quarta-feira, 24 de junho de 2015

Bernardo tem o toque dos deuses

1. Há meia dúzia de anos, Fernando Chalana, um dos poetas mais geniais da história do futebol, anunciou deslumbrado o aparecimento de um profeta: "Há um miúdo, lá no Seixal que vai ser o melhor jogador português. É canhoto: tem um talento do outro mundo e os miúdos chamam-lhe Messi." "E vocês, treinadores, o que pensam disso?", perguntei para perceber a extensão da descoberta: "Achamos que eles têm razão. É um fenómeno. As vezes olho para ele, nos treinos e nos jogos, e revejo-me no jeito como finta e conduz a bola." O menino era Bernardo Silva, elemento de um futebol que já só faz parte da nossa memória coletiva; um futebol que, aos poucos, nos escapou entre os dedos, em nome dos benefícios da uniformização e das rotinas que beneficiaram conceitos associados a fábricas de produção em série. 

 2. É incrível a velocidade com que conduz em engarrafamentos e nas vias rápidas que ele próprio inventa para acelerar; chega a parecer inconcebível que passe por adversários armados até aos dentes, preparados para o abater a qualquer preço, como se fossem bonecos sem vontade própria; é fascinante que, mesmo em circunstâncias de elevadíssimo grau de dificuldade, pinte quadros que o catalogam como artista de outro mundo, um génio cada vez mais raro. Nas viagens alucinantes por toda a frente de ataque, a bola é uma parceira de sempre, feliz pelo modo como é tratada naquele pé esquerdo abençoado - a harmonia entre eles configura pacto de cumplicidade, lealdade e obediência. É delicioso vê-lo passar por terrenos minados, sob vigilância implacável de mercenários sem pudor, como se estivesse a passear no quintal de sua casa. 

 3. A primeira imagem é a do inconsciente que arrisca a saúde mas logo evolui para o iluminado que estimula o talento, inspira-se com os devaneios e interfere na história. BS não serve apenas para contar mentiras e recrear-se com os efeitos do engano; só se realiza quando esse jeito chaplinesco de fazer o contrário do que sugeriu atinge a eficácia de levar a equipa à zona de finalização. Se a matéria-prima da finta é técnica, habilidade e visão; velocidade e seus derivados (aceleração, travagem e saída para onde mandar o instinto); mais a inteligência de saber quando chegou a hora de intervir, BS faz parte da reserva espiritual de um futebol baseado em arte, imaginação, fantasia, sentimento e emoção. Portugal pode não ser campeão. Mas tem o melhor jogador do Europeu, bom ponto de partida para sustentar o otimismo. 

 4. Não há outra forma de traduzir as sensações que gera: quando pega na bola, vai direto aos adversários e elimina-os com um estalar de dedos, revela traços de uma estética associada a Leonel Messi - baixote, canhoto, imprevisível, frenético, deslumbrante... Começam por ser, apenas, semelhanças de estilo mas o número crescente de obras-primas desvenda pontos de contacto mais profundos: Apesar da perfeição com que alimenta as associações curtas de progressão participada, são as épicas aventuras individuais que elevam o jogo à condição de espetáculo e o tornam elemento de primeira necessidade para a indústria em que o futebol se transformou. Em breve os 15 milhões pagos pelo Monaco serão uma gota de água no oceano do seu valor de mercado. O tempo corre a favor da sua juventude e da sua genialidade. Se chegar onde o talento lhe permite será a pedra no sapato da passagem de Jorge Jesus pelo Benfica.

