectados com isso e lembro-lhes que devem aproveitar, porque passam a fronteira e ninguém os conhece. Na Califórnia as pessoas estão tão habituadas a ver actores e actrizes que nem ligam, não se espantam.

- Há muito que terá deixado de se sentir emigrante na América?
- Eu tenho nacionalidade americana. Sinto-me em casa lá também. Tenho dois passaportes. O americano, porém, só uso para entrar e sair dos EUA. Claro que se um dia me vir nalgum sarilho muito longe de casa uso o americano para pedir ajuda, porque desconfio que a embaixada americana me resolverá o problema mais depressa... Mas sinto-me muito português ainda, não me sinto americano.

- Cumpriu o sonho?
- Cumpri. E estou outra vez a trabalhar bastante. Tem a ver com a idade. Estou a chegar aos 60 e estão a dar-me papéis outra vez. E há menos concorrência, porque alguns actores, envelhecendo, deixam de representar. Mas sou um refilão, quando não tenho trabalho refilo porque não tenho trabalho e quando tenho refilo porque tenho.

- Pela sua versatilidade e fluência linguística trabalha em vários circuitos, uns de maior exposição, como o de Hoolywood - Our Brand Is Crisis - foi o último filme, com Sandra Bullock e Billy Bob Thornton -, e outros menos populares, na Europa. O que prefere?
- Gosto mais de fazer cinema, europeu ou americano, só isso. O futuro está na televisão, nas séries, há mais trabalho, mais actores a representar. Mesmo agora estou a filmar um filme em Londres.

- Que filme?
- De acção. Estou a fazer de francês. Chama-se The Hitman's Bodyguard. O assassino é o Samuel L. Jackson, o Ryan Reinolds é o guarda-costas. Há uma julgamento em Haia, uma testemunha num processo contra o presidente da Bielorússia, interpretado pelo Gary Oldman... Eu faço de agente da Interpol mas sou 'toupeira', infiltrado...

- Ao longo dos anos quantas dessas estrelas foram ficando amigos ou amigas?
- Na verdade não tenho muitos amigos actores. No meio são sobretudo realizadores, directores de fotografia, câmaras...

- Por princípio?
- Os actores falam muito da profissão. Chateiam-me.

- Nunca entrou num filme sobre desporto. Porquê?
- Nunca calhou. Mas nos do Joaquim Leitão há sempre cenas em que tenho de fazer de adepto do Sporting. Ele faz de propósito, porque sabe o benfiquista que eu sou...

- Custa-lhe assim tanto entrar nesse personagem?
- Um bocadinho mas tudo bem, é trabalho. E uma vez - agora me recordo - estive quase para entrar numa série nos EUA, do Robert Rodrigues, que envolvia futebol. Mas depois achei que não fazia muito sentido.

- Como era?
- Era sobre um polícia que se infiltrava no futebol - no soccer, portanto - para investigar a corrupção do dono da equipa. Mas era um polícia já com 25 anos que de repente começava a jogar... Achei irrealista, os jogadores começam desde miúdos. E quem o ensinava era uma jogadora de futebol feminino, que tinha mais experiência.

- A verdade é que nos EUA a equipa de futebol com títulos mundiais e medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos é a feminina...
- Sim, tudo bem, mas entrar numa equipa com 25 anos era impossível, não fazia sentido.

- Não há muitos filmes bons sobre futebol, se pensarmos bem...
- Tem razão. Olhe, sou amigo do Ron Shelton, que fez muitos filmes ligados a desporto, o 'White Man Can't Jump' e o 'Bull Durham', com Kevin Costner, filmes sobre basquetebol e basebol. E ele fez também filmes sobre pugilismo - nesse tema há muitos claro. Mas futebol, realmente, nem por isso.

- Vi há pouco tempo o Dammed United, sobre a passagem efémera do Brian Clough pelo Leeds, antes de rumar ao Nottingham Forest para ser bicampeão europeu. Muito interessante. A propósito de Nottingham Forest e os fenómenos desportivos, acompanhou com certeza a vitória do Leicester na liga inglesa.
- Claro que sim. Nos EUA, em LA, não consigo ver muitos jogos do campeonato português. E não me interessa, confesso. Lá vejo as ligas inglesas, espanhola, sobretudo. E o Benfica na Champions. De resto, sigo o Benfica pela Net. E vou ver os jogos quando estou em Portugal. Mas a liga inglesa, com competição, é a mais excitante de todas.

- A casa do Benfica mais próxima é em São José, ainda na Califórnia mas mais próxima de São Francisco. Não lhe fica em caminho...
- É longe. Mas, mesmo à distância, o benfiquismo, não esmorece.  Um homem não muda de Clube.

- Falávamos do Leicester como fenómeno europeu mas nos EUA, pela forma como o desporto se organiza - com franchises, drafts, tectos salariais -, a alternância de ciclos é quase regra...
- Está tudo organizado para o espectáculo. Quando se sabe quem ganha não é tão espectacular. No desporto dos EUA nada parece tão emocional do ponto de vista de quem organiza as provas. O que se quer é espectáculo. O que se torna pessoal e emotivo são as histórias, os símbolos, os jogadores. Agora vive-se muito a história do, o melhor de todos, como se chama...

