quinta-feira, 10 de março de 2016

Feche a loja, André

"São Petersburgo é terra de gente sofredora. E sonhadora. Como convém ao Benfica. Nesta cidade de beleza perturbante as avenidas são apropriadamente chamadas perspectivas. Não me lembro se há alguma com vista para os quartos-de-final, mas se houver o Benfica certamente encontra-a.
Em São Petersburgo, que já se chamou Petrogrado e Leninegrado, ocorreram alguns dos capítulos mais dramáticos da história da Rússia, como a Revolução Bolchevique de 1917 e o cerco das bestas nazis (durou 900 dias) que matou um milhão de habitantes entre 1941 e 1944. O estádio Petrovsky, que foi completamente destruído na II Guerra Mundial, fica à beira do rio Neva e é ali que os homens de Rui Vitória vão tentar resistir ao assalto dos comandos de André Villas Boas, cujo perfil aristocrático combina lindamente com os pergaminhos da cidade fundada por Pedro, o Grande. O Zenit tem nada a ver com as equipas russas de antanho. O seu núcleo duro é constituído não por atletas militarizados com cara de heróis soviéticos mas por mercenários estrangeiros pagos a peso de ouro pela Gazovaya Promyshlennost (Gazprom), a gigante do gás natural e do petróleo que sustenta os tiros de Hulk, os cortes de Garay e as aulas de mestre André. O Zenit é um clube rico, ocidentalizado, um produto da Rússia capitalista que faria o implacável Lenine dar quatro ou cinco voltas no mausoléu. A equipa de futebol custa milhões mas está muito longe de possuir a compacidade e o insuperável espírito colectivo do velho futebol soviético. Como se percebeu na Luz, André Villas Boas não tem propriamente uma equipa coesa, mas uma multinacional de individualidades de rendimento instável e oscilante. Podem pintar a manta... ou não. Depende para onde estejam virados. Além do contrato certamente vantajoso com a Gazovaya Promyshlennost, só consigo ver um ponto comum entre Hulk, Danny, Neto, Witsel, Garay, Mauricio, Lombaerts, Javi Garcia, Dzuyba, Shatov, etc: a obediência ao czar André e a vontade de justificar na Champions os ordenados pagos pelos senhores da Gazovaya - uma vez que o comportamento do Zenit na Premier (5.º) lembra vagamente os desastres de Sofia contados pela condessa de Ségur - nascida Sofiya Feodorovna Rostopchina em São Petersburgo, a 1 Janeiro de 1799. A fortaleza de Pedro e Paulo, uma das atracções turísticas da cidade, foi construída para durar mil anos. A fortaleza deste Benfica versão Vitória ficou à vista no derby de Alvalade: coesão, determinação e compromisso - além de uma eficácia concretizadora fora do comum, tipo um remate: um golo. Foi assim, fiéis à cartilha de um pragmatismo neo-realista que faria as delícias de Lenine e Trotsky, que os operários encarnados resistiram à onda verde e saíram de Alvalade de punho erguido, olhos postos nos amanhãs que cantam. Sabendo-se que o Benfica por norma marca golos (foi assim em todos os sete jogos da Champions)e que o Zenit, nomeadamente Hulk, está longe do apuro ideal, resulta óbvio que a chave da eliminatória está no golo que o Benfica tem de marcar para obrigar o Zenit a fazer três (e a arriscar, abrir espaços, desposicionar-se...). Bem sei que as baixas na defesa são um quebra-cabeças (é que são mesmo muitas...), mas a verdade é que Rui Vitória, sempre resistindo à pieguice e à desculpa fácil, tem sabido transformar esses contratempos em oportunidades para ganhar novos elementos para a equipa. Tem imenso mérito nesse aspecto. Em suma, creio que um Benfica em modo bolchevique (coeso, rude, agressivo, incondicionalmente comprometido com a causa) pode partir os dentes à reacção e obrigar mestre André a fechar a loja. Não, não é nenhuma provocação. Sinceramente acho possível. Que lhe parece Mitroglou?

Tape os ouvidos, Paulo
Vítor Pereira pediu aos adeptos do Fenerbahçe que encham amanhã o estádio Sukru Saraçoglu (Ulker, na gíria) e ajudem a criar um ambiente infernal na recepção ao SC Braga, que aterrou em Istambul com o escalpe do FC Porto na bagagem. Paulo Fonseca só tem de fazer orelhas moucas e industriar os seus guerreiros para não se deixarem intimidar pela atmosfera do Ulker: nem pela visão de Diego, nem pela ratice de Van Persie, bem pelo faro de Fernandão. É um duelo giro: dois treinadores mal amados do portismo, ambos em alta, ambos com queda para o jogo bonito e organizado. É certo que o Fenerbahçe abriga vários portugueses mas o nosso coração só pode estar com este sensacional Braga, invicto há l5 jogos (sequência recorde na era Salvador) e ainda a lutar em quatro frentes. Tapem os ouvidos guerreiros. Olhos bem abertos, claro.

Feche a boca, Jorge
Indisfarçavelmente irritado por não ter conseguido vibrar ao Benfica o golpe de autoridade anunciado, Jorge Jesus foi indelicado com o adversário e o seu treinador («jogaram como uma equipa pequena») e mereceu a resposta sibilina de Vitória («deve estar a falar do Benfica da época passada»). Nesse momento, milhões de sportinguistas devem ter lembrado a exibição pífia e o empate imerecido (1-1) arrancado in extremis pelo Benfica em Alvalade na época passada. Sim, o Benfica de Jesus que, por acaso, até fez desse derby o trampolim para bicampeonato que viria a assegurar com, ups..., outra exibição de «equipa pequena» perante o FCP de Lopetegui (0-0 na Luz). Enfim. O que Jesus confessou inadvertidamente é que não consegue ganhar a «equipas pequenas» e olhem que isso não o abona muito. Mais a sério. Parece claro que o Sporting anda a patinar por culpa própria, já que criou e desperdiçou oportunidades para ganhar tranquilamente os dois últimos jogos... em que perdeu cinco pontos. Sendo o mal caseiro, a última coisa que os sportinguistas querem ouvir agora é jactâncias e fanfarronices. Há alturas em que o silêncio é de ouro. Que é como quem diz: menos conversa e mais resultados. Porque ainda não acabou."

André Pipa, in A Bola

1 comentário:

  1. Desta vez o André esteve muito bem neste artigo. De se lhe tirar o chapéu.

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