Rui Dias, in jornal Record

Nomes na 'bolosfera'

Com a globalização, os nomes dos jogadores constituem uma verdadeira torre de Babel e um exigentíssimo esforço de memória para os fixar. Além disso, há a rotatividade à velocidade da luz, que nos impede de reter a constituição de uma equipa. Ainda hoje me lembro de equipas do Benfica, claro está, mas também dos outros grandes e até de clubes mais pequenos de há 30, 40 ou mesmo 50 anos. Ao invés, recordar-me do plantel titular de há 10, 5 ou mesmo 2 anos, é um quebra-cabeças. 
No defeso, tudo se torna superlativo. Confusão total. Eu, por exemplo, tenho que arranjar mnemónicas para fixar o nome de um tal de Carcela ou de Taraabt, que vão jogar no Benfica. Lembro-me quando quase todos eram portugueses. Quando havia dois jogadores com o mesmo nome, a solução era apor-lhes um número romano. 
Assim havia o Fonseca I e o Fonseca II, ainda que, às vezes, o segundo fosse bem melhor do que o primeiro... 
Agora não é assim. Por isso, quando ouço falar de Danilo não sei se é da equipa A, B ou C. Ou de Alex, outro nome habitual na bolosfera. Ou, ainda, de Carrilho, Ricardo, Bruno, Marçal, Marco, Fábio, Mateus (com ou sem h), Douglas, Hassan, Diego, Tiago, Tó Zé e tantos outros. Já para não falar nos diminutivos e aumentativos que, agora, abundam. Por exemplo, Luisão e Luisinho, Paulinho e Paulão (pena não haver um novo Pauleta), Carlitos e Carlão, Marinho e Marocas, Rafa e Rafinha, Serginho, Nelsinho, Ricardinho, Bruninho, Jorginho, Rochinha, Juninho, Dieguinho, Rodrigão (mesmo sem rodriguinhos), Chapinha, Ruizinho, Chiquinho, Simãozinho, Huguinho. E até há o Baixinho (ainda que de apelido)... com 1,87 m.

Bagão Félix, in jornal A Bola

Timoneiro IV - Milhões

Gloriosos Indefectíveis,

Para lá do enredo, da nobreza e da nota artística existem ainda outros temas que acho de grande importância discutir convosco em relação ao tema do nosso treinador.

O Salário


Um dos temas que mais confusão me fez e me faz, é a leviandade com que a questão salarial do nosso treinador foi discutida na praça pública.

A má fé e a intoxicação foi tanta, que era quase unânime, a opinião vigente, de que o salário de Jorge Jesus era obsceno para a realidade portuguesa e que era uma afronta ao povo português, haver um indivíduo em Portugal a ganhar essa enormidade de dinheiro, só porque treinava uma equipa de futebol profissional. E ai de quem ousasse afirmar o contrário.

Publicitava-se a toda a largura das primeiras páginas. 4 milhões! E o povo tinha na cabeça que Jorge Jesus colocava no bolso todos os meses 4 milhões de euros. Duvidam? Eu não duvido.
Mas não companheiros. Não eram 4 milhões de euros no bolso por mês, eram, antes sim, 4 milhões no papel fiscal anualmente. Quanto dá isso por mês? É fazer as contas.

Utilizando uma calculadora de ordenado líquido para o ano de 2015, chega-se à conclusão que os tais 4 milhões de euros são afinal, qualquer coisa como 1,733 milhões de euros anuais, o que representa qualquer coisa em torno de 145 mil euros mensais. Este, grosso modo, o valor que Jorge Jesus levava para casa todos os meses durante a vigência do seu último contrato de trabalho.

Agora, corrijam-me por favor se estiver enganado, soube-se que Luisão aufere o tecto salarial, que para a equipa de futebol profissional, parece estar fixado em 3 milhões de euros anuais. Fazendo as mesmíssimas contas, ficamos a saber que Anderson Luís da Silva, o nosso inestimável capitão, leva todos os meses para casa, qualquer coisa em torno de 108 mil euros.

A diferença de salário entre Luisão e Jorge Jesus é de cerca de 37 mil euros mensais.
Em percentagem, diríamos que Jorge Jesus levava para casa, 134% do salário de Luisão.

Estará esta diferença, longe da média que dista o salário do chefe, do subordinado?
Muitos de vós com certeza saberão bem estas diferenças através do conhecimento da realidade económica do país e do mercado de trabalho em geral.
Na minha empresa, aqui no Reino Unido, posso afirmar que as diferenças andarão nessa ordem de grandeza, quando não são ainda maiores. As tabelas de remunerações mostram-no.
Será a realidade portuguesa diferente? Duvido. No tempo que eu aí andava não era com toda a certeza.

