terça-feira, 20 de outubro de 2015

Ultramar: Pedaço de terra lusitana!

"Como em quase tantas e tantas facetas do Futebol português, o Benfica também foi pioneiro na disputa de uma eliminatória da Taça de Portugal frente a um adversário africano. Foi na época de 1957/58, num tempo em que as equipas ultramarinas foram chamadas a participar na prova. Era ainda um «Portugal uno e indivisível», como nos ensinava a mestra palmatória.

Em Maio de 1958, num estilo inflamado, um jornal nacional fazia publicar este libelo: «Portugal não pode ser dividido por fronteiras - esta é a verdade. O Ultramar é um pedaço de terra lusitana e tem os mesmos direitos e os mesmos ideais. Por isso, o significado desta presença transcende o âmbito desportivo e coloca-se no plano do convívio nacional».
Esta alegria a letra de imprensa explicava-se facilmente: disputada desde a época de 1938/39, a Taça de Portugal recebia pela primeira vez representantes das chamadas Províncias Ultramarinas.
Até à época de 1952/53 limitada aos clubes da I Divisão, a segunda prova mais importante do calendário nacional passara nessa altura a contar com um representante das ilhas Adjacentes. Agora o passo era gigante e estendia-se a África.
Em 1957/58, entrávamos, portanto, num período revolucionário, se assim se pode falar em anos tão violentamente marcados pelo Estado Novo.
Considerando a Federação Portuguesa de Futebol que as equipas da Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Macau não tinham ainda qualidade suficiente para disputar uma competição tão exigente, determinou-se que os campeões de Angola e Moçambique viriam a Lisboa defrontar os dois apurados para a final, numa espécie de tira-teimas ao qual se deu o pomposo nome de 2.ªs meias-finais da Taça de Portugal.
E o sorteio das 2.ªs meias-finais ordenou os seguintes embates:
Ferrovia de Nova Lisboa (Angola) - Benfica. Desportivo Lourenço Marques (Moçambique) - FC Porto.
Perante as dificuldades de deslocação das equipas metropolitanas a África, optou-se pela solução não muito justa de estabelecer Lisboa como «casa» dos ultramarinos. E assim, Alvalade e Restelo receberam a 1.ª mão das 2.ªs meias-finais da Taça de Portugal.
O Ferrovia de Nova Lisboa, fundado em 1931, era campeão de Angola há nove anos consecutivos. Os seus jogadores eram todos funcionários dos Caminhos de Ferro de Angola, trabalhando das 7 às 17 horas e treinado-se a partir das 18h.
O Desportivo de Lourenço Marques era a equipa de Fernando Laje, um dos mais considerados jogadores do Ultramar que chegou a ser dado como certo no Sporting, convite que viria a recusar. Já no final da carreira, Laje justificava essa opção à sua chegada a Lisboa: «Não quis deixar-me seduzir por miragens. Tenho uma boa situação na vida, como despachante de uma firma inglesa, e seria grossa asneira abandonar tudo em troca de profissão tão ingrata...»
Outros tempos.
No dia 25 de Maio, no Estádio de Alvalade, o Benfica vence o Ferrovia por claros 6-2. Os golos do Benfica são marcados por Águas (3), Mendes, Palmeiro Antunes e Gervásio, do Ferrovia, na própria baliza; os golos angolanos são da autoria de Nascimento e Valente.
A imprensa fica desiludida com a modéstia da exibição dos homens de Nova Lisboa. Aos 11 minutos de jogo já o Benfica vencia por 3-0. Depois, abrandando o ritmo de jogo, permitiu a reacção angolana e a pequena recuperação até ao 2-4.

