terça-feira, 21 de julho de 2015

Alianças fingidas

"Jorge Pinto da Costa (o Nuno terá sido omitido por complexo histórico...) fez uma breve viagem ao passado para destacar alguns dos pontos mais relevantes dos seus longos anos na presidência do clube do dragão em entrevista ao diário espanhol El País, que teve como tema principal a recente contratação de Casillas, a estrela mais humilde que já conheceu. Destacou Artur Jorge e a vitória na Taça dos Campeões Europeus de 1987, falou de Mourinho, recusou a ideia de vender caro, socorreu-se de Pepe, Deco, Ricardo Carvalho e James Rodríguez e teve uma tirada bem ao seu gosto: «caros são os que se compram barato e não jogam».
Deslizava interessante a conversa até surgir a pergunta de que precisava para a resposta decorada. Que explicação para o facto de o Porto não ter conquistado nem um título sequer. Fraco desempenho de Lopetegui? Nada disso. Os culpados são os árbitros que beneficiaram o Benfica em sete pontos. É um estudo da Liga que o demonstra, sublinhou, para que toda a Espanha fique a saber o que por cá se passa. De aí que tenha retirado o apoio à recandidatura de Luís Duque e transferido para uma figura concorrente que está a ser cozinhada em lume brando, para evitar que se queime. Medida oportunista, sem projecto estruturado e sentido de futuro a sustentá-la. No essencial, trata-se de mais uma tentativa de regresso ao passado...
Não faz um mês ainda que escrevi neste espaço sobre o cerco que se preparava ao Benfica, através de alianças fingidas, com o objectivo de combater o adversário mais forte. Primeiro fez-se da despromoção de Marco Ferreira uma tragédia nacional para abalar a honorabilidade do presidente do Conselho de Arbitragem. Ora, se a intenção era atacar Vítor Pereira poderia ter-se começado pelo princípio e solicitar-lhe esclarecimentos sobre a indicação do referido árbitro para internacional em vez de promover este aranzel de nulo significado. Depois, surgiu Pinto da Costa a privilegiar a arbitragem como questão central, no tom e na forma que o caracterizam, o que foi interpretado como reentrada triunfal em cena do presidente portista após meses de estranha discrição e que sujeitaram Lopetegui a excessiva exposição e consequente desgaste.
Visto pelos seus seguidores como estratega de inigualáveis dotes, Pinto da Costa sabe que a sua grande dor de cabeça se chama Benfica e a possibilidade de o ver campeão pelo terceiro ano seguido corresponderá, em definitivo não só à mudança de ciclo do futebol português como à sua própria capitulação. Há um ano gastou em plantel novo até perder de vista, o que poderá tê-lo obrigado a ampliar as fronteiras orçamentais. Esforço para travar a ascensão da águia, que resultou em nada, porém. Este ano, mantém a mesma tendência gastadora de que a mediática aquisição de Casillas constitui o caso mais recente. É claro que profissional de tamanho currículo reclama vencimentos a condizer e se o Porto o recebeu é porque tem como pagar-lhe. É o lado irracional que a magia da bola carrega, sendo certo que quem acha bem, ou encolhe os ombros como se tudo deva ser consentido por um campeonato, deixa de ter moral para se queixar das taxas moderadoras nos hospitais, das tarifas nos transportes públicos ou da subida nos preços dos combustíveis.
Sei que tudo é relativo e o que Casillas ganhava no Real Madrid com certeza que se enquadrava na folha salarial do clube, mas o mercado português é incomparavelmente menor, não pode dar-se a esses atrevimentos. Razão para o reparo pertinente de José Mourinho, ele que é o número um e também o mais bem pago do Mundo. Mas não trabalha em Portugal, nem Ronaldo joga em Portugal. Da mesma maneira que os nossos melhores praticantes representam emblemas estrangeiros. Por isso, vendo o seu reinado aproximar-se do fim, PC, além de afrontar o admissível, capta aliados de ocasião que o ajudem na empreitada que, sozinho, não é capaz de concretizar: travar o Benfica."