Agora eu pergunto, qual será o salário de Rui Vitória?
Irá Rui Vitória ganhar menos, mais ou sensivelmente o mesmo que o seu capitão de equipa?

Sabem-me responder?

Tem cabimento esta indignação toda e depois alguns dias/meses passados quererem porque sim que o Maxi renove por não sei quantos milhões? E os jornais fazerem manchete que o tecto salarial são 1.6 milhões de euros anuais? Porque agora não falam do bruto e vão colocar o líquido na capa do jornal? Intoxicação da opinião pública e dualidade de manuseamento da informação do mais parcial que pode existir. Se provas faltassem quanto à falta de isenção da descomunicação social elas aqui ficam escarrapachadas quais fracturas expostas.

Do meu ponto de vista, o treinador tem sempre de ser o homem mais bem pago do balneário. Caso contrário, a lógica hierárquica deixa de fazer sentido.

Muitos outros considerandos haveria a fazer, tais como:
É obsceno ou não? Ontem, para uns, parece que sim, hoje, já nem tanto...
E por aí fora vai seguindo o povo alegre e feliz.

Têm os meus companheiros a palavra...

José Albuquerque usou de sua palavra de mestre e adicionou esclarecimentos e correcções ao exposto no artigo. Tais esclarecimentos e correcções não desvirtuam a lógica exposta no artigo, antes pelo contrário, só a vêem reforçar. Sendo assim, companheiros, não deixem de ler os comentários e dizer de vossa justiça quanto a este tema deveras sui generis.

Pelo Benfica! Sempre!

Redheart <3

Que fazer?

Estranha-se esta sensação de estar em celebração interior e ser atacado pela perda de peças "chave" no bicampeonato e, pior, perceber que tenho de me preparar para mais baixas. Por mais apelos à razão não é fácil. Podem dizer-me que no futebol moderno a fidelidade clubística é território exclusivo dos adeptos. Sei de tudo isso, mas custa saber que o jogador que vi fazer juras de amor eterno à camisola do Glorioso será o primeiro a trocar essa paixão por um compreensível conforto material.
Não se trata apenas do desejo sempre adiado de um defesa tranquilo, sem vendas, trocas ou empréstimos. É mais do que isso. É também a necessidade de resistir a uma captura do futebol pelas forças da razão.
Chegará um novo ponta-de-lança entusiasmante para substituir o ídolo de hoje e a admiração pelo centro-campista de toque subtil que nos abandonou revelar-se-á efémera assim que o jovem talento tiver espaço para se afirmar. Pouco importa: se deixarmos que se transforme num território onde a irracionalidade e as paixões absolutas perdem todo o espaço para a gestão rigorosa e a sustentabilidade financeira, para que é que servirá exatamente o futebol? Que fazer, então? Encontrar um equilíbrio entre racionalidade e paixão na forma como se gere um clube, até porque no Benfica os principais dividendos a distribuir são as vitórias. Basta ver o futebol poético do Bernardo no Europeu sub-21 para se ter a certeza que nenhuma análise custo-benefício é capaz de calcular o valor patrimonial da paixão benfiquista daquele miúdo. Nunca, em circunstância alguma, podia ter sido vendido.
Já Maxi, depois de todas as exigências e das ameaças de sair para um rival, delapidou o capital que tinha e perdeu a mística de outros tempos. Faço minhas as palavras do grande Toni: "Por mim, já tinha marchado."

