quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
O elogio no meio da mediocridade
"A emoção é a especiaria do desporto. Os golos são o sal do futebol. O jogar para ganhar é a essência do espectáculo. É preferível um 3-2, 4-3 ou 5-4 do que o magro e costumeiro 1-0. Por isso, o futebol inglês é o melhor. Lá não se joga, em tons cinzentos, para empatar o jogo e o tempo.
Por cá, esta norma da Liga inglesa é a excepção. Quase sempre o que vemos é o jogo e o antijogo, numa união exasperante e entediante. Depois, alguns clubes queixam-se da escassez dos direitos televisivos de transmissões que quase ninguém vê, a não ser o reduto dos apaniguados.
Nas últimas semanas, houve dois jogos que contrariaram esta regra. Um deles foi a atitude do Vitória de Setúbal diante do Benfica. Perdeu, mas marcou dois golos e contribuiu para a valorização do espectáculo jogando com a ideia sempre na baliza contrária. O outro foi o esplendor do jogo jogado: o Sporting de Braga-Sporting. Como há dois anos e pelo mesmo resultado, havia sido o Benfica-Sporting para a Taça. Emotivos, com cambiantes no resultado, sem tempo perdido, com entrega sem limites. São estes jogos que ainda fazem pessoas acreditar que vale a pena ir a um estádio.
Mas, também há dias, houve uma partida numa modalidade às vezes votada ao degredo desportivo que merece ser enfatizada. Refiro-me ao Benfica-Porto em hóquei em patins, tão bem jogado pelas duas equipas como apaixonante no desenrolar do marcador. Um hino a esta modalidade, e neste caso até no fair play de todos.
P.S. Manuel Oliveira (AF Porto) teve uma arbitragem miserável na Luz no passado domingo. Tão miserável que até dá que pensar..."
Bagão Félix, in A Bola
Vespas na derrota
"Se fosse presidente de um clube de futebol ambicioso e um dirigente meu, na liderança de uma delegação, decidisse espairecer numa discoteca da moda, o que faria? Enquanto os jogadores - jovens de vinte e poucos anos - descansam, o líder posa para fotografias, qual estrela de cinema. As estrelas não são os atletas? Que, aliás, o regulamento interno impede de sair à noite nos dias que antecedem a competição? O representante da autoridade que impõe as regras é o primeiro a incumprir?
Se fosse patrão desse dirigente não sei o que faria. Mas, no mínimo, se se tratasse de um profissional, promovia-lhe um processo disciplinar onde teria de justificar esse desvio grave ao comportamento aceitável no exercício das suas funções. O exemplo deve sempre vir de cima. Se alguém chefia uma delegação, deve constituir-se no defensor das regras que a regulam.
Tudo isto vem a propósito das fotos que circulam sobre a presença de Bruno de Carvalho na discoteca mais 'in' da Madeira. Aí se vê, nas Vespas, o dirigente do Sporting a posar para a esquerda e para a direita. Se Bruno de Carvalho fosse uma estrela da equipa que lidera, não poria um ar mais embevecido, nos múltiplos registos para a posteridade da sua presença.
No plano pessoal e familiar, o dirigente não fez nada de grave. Mas, no plano profissional, teve um comportamento leviano. Na liderança de uma delegação oficial, não cumpriu as regras de que deve ser guardião. Se fosse patrão dele, só não o despedia caso apresentasse excelentes resultados nos próximos desafios."
Honrem as camisolas?
"É preciso recuar bastantes anos para nos recordarmos de um ambiente tão tenso num jogo do Benfica no Estádio da Luz, como o deste fim de semana com o Rio Ave. Coro de assobios, faixas a exigirem mais da equipa e claques a pedirem aos jogadores para honrarem as camisolas. No fim, com um resultado positivo e com mais uma partida decidida num ímpeto atacante final, o ambiente lá se recompôs. Não quer dizer que os problemas de fundo estejam resolvidos.
Desde logo, o apelo para que os jogadores honrassem a camisola. Trata-se de um equívoco: o problema do Benfica não tem sido de profissionalismo - no domingo, não vislumbrei nem apatia, nem falta de empenho. O que se viu, uma vez mais, foi uma equipa que joga aos repelões e que depende da qualidade individual para resolver o que o conjunto não é capaz de solucionar. Umas vezes é Gaitán, outras é Jonas que vão ultrapassando os bloqueios colectivos. Sem uma ideia de jogo, sem organização, torna-se bem mais difícil, para recuperar uma metáfora do passado, ao 'Manel' brilhar, integrar-se no conjunto e disfarçar as debilidades individuais. A consequência é clara: a jogar assim, os melhores pioram e os menos bons nunca melhorarão.