Fernando Guerra, in A Bola

Aquecer logo pela matina...

Treino matinal em Rutgers Field, New Jersey.#CarregaBenfica #ICC2015

Posted by Sport Lisboa e Benfica on Terça-feira, 21 de Julho de 2015

A alteração dos paradigmas

"A bola já está a rolar, os primeiros jogos da pré-temporada ficaram para trás, mas ainda ninguém percebeu, ao certo, o que aí vem para a nova época futebolística. Benfica, FC Porto e Sporting - como não poderia deixar de ser - assumem-se como candidatos ao título e, com esse objectivo em mente, procuram acertar o passo. Mas se, olhando para o relvado é difícil, desde já, tirar grandes ilações, merece realce a forma como os rivais alteraram os respectivos paradigmas no que à formação das equipas diz respeito.
O Benfica, ao invés do que era normal desde que Vieira tomou as rédeas do clube, ainda não fez uma aquisição de vulto. Não estou a dizer que não entraram já jogadores capazes de ajudar, mas todos esperavam que, por esta altura, já alguma "truta" tivesse sido capturada. Será que ainda chegará? Estou convicto que sim, nomeadamente um avançado capaz de "rodar" (com rendimento similar) com Jonas e Lima, dois trintões. De resto, também não é de excluir a entrada de um lateral-direito e até de um extremo, caso Gaitán saia. A este propósito, aliás, importa dizer que a grande aquisição das águias até pode ser a continuidade do argentino. Ele faz a diferença.
No FC Porto, o que torna singular este defeso é a disponibilidade para avançar com operações envolvendo verbas anormais para o futebol português. Falo do valor pago, por exemplo, por Imbula; dos ordenados de Casillas ou Maxi Pereira e, seguramente, dos prémios de assinatura atribuídos a vários elementos. É verdade que o clube vendeu bem, que precisa de colmatar saídas importantes e que não equaciona voltar a ter uma época de seca... mas uma aposta assim, por cá, nunca se viu.
No Sporting, com a chegada de Jesus, o paradigma também se alterou (e muito). Tudo aponta no sentido claro da aposta em Gelson Martins, mas esse deverá ser o único aproveitamento real do trabalho mais recente efectuado na Academia. De resto, a opção passa por estrangeiros e vários até com idade já alta. 
Em suma, os caminhos são distintos e claramente diferentes do que tem sido normal. Contudo, a ideia geral é chegar ao final da época no topo da Liga. A questão é que só um vai rir. E o que será dos outros?"

Mourinho com discurso à Benfica

"Mourinho está no Canadá, em estágio com o Chelsea, e foi do outro lado do Atlântico que criticou o despesismo de FC Porto e Sporting num país (Portugal) «com muitos problemas sociais, políticos, económicos» e onde «as pessoas estão a sofrer muito».
Os mais desatentos poderão pensar que José Mourinho estava a falar directamente para os portugueses e a condenar os clubes que não teriam entendido a realidade social e económica de Portugal e, por isso, se afastavam da própria realidade da vida do povo. Mas não era essa a ideia fundamental de Mourinho. No fundo, os clubes portugueses serviram-lhe apenas de instrumento para atacar os clubes ingleses que já terão percebido que o fair play financeiro é uma treta e, por isso, procuram atacar o poder desportivo do Chelsea lançando mais dinheiro nas equipas, reforçando-as para estarem mais preparadas para ganhar. «O futebol é assim. Numa época fala-se do fair play na outra fala-se nas formas de o contornar» - dizia Mourinho referindo-se, naturalmente, ao que se passa no futebol inglês e não no distante futebol luso. Não deixa de ser curioso ouvir Mourinho dizer: «Disse aos meus jogadores que nós somos os mesmos e os outros não. Não posso impedir que outros assaltem um banco e gastem milhões.»
Ora vontade não teria faltado a Luís Filipe Vieira para dizer precisamente o mesmo. Mais brando nos costumes e no discurso, o presidente do Benfica limitou-se a dizer que não estava impressionado com as contratações dos outros e que os reforços do Benfica estavam dentro do clube."