- O Steph Curry?
- Não, não - como é possível esquecer o nome? -, o dos Cavs!

- O LeBron.
- O LeBron James, claro, que depois de Miami voltou para a terra dele e isso está a ser vivido com emoção por quem gosta dos Cavs. Mas na organização tudo é feito para não haver desigualdades. No enquadramento do futebol europeu o que o Leicester fez é heróico. E o clube vai ficar rico.

- Escrevia há duas o Wall Street Journal que em 2018 o Leicester, com o dinheiro da Champions e das transmissões televisivas, vai estar entre os 20 mais ricos do Mundo.
- A sério? Impressionante. Nos EUA o soccer também está a ganhar força.

- Soccer? Já corre o risco de começar a chamar soccer ao futebol?
- Lá tenho de chamar...

- Vive em Santa Mónica, na Califórnia. Acompanha alguma equipa da cidade? Ou de Los Angeles?
- Já fui ver os Lakers. Mas este ano estiveram mal. E LA vai voltar a ter um franchise de futebol americano, o que é entusiasmante. Passarei, pela lógica, a torcer um pouco por essa equipa também. E de vez  em quando acompanho as finais dos Kings no hóquei no gelo. No basebol gosto dos Angels e dos Dogders - estes já foram de Broollin, o que é estranho. Mas no basebol, na verdade, continuo fã dos Giants e dos Jets, de Nova Iorque. Quando fui para os EUA vivi 27 anos na cidade e não esqueço isso.

- No futebol o LA Galaxy não lhe diz nada?
- Não. Mas o clube é gigantesco. E não só esse. Os estádios andam sempre cheios. Cada vez mais. É incrível o crescimento e o investimento.

- Santa Mónica tem uma lendária comunidade surfista e é também um berço do skateboarding. Nunca se deixou influenciar por actividades radicais?
- Nem por isso, confesso. Gosto de sol, da praia, do clima. Só isso.

- Quando o Abel Xavier jogou em LA chegou a cruzar-se com ele?
- Claro. Quando ele chegou e combinámos o primeiro almoço eu disse-lhe que vivia em Santa Mónica e ele quis ir ter comigo. Primeiro enganou-se no caminho; tive de ficar à espera de o ver na estrada, mas estava com receio de não dar por ele no meio do trânsito... Que ingenuidade minha... Era impossível não ver chegar o Abel Xavier com aquele cabelo amarelo num Bentley branco de estofos vermelhos. Jantámos uma vez vezes num restaurante italiano em Santa Mónica. É uma pessoa, interessantíssima, muito inteligente. O penteado é estranho, porém. Muito LA, por sinal.

- Tendo nacionalidade norte-americana, imagino que possa votar nos EUA?
- Sim. Estou inscrito no partido democrata. Acho que a Hillary acabará por ascender e ganhar. E as pessoas hoje estão mais conscientes do óptimo trabalho que o Obama fez. Foi um dos melhores.

- Sobretudo ao nível da imagem internacional. Mas persistem problemas internos.
- Mas desculpe: há hoje menos desemprego do que quando ele chegou, o Dow Jones valorizou, a economia está a funcionar outra vez. Disse que tirava militares de cenários de guerra e tirou. Na Síria está a tentar resolver o problema mas não entrou em mais guerras, saiu de guerras! Acontece sempre o contrário com republicanos no poder. O Trump tem piada na televisão mas como presidente deixaria de a ter.

- Choca-o o discurso anti-islâmico, anti-hispânico, anti...
- Antitudo! Claro que fico. Reconheço que ele, por não ser político, fala de maneira que chega a uma classe menos educada. Veremos o que acontece no Midwest quando chegar o tempo das eleições nacionais.

- Esses estados costumam ser decisivos pelas oscilações.
- Sim. Eu nunca esperaria ver Trump chegar tão longe. Acho que, no fim, ele não ganhará, porque alguns republicanos mais conservadores votarão Hillary. E espero até que esta influência de Trump divida os republicanos de maneira a que o Congresso e o Senado tenham maioria democrática.

- Que Obama não teve.
- Ele não fez mais porque não deixaram! Mas deu seguros de saúde a 30 milhões de americanos, agilizou processos de criação de empregos e empresas com incentivos. Ao contrário do que acontece em Portugal -  e sei bem, porque tive negócios e alguns ainda estão em tribunal. Aqui em Portugal, se alguém abre um negócio é para lhe caírem em cima! E se por acaso o negócio correr bem pior ainda! É melhor se o negócio lhe correr mal... Lá o envolvimento é diferente, sobretudo na política. Ainda por cima nós portugueses falamos muito dos outros estereotipamos tudo, como essa ideia dos americanos serem burros em geografia por não saberem onde é Portugal no mapa. Queria ver o português médio localizar os estados dos EUA no mapa... E a maior parte são maiores que Portugal."

Entrevista de Miguel Cardoso Pereira, a Joaquim de Almeida, in A Bola

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