Ora, com muitos 'Manéis', um par de jovens muito talentosos, dois ou três craques e uma equipa num limbo tático (ainda não abandonou o sistema de Jesus e não abraçou o de Vitória), o Benfica está condenado a sofrer em campo. Até ver, estamos em Dezembro e os resultados têm sido bem melhores do que as exibições. O menor dos problemas é o empenho dos jogadores."
O abraço de Jonas ao povo
"O Campeonato da Liga despediu-se de 2015 e cumpriu-se a tradição, ao impedir o Sporting de passar o Natal na condição de líder, privilégio que o FC Porto recebeu quase como dádiva divina por não esperar, certamente, tamanha generosidade por parte do leão, o qual se deixou enganar pelo mesmo União que a meio da semana surpreendera o Benfica, embora com uma diferença: Vitória ainda saiu de lá com um ponto, Jesus nem isso...
A última jornada do ano baralhou as contas que euforias descontroladas costumam suscitar e que, na circunstância, até prenunciavam um Sporting campeão. Não quer dizer que assim não seja, mas de hoje até 15 de maio de 2016, data da derradeira ronda da Liga, mais surpresas irão deparar-se-nos. Implicou, ainda, mudança de cenário em vésperas do clássico marcado para 2 de Janeiro, em Alvalade. De repente, é Lopetegui quem, pela primeira vez desde que assumiu o comando técnico do dragão, surge isolado na frente da corrida e as previsões que apontavam em determinado sentido obrigam agora a exercícios inversos, na medida em que o avanço leonino de dois pontos a que poderia juntar-se mais três em caso de sucesso, o que, somado, daria expressiva margem de conforto a Jesus para atacar a segunda volta, já faz parte do passado. O presente oferece um FC Porto na liderança, com mais um ponto, o que, na mesma linha de raciocínio, somado a três, em caso de triunfo na casa do leão, dará quatro e o respaldo que se previa para Jesus transfere-se para Lopetegui, treinador bem mais tranquilo, pois, na pior das hipóteses, se for derrotado, voltará à desvantagem de dois pontos, a mesma que se verificava à entrada para a jornada 14. Além de dever reter-se no pensamento o calendário particularmente difícil do Sporting nas últimas jornadas: joga no Dragão na antepenúltima e em Braga na última.
Portanto, mais interesse, mais emoção, mais espectáculo, mais futebol de qualidade e três candidatos ao título.
O Benfica resiste, apesar de limitações no plantel, de problemas com lesões e de arbitragens infelizes. Mantém-se na luta e se a máquina de propaganda do Sporting, sob controlo remoto da teia de influências do Porto, não foi capaz de abatê-lo, é pouco provável que o consiga daqui em diante, por se adivinhar uma resposta cada vez mais forte da águia quando o plantel receber as peças que lhe têm faltado, como Salvio, Nélson Semedo e o capitão Luisão, e beneficiar de reajustamentos que se impõem na reabertura do mercado, sinal de que Rui Vitória, não possuindo a genialidade com que os deuses prendaram Jesus, também não é o aselha que pintam. Está a construir carreira sólida e o trabalho feito assenta na reserva, na competência e na seriedade, não tendo sido ocasional, por isso, a intervenção de Luís Filipe Vieira, anteontem: «Podem dizer mal do treinador, mas uma coisa é certa: o Rui Vitória é treinador do Benfica e vai continuar a ser».
A difícil vitória sobre o Rio Ave revelou que os jogadores estão empenhados, há vontade e disponibilidade, também espírito de sacrifício e inabalável união entre os artistas e entre eles e o povo, traduzido naquele abraço provocado por Jonas e que envolveu uma dezena de adeptos em representação dos mais de 40 mil que compareceram no Estádio da Luz para ajudarem na construção de um resultado que simbolizou muito mais do que três pontos: o testemunho de que a família benfiquista se mantém firme, capaz de resistir a resultados agrestes e de compreender, talvez a principal diferença em relação às de outros emblemas, a importância da mudança que está a ser operada na política do futebol, aceitando custos que têm de ser suportados em nome do futuro e da estabilidade da instituição.