Vítor Serpa, in A Bola

Zé Gato - o 1 e o 11 ao mesmo tempo

"A propósito de um livro de um autor italiano que se intitula a si próprio Zé Ninguém... A solidão na grande-área do romance. Há drama e tristeza e sonho e a realização de uma esperança. E um guarda-redes sempre pronto a defender os remates traiçoeiros da vida.

um tema que me diz muito: a literatura. E depois há a literatura e o futebol ou, se quisermos, o futebol dentro da literatura.
No Brasil sempre se escreveu muito sobre futebol. E bem! Que digo eu? Maravilhosamente! João Cabral de Melo Neto, Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Nelson Motta, Ruy de Castro, Mário Filho, Luís Fernandes Veríssimo e mais e mais e mais. Futebol crónica, futebol poema. Muito pouco futebol romance.
Em Portugal sempre se escreveu muito sobre futebol. E bem! Repito! Extraordinariamente. Mas nos jornais, sobretudo. Os livros chutaram-se muito para canto. E vieram depois livros avulso, que se deixavam a eles mesmo fora de jogo da literatura. Apenas entretenimento.
Hoje vou falar maioritariamente com palavras alheias. A propósito de Luca Leone, italiano de Roma que assina sob o pseudónimo de John Doe. John Doe? Zé Ninguém? Será mesmo.
Foi o Luís Lapão que me falou de Luca Leone.
Ele veio a Lisboa e ao Estádio da Luz, ao Museu Benfica - Cosme Damião, para conhecer José Henrique, o meu bom amigo Zé Gato.
Porque José Henrique é o personagem principal do seu romance «Solo Come in Area Di Rigore» que ainda não tem tradução para português mas terá brevemente, espero eu e todos aqueles que gostam de literatura e de futebol.
Deitei-me à voragem do livro. No original, claro está. Sai-se dele como de um finta do Chalana, no zigue-zague da baliza.
Leia-se a propósito Dario Ricci
É um romance, não se esqueçam. O Zé Gato está lá mas não é ele, é a personagem dele. É a vida da personagem e não do próprio.
Há drama e tristeza e sonho e a realização de um esperança.
José Henrique está página e página na solidão da grande-área.
Dario Ricci, jornalista desportivo e escritor sublinha: «O número estampado nas costas, o 1, primo e portanto indivisível, recorda-nos a solidão da sua própria natureza ao mesmo tempo que contem em si todos os outros. E eis o grande prodígio matemático: 1+1 em futebol dá 11, equipa completa, ainda mais se este 1 é o 'capitão' como sucede com o nosso protagonista.
- 'Eu, frente a frente com o Mundo, com aquela faixa no braço esquerdo, represento todos!', diz José Henrique recordando todos os seus sonhos de criança e os dos adeptos. Porque no futebol, mais do que em qualquer outro jogo de equipa, como sentencia o guarda-redes das águias de Lisboa.
- 'Ninguém joga nunca sozinho para si próprio!'»
Confesso que li e quis continuar a ler.
O romance dentro do romance. O herói dentro do seu heroísmo imperfeito.
Ainda Ricci: «Para fazer deste romance um suado hino ao desporto mais amado do mundo bastaria a palavra de José Henrique, guarda-redes e jogador, sobre muitos dos seus adversários - extraordinário o retrato dos 'números 10', aqueles que no futebol são tudo menos um guarda-redes, isto é, 11-1=10, apesar do próprio José Henrique desmentir esta premissa -, sobre os seus treinadores, sobre o seu ombro desfeito mas miraculosamente pronto para os momentos que contam, sobre as suas defesas e golos sofridos, sobre a sua obsessão pela Taça dos Campeões, o Santo Graal do futebol mundial, sobre essa Lisboa loucamente apaixonada pelo jogo. Mas, José Henrique - graças à pena sapiente de John Doe - é muito mais do que um guarda-redes ou do que um jogador. José é simplesmente um homem que demonstra como com as luvas rebate os remates traiçoeiros da vida numa aventura existencial que se torna na contínua alternância entre a exaltação da glória e a precipitação no abismo. E o que é a vida de um homem, afinal? Por isso, respeito e honra a José Henrique que com a faixa no braço e luvas suadas é 1 e 11 ao mesmo tempo: é um de nós e representa-os a todos. Aliás, aquela águia voando não segura nas patas a frase E PLURIBUS UNUM?»
Leia-se. Vale a pena. Futebol e literatura são, por vezes, capa e contracapa do livro de sonhos.
O José Henrique merece. A sua vida dará mais do que um livro. E não será preciso perguntar: Quem és tu Zé Gato?"