Angolanos brancos e portugueses de cor!
Os jogos da 2.ª mão, realizados a 1 de Junho, cavaram diferenças maiores.
O Benfica recebe o Ferrovia de Nova Lisboa na Tapadinha e vence por inequívocos 11-1.
Os golos 'encanados' são marcados por Azevedo (4), Águas (3), Coluna (1), Palmeiro Antunes (1), José Maria (1) e Medeiros (1), do Ferrovia, na própria baliza. O golo angolano é de Martins.
Para a história, fica a equipa que o Ferrovia apresentou nos dois jogos: Fernando; Amândio e Carvalho; Ferreira, Gervásio e Briosa; Valente, Martins, Santos, Madeiros e Nascimento.
«A equipa do Ferrovia, que se tornou simpática pela forma como os seus componentes lutaram de princípio a fim com energia e limpeza de atitudes, fragmentou-se em breve espaço de tempo, perdendo os seus elementos o sítio do jogo e até a noção de futebol», escrevia o grande Tavares da Silva. E elogiava: «Diga-se que a classe de José Águas iluminou a partida com singulares revérberos, dando-nos apontamentos modelares de técnica e execução».
Pela primeira vez, equipas das colónias disputavam jogos oficiais com equipas da Metrópole. Ainda que, curiosamente, as equipas ultramarinas fossem quase por inteiro compostas de jogadores de raça branca.
E o Benfica, por exemplo, tivesse nas suas fileiras mais jogadores de cor do que o Ferrovia.
Voltariam as 'águias' a defrontar africanos para a Taça de Portugal. E nós voltaremos ao assunto. Porque o Benfica continuou pioneiro: primeiro clube português a disputar uma eliminatória no continente africano.
Dez anos mais tarde...