Uma cultura muito própria que conduz ao reforço dos laços solidários nos períodos de maior perturbação, como se percebeu este domingo. As coisas não estão a correr de feição, todos percebem isso, a começar pelos jogadores, e quando Jonas desatou o nó no marcador foi iniludível o gigantesco suspiro de alívio que se estendeu do relvado às bancadas, reflexo da cumplicidade que empurrou o avançado brasileiro para os braços dos que jogavam por fora..."
Fernando Guerra, in A Bola
Lição do insucesso
"O despedimento de Mourinho na sequência dos maus resultados do Chelsea nesta época, desmonta a ideia de treinador irremediavelmente vitorioso, que se foi construindo ao longo da brilhante carreira do técnico que já foi oficialmente considerado o melhor do Mundo. A situação actual não lhe retira a enorme competência demonstrada pelos sucessos nos mais diversos contextos. Comprova, todavia, que os resultados no desporto resultam da interacção de inúmeros factores, alguns detectáveis e outros não, e não de qualidades absolutas dos seus intérpretes que, por qualidades perenemente superiores aos outros, estariam destinados a sempre ganhar. Esta é uma lição para todos os agentes desportivos que, com inteligência, saibam observar e interpretar o fenómeno social em que trabalham.
Não há treinadores ganhadores. Há somente os que têm maior probabilidade de responderem eficazmente às exigências da competição, em contextos e culturas variadas, pelo conhecimento do desporto em que actuam, suportados por adequada preparação científica e cultural. E, sobretudo, pela aprofundada compreensão dos seres humanos que são os seus atletas. Assim poderão obter superiores percentagens de sucessos. Como Mourinho.
Os processos de treino devem fundamentar-se na biomecânica, fisiologia, anatomia e outras áreas da biologia. Mas o desporto de rendimento não é uma ciência exacta e o Homem não é redutível a modelos matemáticos. Está nas ciências humanas uma importante chave para a eficácia dos treinadores. É que, não, obstante tudo possa estar rigorosamente planeado, serão os processos psicológicos e psicossociais a influenciar a reacção nos momentos determinantes. A capacidade empática, a compreensão do atleta e da dinâmica grupal são elementos fundamentais para a eficácia do treinador moderno, cidadão do mundo. Implica centrar-se no outro. Tal é incompatível com a fixação egocêntrica."
Sidónio Serpa, in A Bola
Legião estrangeira
"Quando o mercado das transferências dos jogadores estrangeiros começou a ter uma grande influência no rendimento das equipas, apareceu em Portugal o argentino Panchito Velázquez (entre 2000 e 2003) que deliciava a assistência no antigo pavilhão do Benfica. Era 'obrigatório' ir à Luz para se ver algo de diferente. Em pouco tempo, Panchito conquistou os adeptos encarnados e do hóquei em patins em geral.
Panchito tinha qualidades ímpares e rapidamente enchia os olhares do público. Era, realmente, algo surpreendente e imprevisível. Pura magia. O campeonato português já não tem um diamante como o talentoso argentino, mas apresenta um conjunto de jogadores estrangeiros de grande nível técnico ao ponto de se afiançar que o campeonato português é o melhor do Mundo. São várias as razões que dão primazia ao nosso campeonato: enorme competitividade que provoca incertezas, bom trabalho dos clubes, forte tradição nas colectividades, excelente adesão do público e um nível técnico acima da média em função da contratação de estrangeiros. E se referirmos apenas 10 jogadores de outras nacionalidades teríamos uma superequipa. Vejamos então:. Guillem Trabal, Edo Bosch, Reinaldo Garcia, Albert Casanovas, Tuco, Cacau, Carlos López, Carlos Nicolía, Jordi Adroher e Marc Torra.
Esta simbiose de circunstâncias tem levado a que jogadores espanhóis e argentinos tenham preferido Portugal a outras paragens. A boa campanha europeia dos nossos clubes não tem passado despercebida e existe para os estrangeiros uma indisfarçável vontade de jogar no campeonato português, sem dúvida o melhor do Mundo."
PS: O cronista esqueceu-se da razão mais importante, para tantos jogadores jogadores estrangeiros de Hóquei - de grande qualidade -, estarem actualmente em Portugal: a crise financeira em Espanha e em Itália, tem levado a um investimento menor nos últimos anos (muito desse dinheiro que existia, principalmente em Espanha, tinha origem directa ou indirecta no sector público), o que torna os Clubes portugueses, actualmente, competitivos em termos de ordenados...