terça-feira, 26 de maio de 2015

Jesus, fica

" «Com ele passei a ter uma visão geral do futebol. Com os outros, treinávamos o ataque, a defesa, mas não havia essa ideia de conjunto. Todos os jogadores deviam ter a oportunidade de treinar com um treinador assim». Cito de cor, mas julgo estar a ser fiel às palavras de Jonas a propósito de Jorge Jesus, aos microfones da TSF, no final do Benfica-Marítimo. Jonas, esse mesmo, que, quando parecia ter chegado ao ocaso da sua carreira, redescobriu o prazer pelo futebol e ajudou a decidir o título.
Notem bem, foi Jonas que o disse, mas poderia ter sido qualquer outro jogador - e nem precisava de ter nome de profeta. Há, aliás, uma estranha unanimidade: tenham jogado muito, pouco ou até quase nada, pouco importa, todos os jogadores que passaram pelas mãos de Jesus elogiam a sua visão singular sobre o futebol.
Podia, é um facto, não passar de um treinador com capacidade de inovação, mas Jesus traduz a sua ideia de jogo em resultados e, não menos importante, em espectacularidade. Tem, é claro, defeitos (à cabeça a teimosia e a dificuldade em montar uma equipa também capaz de controlar o jogo com bola); contudo, no Benfica dos últimos tempos há um antes e depois de Jesus.
A equipa hoje tem uma ideia de jogo, uma organização colectiva com poucos paralelos e uma identidade de tal forma robusta, que vão mudando os jogadores e, com auxílio de dois pares de líderes no balneário, a diferença quase não se sente, mesmo quando joga o 'Manel'. Nos últimos seis anos, o Benfica só se encontrou em duas situações: vencer títulos ou disputá-los até ao fim.
Com Jesus como treinador, o Benfica arrisca-se a continuar a ganhar. Sabemos nós, benfiquistas, e sabem-no também adeptos e dirigentes dos nossos rivais. Para que Porto e Sporting vençam o Benfica, já não basta terem jogadores talentosos, precisam, também, de apresentar uma enorme solidez colectiva. O suplemento que Jesus oferece ao Benfica."

O risco de ser campeão

"Foi Mário Wilson quem um dia disse que quem treina o Benfica arrisca-se a ser campeão. Eram outros tempos, quando a chama de títulos do clube era mais intensa e aumentava exponencialmente a margem de sucesso de um técnico. Os anos de domínio do FC Porto reduziram drasticamente essas probabilidades. 
Nos dias que correm, a profecia do velho Capitão volta a fazer sentido e já começa a ser recuperada por comentadores e analistas. A quebra da hegemonia portista abre essa porta, mas ainda é prematuro subscrever tais palavras com total convicção. O bicampeonato reforça a posição, mas o anunciado ciclo virtuoso pode sofrer uma inversão.
É verdade, porém, que o 'risco' de ser campeão no Benfica é agora bem maior do que noutros tempos bem recentes. Mérito que não se resume à competência de Jorge Jesus, mas claramente a uma nova organização de que o clube se dotou e que tem como primeiro responsável o seu presidente, Luís Filipe Vieira.
Vieira é, no entanto, apenas o máximo responsável. Um dirigente que aprendeu muito ao longo dos anos e que soube montar uma máquina que hoje sustenta uma equipa ganhadora. É a tal estrutura de que tantos especialistas falam e que, de facto, existe e funciona. Figuras como Rui Costa, Domingos Soares Oliveira e Paulo Gonçalves, passando por Lourenço P. Coelho e João Gabriel, além de outros menos visíveis, são pilares fundamentais no actual Benfica.
Basta recuar à segunda época de Jesus, em que a vertigem do êxito inebriou toda a gente, para perceber como foi necessário explicar a estratégia e estabelecer prioridades em nome do bem comum. A estrutura já é sólida e um treinador volta a 'arriscar' ser campeão no Benfica. Mas poderá ser já outro além de Jesus?"

Cinco senhores ingleses e um escocês com sorte

"Uma moeda de um florim eliminou nessa noite o Benfica da Taça dos Campeões depois de duas horas intensas no Estádio da Luz. A derrota frente ao Celtic por 0-3 na primeira mão foi vingada com um 3-0. Mas a fortuna não quis nada com os portugueses.