1957/58 - 1/2 final - Desportivo Lourenço Marques 2 - 6 FC Porto, Restelo(Lisboa)
1957/58 - 1/2 final - FC Porto 9 - 1 Desportivo Lourenço Marques, Antas (Porto)
1957/58 - 1/2 final - Ferrovia Nova Lisboa 2 - 6 Benfica, Alvalade(Lisboa)
1957/58 - 1/2 final - Benfica 11 - 1 Ferrovia Nova Lisboa, Tapadinha(Lisboa)
1958/59 - 1/4 final - Ferroviário da Beira 0 - 9 FC Porto, Tapadinha(Lisboa)
1958/59 - 1/4 final - FC Porto 7 - 0 Ferroviário da Beira, Antas(Porto)
1959/60 - 1/4 final - Belenenses 6 - 0 SC Portugal de Benguela, Restelo(Lisboa)
1959/60 - 1/4 final - SC Portugal de Benguela 0 - 3 Belenenses, Campo Grande(Lisboa)
1960/61 - 1/4 final - Sporting Lourenço Marques 1 - 4 Belenenses, Alvalade(Lisboa)
1960/61 - 1/4 final - Belenenses 4 - 1 Sporting Lourenço Marques, Restelo(Lisboa)
1961/62 - 1/4 final - Benfica 7 - 1 Ferroviário da Beira, Luz(Lisboa)
1961/62 - 1/4 final - Ferroviário da Beira 1 - 7 Benfica, Tapadinha(Lisboa)
1962/63 - 1/4 final - Sporting Lourenço Marques 1 - 3 Sporting, Alvalade(Lisboa)
1962/63 - 1/4 final - Sporting 4 - 2 Sporting Lourenço Marques, Alvalade(Lisboa)
1963/64 - 1/4 final - Lusitânia dos Açores 3 - 1 Ferroviário L. Marques, Municipal(Angra do H.)
1963/64 - 1/4 final - Ferroviário Lourenço Marques 2 - 2 L. dos Açores, Tapadinha(Lisboa)
1964/65 - 1/8 final - Olhanense 4 - 0 União Des. Int. Bissau, Padinha(Olhão)
1964/65 - 1/8 final - União Des. Int. Bissau 2 - 3 Olhanense, Salema (Lisboa)
1964/65 - 1/8 final - SC Portugal de Benguela 2 - 5 Setúbal, Restelo(Lisboa)
1964/65 - 1/8 final - Setúbal 6 - 1 SC Portugal de Benguela, Bonfim(Setúbal)
1965/66 - 1/8 final - Clube Sportivo Mindelense 2 - 4 Marítimo, Barreiros(Funchal)
1965/66 - 1/8 final - Marítimo 7 - 0 Clube Sportivo Mindelense, Barreiros(Funchal)
1966/67 - 1/8 final - Beira Mar 6 - 0 Ténis Clube de Bissau, Mário Duarte(Aveiro)
1966/67 - 1/8 final - Ténis Clube de Bissau 3 - 5 Beira Mar, Salema(Lisboa)
1966/67 - 1/8 final - Académica 7 - 0 ASA, Municipal(Coimbra)
1966/67 - 1/8 final - ASA 1 - 2 Académica, Campo Grande(Lisboa)
1968/69 - 1/8 final - ASA 0 - 4 Benfica, Coqueiros(Luanda)
1968/69 - 1/8 final - Benfica 3 - 2 ASA, Coqueiros(Luanda)
1968/69 - 1/8 final - Académica 4 - 1 Ferroviário Lourenço Marques, Municipal(Coimbra)
1968/69 - 1/8 final - Ferroviário Lourenço Marques 0 - 1 Académica, Municipal(Coimbra)
1968/69 - 1/8 final - União Des. Int. Bissau 1 - 5 Sporting, Alvalade(Lisboa)
1968/69 - 1/8 final - Sporting 12 - 0 União Des. Int. Bissau, Alvalade(Lisboa)
1969/70 - 1/8 final - Ténis Clube de Bissau 0 - 3 Braga, Sarmento Rodrigues(Bissau)
1969/70 - 1/8 final - Braga 0 - 1 Ténis Clube de Bissau, Sarmento Rodrigues(Bissau)
1969/70 - 1/8 final - Textáfrica 2 - 6 Belenenses, Soajo(Vila Péry)
1969/70 - 1/8 final - Belenenses 3 - 0 Textáfrica, Ferroviário(Beira)
1969/70 - 1/8 final - Ind. Porto Alexandre 0 - 4 U. Tomar, Municipal(Tomar)
1969/70 - 1/8 final - U. Tomar 5 - 1 Ind. Porto Alexandre, Municipal(Tomar)
1970/71 - 1/8 final - FC Porto 4 - 1 Ferroviário Lourenço Marques, Antas(Porto)
1970/71 - 1/8 final - Sporting 21 - 0 Clube Sportivo Mindelense, Alvalade(Lisboa)
1970/71 - 1/8 final - Ind. Porto Alexandre 1 - 0 U. Coimbra, Municipal(Porto Alexandre)
1970/71 - 1/4 final - Benfica 6 - 0 Ind. Porto Alexandre, Luz(Lisboa)
1970/71 - 1/4 final - Ind. Porto Alexandre 0 - 2 Benfica, Salema(Lisboa)
1971/72 - 1/16 final - Textáfrica 1 - 3 Leixões, Soajo(Vila Péry)
1971/72 - 1/16 final - Tirsense 2 - 1 Ind. Porto Alexandre (a.p.), Abel Figueiredo(Santo Tirso)
1971/72 - 1/16 final - Sporting Bissau 0 - 2 Sintrense, Sarmento Rodrigues(Bissau)
1972/73 - 1/16 final - Nova Lisboa e Benfica 1 - 2 Atlético, Cacilhas(Nova Lisboa)
1972/73 - 1/16 final - Farense 6 - 0 União Des. Int. Bissau, São Luís(Faro)
1972/73 - 1/16 final - CUF 3 - 1 Ferroviário Lourenço Marques, Alfredo da Silva(Lavradio)
1973/74 - 1/32 final - Textáfrica 0 - 1 Atlético, Soajo(Vila Péry)
1973/74 - 1/32 final - CUF 6 - 0 Moxico, Alfredo da Silva(Lavradio)
1973/74 - 1/32 final - Sporting Bissau 0 - 1 Oriental, Sarmento Rodrigues(Bissau)"

Afonso de Melo, in O Benfica

5 comentários:

  1. Esse título é, no mínimo, infeliz.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Infeliz e o facto de criminosos terem dado terras que pertencem ao povo Portugues.

      Eliminar
    2. Ainda dizem que o fumo das tochas não faz mal à saúde...

      Eliminar
    3. O que faz mal a saude sao politicos criminosos.

      Eliminar
  2. o título é uma citação do artigo da época
    - há gente com dificuldade de entendimento
    LC

    ResponderEliminar

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!