Afonso de Melo, in O Benfica

Aquecer...

Treino de hoje em New Jersey.Today's training session in New Jersey.#CarregaBenfica #ICC2015

Posted by Sport Lisboa e Benfica on Segunda-feira, 20 de Julho de 2015

Nos meandros da Parceria de Félix Bermudes

"A Parceria deu nova vida ao teatro português e o seu sucesso foi tal que os seus ecos chegaram mesmo a terras brasileiras.

Para além de grande desportista de diversas modalidades, fundador e dirigente do Benfica, Félix Bermudes possuía também uma grande paixão pelo Teatro. Ernesto Rodrigues, antigo colega de escola, não gostava de escrever sozinho e lá convenceu Félix a dar-lhe uma mãozinha.
Em 1907, estreou-se com a opereta O Tira-Dentes. Um sucesso! Desse momento em diante, a sua vida ficaria para sempre ligada ao Teatro e uma Parceria coroada de êxitos que tanto divertiu Portugal de norte a sul, com peças como O Conde Barão, O Amigo de Peniche ou Arroz Doce. Merecem especial referência duas obras que foram adaptadas ao cinema e que se tornaram em verdadeiros clássicos: O Leão da Estrela e João Ratão.
Mas o que era a Parceria? Nas palavras de Félix, foi um 'triunvirato de autores teatrais que durante vinte anos encheu os palcos de originais portugueses ou de peças estrangeiras seleccionadas e adaptadas à feição do nosso público'. Para além do dirigente benfiquista, integravam o grupo Ernesto Rodrigues e João Bastos, contando ainda com participações esporádicas de André Brun, Pereira Coelho e Lino Ferreira.
Curiosas e invulgares eram as técnicas usadas pelos membros deste grupo na busca da desejada qualidade das peças. Na sua mesa de trabalho existia um enorme chocalho ligado a cada lugar: quando um dos autores escolhia uma ideia sem interesse ou fazia uma piada sem graça, o 'carrasco' puxava os cordelinhos, enquanto a 'vítima' se ria a bandeiras despregadas. Outro dos processos consistia num certo virtual para o qual se jogavam os papéis contendo banalidades que poderiam tirar a virtuosidade ao argumento. Bastava para isso que, depois de lida, um dos autores presentes dissesse: 'Cesto'!. Porém, vezes houve em que algumas dessas ideias foram resgatadas e aproveitadas para dar o 'ar da sua graça' nas suas peças. Havia ainda um prato no qual eram colocados todos os disparates ditos ou escritos e os erros de ortografia. A asneira permanecia nesse prato até surgir outra pior que a substituísse.
Segundo Félix, a receita para um sucesso tão duradouro foi simples: 'respeito pela profissão, apreço mútuo, mocidade espiritual e alegria'.
No Museu Benfica - Cosme Damião, pode conhecer mais sobre a figura de Félix Bermudes."

Ricardo Ferreira, in O Benfica