Raro. Que digo eu? Único! E provavelmente sem repetição. Falo de um dos mais curiosos episódios do Futebol português. Teve lugar na época de 1969/70. Todas as equipas que participaram nas taças europeias - e foram nada menos de seis - defrontaram adversários britânicos.
Cinco senhores ingleses e um escocês com sorte. O escocês com sorte calhou ao Benfica, para azar dos 'encarnados'. Mas já lá vamos. Deixemos isso para o fim, como não poderia deixar de ser.
Muito bem: vamos lá aos factos. Sem tergiversações.
Na Taça dos Vencedores de Taças, entrou a Académica de Coimbra. Estivera presente no Estádio Nacional, perdera a célebre final da contestação estudantil frente ao Benfica e, como este, também campeão, seguira para a Taça dos Campeões, ocupou a vaga.
E que bem se portou a Académica! Eliminou os finlandeses do Kupio Pallosera na primeira eliminatória, com um empate caseiro a zero e uma vitória fora por 1-0, é o Magdeburgo, da então República Democrática Alemã, na segunda, respondendo à derrota da primeira mão (0-1) com uma vitória (2-0) em Coimbra.
Depois, o senhor inglês: Manchester City. Foi à justa: em casa, 0-0; fora, 0-1 mas só no prolongamento.
E o Manchester City ganharia essa edição da Taça das Taças.
Na Taça das Feiras, que estava quase a mudar o nome para Taça UEFA, quatro representantes lusitanos: Sporting, FC Porto, Vitória de Setúbal e Vitória de Guimarães. A cada qual seu inglês.
O Sporting eliminou o Linzer ASK na primeira eliminatória e, na segunda, encontrou-se frente a frente com o Arsenal: em Alvalade, na primeira mão, 0-0; em Highbury Park, vitória dos londrinos por 3-0.
O FC Porto também passou a eliminatória inicial: contra o Hvidovre, da Dinamarca. Em seguida, o inevitável senhor inglês: Newcastle United. Nas Antas, 0-0; em St. James Park, vitória inglesa, 1-0.
O Vitória Guimarães teve como adversário na primeira elminatória o Banik Ostrava, da Checoslováquia. Resolveu o problema para cair nos braços de outro senhor inglês: Southamptons. No Minho, na primeira mão, empate com muitos golos: 3-3; em Inglaterra, derrota dura: 1-5.
Finalmente, o Vitória de Setúbal, que se libertava do Rapid de Bucareste na eliminatória inicial. Tocou-lhe talvez o osso mais duro de roer de todos aqueles que vieram da Grande Ilha: Liverpool. E saiu-lhe com distinção. Vitória no Bonfim por 1-0; derrota em Anfield por 2-3. Brilhante! Seria afastado na ronda seguinte pelo Hertha de Berlim.
Cinco senhores ingleses - falta o escocês.

Aquela maldita moedinha!!!
O escocês calhou ao Benfica: Celtic.
Depois de afastarem os dinamarqueses do KB Copenhaga na primeira eliminatória, os 'encarnados' jogam a primeira mão dos oitavos-de-final em Glasgow, no Parkhead, no dia 12 de Novembro de 1969.
As coisas correm mal. Eusébio magoa-se ainda na primeira parte e já não regressa do intervalo, substituído por Artur Jorge. Logo no primeira minuto, Gemmell faz o 1-0 e a equipa abana. Produz momentos bonitos, de Futebol colectivo, mas falta-lhe profundidade e, sobretudo, agressividade junto à baliza escocesa.
Oitenta mil espectadores festejam alegremente o 2-0, por Wallace, aos 41 minutos.
Desenha-se uma derrota pesada e ela fica definitivamente traçada aos 67 minutos com o golo de Hood a bater inapelavelmente José Henrique.
Otto Glória, o treinador, lamenta-se mais ainda acredita.
E faz bem em acreditar!
Diz quem lá esteve que o velho vulcão 'encarnado' entrou novamente em erupção. A despeito das lesões de Humberto Coelho e de Torres que ficaram de fora do encontro da segunda mão, na Luz. Apesar de Eusébio ter jogado com febre e voltar a sair ao intervalo.
Mas outros surgiram. Messias, Raúl Águas, o quase-júnior Vítor Martins.
Os golos de Eusébio (30 minutos) e Jaime Graça (39) prometiam uma segunda parte de ânsia. E assim foi.
Há nos jogadores de camisolas vermelhas sinais de cansaço. Mas uma vontade indómita supera o peso  dos músculos. Por alguns minutos, dá a sensação que nada mais há a fazer para bater o guarda-redes Fallon. Ainda por cima Eusébio, o homem dos pontapés-relâmpago.
Mas um último fôlego. A bola caída na cabeça de Diamantino. O golo! O golo que deixa tudo igual e faz explodir o inferno.
O prolongamento foi penoso para os escoceses. Veio provar que a sorte estava do seu lado. Coluna e Toni trituravam o meio-campo. McNeill, Gemmell e Murdoch andavam numa roda viva procurando calafetar as brechas que se abriam no couraçado de Glasgow.
O tempo fugiu por entre os dedos.
Nesse tempo era assim: a eliminatória decidir-se-ia na cabina do árbitro.
Coluna e Calado representavam o Benfica.
Stein e McNeill representaram o Celtic.
Cá fora, no estádio, o público mantinha-se preso às bancadas, expectante.
O árbitro era holandês: Van Ravens.
Atirou ao ar uma moeda de um florim.
A pura sorte decidiu: o Benfica estava eliminado."