Pedro Adão e Silva, in jornal Record

Cerco ao Benfica

Marco Ferreira ficou em último lugar na classificação final de árbitros de 2014/2015 e foi o Carmo e a Trindade, como se de repente tivesse passado pelo futebol português um fenómeno atmosférico de efeitos devastadores, quando, em concreto, apenas se verificou uma situação que de anormal nada apresenta: o árbitro madeirense, no somatório dos seus desempenhos, em determinado período, correspondente a uma época desportiva, foi o que obteve pontuação mais baixa. Surpreende por ser quem é, mas somente por isso, porque, no resto, as coisas mudaram quando os procedimentos de observação, avaliação e classificação de árbitros e árbitros assistentes das competições organizadas pela Liga passaram a reger-se pelo regulamento do Conselho de Arbitragem da FPF. Foi o primeiro passo para a democratização do setor, com o objetivo de o tornar mais justo e transparente, permitindo que todos os árbitros do quadro principal beneficiassem de idênticas oportunidades e eliminando qualquer tentativa de retirar do baú os arranjinhos e os tráficos de influências que desembocaram no Apito Dourado.
Desde o início, porém, o 'grupo de elite' olhou com preocupação para a mudança, antevendo o risco que corria, porque, como alguém alertou, até 2012, árbitro escolhido para internacional que não desalinhasse nem afrontasse o sistema assegurava a insígnia FIFA até à idade de reforma... Terá sido, aliás, para afrontar situações de comodismo dos mais conceituados e gerar boas expectativas entre os que querem impor-se, estabelecendo-se aqui interessante quadro de equilíbrio, que Vítor Pereira, pelo que julgo saber, aprova idênticos critérios de avaliação sem valorizar a intensidade do brilho dos galões de cada qual...

Questiona-se, então, a lógica de nomeação de Marco Ferreira para a final da Taça de Portugal. Desconheço-a, obviamente, mas deduzo que, depois de Carlos Xistra, 3.º na temporada transata, ter sido indicado para dirigir a final da Taça da Liga, com Proença aposentado e seguindo a mesma linha de raciocínio, o escolhido deveria ser, como foi, o 2. º classificado em 2013/2014, ignorando o nomeador, no entanto, o reflexo das más notas obtidas pelo árbitro madeirense na presente época, dado que, provavelmente com excesso de rigor, mas com base na apreciável intenção de eliminar favores, pedidos e compadrios, a FPF protegeu-se... ao proteger a classificação final de todo o tipo de intrusões.
Há quem alvitre, agora, um cenário de injustiça ao contrapor ao último lugar de Marco Ferreira o segundo de há um ano, de maneira a retirar credibilidade ao processo. Estratégia condenada ao fracasso, pela razão simples de o árbitro da AF Madeira, no seu historial, ser frequentador regular da parte inferior das tabelas classificativas: 19.º, em 2013; 13.º, em 2012; 11.º, em 2011; 17.º, em 2010; 17.º, em 2009; 16.º, em 2008...

O alarido em redor deste caso creio ser o pretexto que faltava para se instalar a confusão e promover o regresso a um esquema de interesses que não se recomenda. A arbitragem sempre lidou mal com a clareza, de aí que, por coincidência ou não, foi a partir do momento em que se injetou rigor na complexa ordenação classificativa dos árbitros desde 2012/2013, que o Benfica conseguiu traduzir em mais Campeonatos Nacionais conquistados a qualidade da sua organização. De aí o cerco que pretendem fazer-lhe os seus principais adversários. Primeiro foi Bruno de Carvalho, através das chamadas redes sociais, a falar de uma «herança das últimas épocas de gestão» e a sublinhar que, além do «desrespeito ser total» pelo clube a que preside, quando os árbitros erram «é sempre o mesmo que sofre»...
Depois, Pinto da Costa, de viva voz e em estilo mais eloquente, igualmente a privilegiar a arbitragem como tema do defeso, o que logo foi encarado como triunfal reentrada em cena, aparentemente suficiente para garantir um FC Porto mais pujante na época que se avizinha...
Os dois presidentes não se falam, mas sabem que existe um adversário comum que os tem superado e que precisam de eliminar: Benfica. Não são aliados de verdade, mas dá-lhes jeito investirem na mesma ladainha, porque a diplomacia tem uma linguagem própria, como ouvi um dia destes a quem se considera mestre no assunto... 

Fernando Guerra, in A Bola