"Doado ao clube espólio do antigo atleta benfiquista e co-fundador do jornal Record.
Disse o escritor alemão Gotthold Lessing: 'É a intenção, e não a doação, que faz o doador'. A mais recente incorporação no nosso acervo é o espólio de um grande 'sprinter' benfiquista dos aos 1930 e 1940: Fernando Ferreira. Carlos, o filho, tinha na sua posse várias dezenas de medalhas e fotografias do pai, entre outros itens de interesse. À boleia do antigo director do jornal O Benfica João Sequeira Andrade - alguém a quem muito deve a historiografia do nosso atletismo - plantámo-nos em casa de Carlos, a fim de o conhecermos e ao espólio a doar.
Sentámo-nos com ele em redor de uma mesa, sobre a qual nos esperava, as relíquias do herói. Uma a uma, foram desfilando sob o nosso olhar e arrancando sem cessar as exclamações de Andrade, perfeitamente identificado com o tempo, as lugares, as pessoas e os factos a que respeitavam.
Debruçado em torno das fotografias, o decano jornalista foi nomeado cada um dos rostos. Carlos escutava-o atentamente e identifica alguns que a memória de Andrade não ia buscar. Menos sabido na matéria, assisti atento à troca de bolas. Aos nomes maiores que já conhecia, como os de Martins Vieira, Espírito Santo, José Araújo, Tomás Paquete ou Matos Fernandes, juntava agora outros tantos: Glória Alves, Pinheiro da Silva, José Esteves, Eduardo Lemos, João Pimenta...
Sobre o herói Fernando Ferreira, era redondo o retrato: velocista de eleição, professor de atletismo, preparador físico da equipa de futebol do Benfica e da Selecção, jornalista, co-fundador do jornal Record o seu primeiro director, entre outros cargos e actividades relevantes.
A 11 de Agosto de 1943, fazia a capa da revista Stadium. Da autoria de Nunes de Almeida e de beleza plástica admirável, a fotografia dada à estampa traduzida na perfeição o perfil de Fernando: força, técnica, elegância.
Várias décadas mais tarde, com esta imagem diante dos olhos, o filho Carlos fazia suas as palavras de Lessing: 'Quero doar ao Benfica estas memórias do meu pai porque é lá que são úteis. Penso que ele assim o desejaria igualmente'.
O corredor de barreiras
Pés a preceito
Nascido a 21 de Agosto de 1918, Francisco Ferreira abraçou cedo o atletismo. Já adolescente, meteu-se num táxi com um colega de liceu em direcção ao Estádio das Amoreiras, para tentar a sua sorte de 'encarnado'. Iniciava assim uma carreira que o levaria à conquista de vários títulos regionais e nacionais, em juniores e seniores.
Afirmou-se como corredor de barreiras já depois de ter saído vitorioso em provas de corrida de velocidade, salto em comprimento, estafetas e lançamento do peso, em campeonatos escolares. Liceal ainda, estabeleceu nos 83 metros barreiras o seu primeiro recorde.
Como sénior, estrear-se-ia nos Jogos Desportivos Nacionais, realizados no Estoril e organizados pelo jornal Os Sports, que lhe pintou o jeito: 'Pés que atacam bem o terreno'. Antevia-se já que as suas longas pernas o transformariam em corredor de barreiras. Assim foi. Nos 110 metros da especialidade, sucederia condignamente aos históricos Glória Alves e Martins Vieira, na antecâmara de Luís Alcide, Matos Fernandes, Cumura Imboá e José Carvalho.
Fernando e o Futebol
O preparador físico Fernando Ferreira na companhia do treinador Inglês Ted Smith, que deu ao clube o Campeonato Nacional e a Taça Latina de 1949/59, e as Taças de Portugal 1948/49 e 1950/51.
Mister 'Fair-Play'
Entre o espólio de Fernando Ferreira, encontram-se algumas notícias manuscritas e dactilografadas que documentam a sua actividade jornalística. Uma delas, do nosso jornal, bem reveladora de um traço de carácter que o acompanharia a vida inteira: o desportivismo.
Ao passar pela secretaria após uma derrota com o Belenenses por 2-5, havia, segundo Fernando lamentasse ter faltado em vão a um casamento ou perdido uma tarde de sol na Caparica para assistir à 'tragédia'. E Fernando conclui, numa postura que sempre lhe foi própria: 'O Benfica não pode ganhar sempre (...) Temos de aceitar a derrota'.
Ao homem que haveria de passar a vida a ensinar atletismo, norteava-o o espírito desportivo. Entre outras distinções, receberia o troféu Fair-Play do Comité Olímpico Português, o diploma da European Fair Play e a Medalha de Honra ao Mérito Desportivo.
Após uma vida dedicada à causa do desporto, Fernando Ferreira faleceria em Junho de 2007, com 88 anos."
Luís Lapão, in Mística
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