Afonso de Melo, in O Benfica

Calor: inimigo n.º 1

"Calor, nudez, perturbações gástricas e... uma boa prestação futebolística.

A convite do Conselho de Educação Física da Índia Portuguesa, o Benfica foi o primeiro clube da metrópole a deslocar-se aos territórios portugueses na Índia.
A comitiva saiu de Lisboa a 6 de Maio de 1960 e depois de mais de trinta horas de viagem, com quatro escalas pelo meio, aterrou em Goa. A representação do Clube esteve a cargo da equipa de reserva, pois o convite assim o solicitava. Certamente porque o nível do futebol indiano não justificava a ida da equipa principal.
A comunidade portuguesa recebeu-os com enorme entusiasmo, os jogos registaram sempre lotação esgotada e por todo o lado ecoava: 'Viva o Benfica', 'Viva Portugal'! Contudo, alguns factores influenciaram a sua prestação em campo. Para além da longa e interminável viagem de ida e do pouco tempo de descanso entre cada jogo, a equipa ainda teve de lidar com algumas 'perturbações gástricas'. Mas, segundo Fernando Caiado, '(...) o factor mais importante de tudo foi a circunstância de os nossos adversários terem jogado com 12 elementos. Sim, porque o calor foi o elemento em mais evidência no campo... e jogou pelos nossos adversários'. O calor era de tal forma perturbador que, na sua crónica para o jornal A Bola, Caiado escreve ainda: 'Estou completamente nu e com uma toalha junto de mim para poder limpar o suor que me escorre da cara. Tal é o calor que faz nestas paragens (...)'.
Depois de vencer os três jogos realizados,de visitar o património histórico e artístico de Goa e de participar numa série de recepções em sua homenagem, a comitiva regressou dez dias depois. À chegada, o saldo era bastante positivo. Apesar de todas as condicionantes, a equipa demonstrou plenamente a qualidade do futebol 'encarnado', chegando um jornalista desportivo goês, a questionar: 'Quando isto é uma «reserva», o que será a equipa de honra?'.
Na área 26. Benfica universal do Museu Benfica - Cosme Damião, encontra-se exposta uma salva oferecida pelo governador-geral da Índia Portuguesa ao Clube, durante essa viagem."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Faltou o 'manto' a Jonas

"Lopetegui esforçou-se na defesa da doutrina portista, mas no curso intensivo a que deve ter sido sujeito, aspectos houve que não lhe explicaram ou ele captou com demasiado ruído.

Acabou o Campeonato de 2015 e sabe-se quem é o campeão. Os despromovidos Gil Vicente e Penafiel já vão a caminho da Liga 2 por troca com Tondela e União, mas, nada mais havendo para decidir, a festa da intriga agita-se e insiste na falsa imagem de que o Benfica ganhou por que teve «algumas ajudinhas», como afirmou Maicon antes de viajar para o Brasil em gozo de férias. Ideia que prolonga a linha de pensamento de Julen Lopetegui, o qual, mesmo no momento de se ver obrigado a declarar a rendição, não teve um pingo de elegância na altura de felicitar Jorge Jesus, optando por referir-se a quantos ajudaram o treinador benfiquista, mais ou menos assim...

A lição foi explicada e depressa apreendida, como convinha, apesar de a derradeira jornada da Liga, por ironia do destino, ter mostrado que esse sistema de ensino, imensamente apreciado e valorizado até há dois anos, mas de súbito à beira da falência, poucos seguidores atrai. Prova da recente e fosca cerimónia da tomada de posse dos órgãos sociais da Associação de Futebol do Porto, em que só compareceram os amigos mais próximos, habilmente aproveitada pelo presidente do emblema do dragão para desempenhar o papel de figura de cartaz, disparar nas direcções de Luís Figo e de Fernando Gomes e, como não podia deixar de ser, passar a tal manto protector sobre o fracasso do treinador por ele escolhido para bloquear a ascensão benfiquista.
Correu-lhe tudo mal, porém. Lopetegui ficou a zero em termos de títulos e, pior do que isso, indiciou alguma impreparação para liderar uma equipa de clube de topo, o que não significa menos consideração pela sua competência.
Esforçou-se imenso na proclamação da doutrina portista, mas fê-lo de forma atabalhoada. No curso intensivo a que deve ter sido sujeito, aspectos houve que não lhe explicaram ou ele captou com demasiado ruído. De aí que, na ausência de argumentação razoável, se tivesse agarrado, como medida de recurso, à bizarra história do «manto protector», que existiu, como escrevi, embora o basco trocasse o nome do habitual beneficiário. Como se verificou, aliás, na tarde do último sábado, no Estádio da Luz, em que o manto de que falou não chegou para resguardar Jonas de incorrecta decisão de um árbitro assistente; e com ela impedi-lo de ser o goleador da liga portuguesa e receber A Bola de Prata. Jonas precisava de três golos e... marcou três, mas só dois valeram.
(...)"

Fernando Guerra, in A Bola

Não sei se sabe...

"Meu caro Julen Lopetegui
Não sei se sabe, mas quando alguém é capaz de deixar que, no futebol, o seu jogo deixe de ser aquilo que tem de ser: um espaço de ataque ao destino onde, segundo a segundo, se joga a história e a eternidade, esgotando-lhe todas as emoções, expurgando-o de todas as fraquezas (e mais as de alma...) está a atraiçoar-se e a atraiçoar a história do seu clube - sobretudo se for treinador do FC Porto.
Não sei se sabe, mas quando alguém não percebe que o bom futebol precisa de bons jogadores, mas os bons jogadores se alimentam de boas ideias e as boas ideias são as que lhes dão protagonismo (e nunca o são obsessões...), o treinador acaba por tropeçar nas suas sombras e nos seus desvarios - sobretudo de for treinador do FC Porto.
Não sei se sabe, mas quando Bill Shankly descobriu que nenhum jogo de futebol é uma questão de vida ou de morte, é sempre muito mais importante do que isso - o que ele descobriu foi também que o medo e a displicência, a apatia e a cobardia são para uma equipa o que o calor é para o toco de cera: dá a ilusão breve da luz mas depois derrete-se e apaga-se, o sonho vira fio de fumo, envolvendo-se e perdendo-se. E sim, também aí a culpa é do treinador - sobretudo se for treinador do FC Porto.
Isso você sabe: tudo o que de melhor se faz no futebol em termos ofensivos depende do jogador - do seu génio, do seu instinto, do seu talento, do seu carácter. O que não sei se sabe é que se o treinador não souber (ou não puder...) soltar-lhes o génio, o instinto, o talento, o carácter está, ele próprio, a condenar-se à morte (que pode ser mais ou menos lenta, logo ou depois, o destino o dirá, cruel ou não...) - sobretudo se for treinador do FC  Porto.

Poderia falar de outras coisas, mas bastam-me estas para lhe dizer porque digo o que já lhe disse que onde você perdeu o campeonato, o ganhou Jorge Jesus. Com toda a justiça - mais pela sua (dele, claro...) esperteza, do que pelos seus álibis, os mantos e os colinhos..."


António Simões, in A Bola