terça-feira, 14 de julho de 2015

Vencer duas vezes

"Os outros bicampeonatos
Em 111 anos de história, é fácil perder a conta aos títulos duplos que se amealharam e aos seus mentores. De Cosme Damião a Bela Guttmann, de Janos Biri a Jorge Jesus: uma incursão ao mundo plural do nosso vencer.

Depois da conquista do bicampeonato em 2014/2015, muito se tem dito e escrito sobre o assunto. A quebra de um jejum tão inquinado só podia dar nisto. Afinal, à excepção dos anos 20, as décadas que decorreram até à de 80 não acostumaram ninguém a ver no Benfica um vencedor aos soluços.
Por outro lado, o endeusmaento de Jorge Jesus após o grande feito não é menos compreensível do que, por exemplo, a catarse provocada por Trapattoni no seio dos adeptos com o regresso aos títulos em 2004/2005. O treinador transalpino desfez uma inquietude sebastianista de 11 anos e devolveu-nos o que nos faltava para nos reencontrarmos. Devolveu-nos, afinal, o principal traço distintivo da nossa identidade: vencer.
Mas esse vencer era só a metade do todo. Vencer duas vezes era preciso, para nos sentirmos inteiros e reconhecermo-nos ao espelho. Por isso mesmo, embora num plano distinto, o que fez Jesus, mais ou menos como Trapattoni, foi vestir a pele do 'desejado'. Devolveu-nos, portanto, a outra metade, que se tinha evolado há 31 anos, com Sven-Goran Eriksson.
Hoje - sabemos que não é possível ganharmos sempre porque nunca foi -, pede-se, obviamente, um futuro de vitória. Ao jeito, se possível, dos anos 60 e 70, quando ganhar duas vezes até era pouco.
Mas o tema dos bicampeonatos e dos treinadores que os fizeram tem pano para mangas. Não se esgota em Jesus. Não se esgota no 'nacional'. Não se esgota nas épocas douradas.
Vale a pena, antes de esmiuçar o assunto, enquadrar outros 'bis' e outros contextos.
Saiba-se, por exemplo, que, cá em casa, foi Cosme Damião o primeiro técnico bilaureado - no Campeonato de Lisboa 1912/1913, prova, à época, rainha do futebol português.
Mais tarde, o inglês Arthur John alargou a proeza à primeira competição de carácter nacional. Acrescente-se que o Campeonato de Portugal - assim designado até mudar de nome para Taça de Portugal, em 1939 - só conheceu um 'bis' ao longo das suas 17 edições (1921/1922 a 1937/1938), precisamente o do Benfica de Arthur John, em 1930/1931.

'Bis' inteiros e outros 'bis'
Voltando ao 'Nacional', saiba-se, desde já, que foram nove os bicampeonatos do Benfica, cinco deles transformados em 'tri'. Quanto aos inteiros, ou seja, isolados no tempo, é curioso verificar que são, cada um deles, de um só treinador. Foi o húngaro Janos Biri quem debutou, vencedor em 1941/1942 e 1942/1943. De novo um húngaro desta feita o 'velho mago' Bela Guttmann, selou os títulos de 1959/1960 e 1960/1961, logo secundados em 1961/1962 pelo mais importante bicampeonato da nossa história: o dos Clubes Campeões Europeus. Sven-Goran Eriksson, o sueco que veio para transformar o nosso futebol, deixou para a história os títulos gémeos de 1982/1983 e 1983/1984. E, finalmente, Jorge Jesus assinou a retoma.
É verdade que Jesus foi o único treinador português a conquistar um duplo campeonato no Benfica. Mas um duplo é algo em que o primeiro não vive sem o segundo nem o segundo sem o primeiro. Nesta perspectiva, o também português Vítor Gonçalves, antigo jogador benfiquista e da selecção portuguesa, conduziu o clube ao seu primeiro título no 'Nacional' (1935/1936). Na época seguinte, conseguiríamos o bicampeonato, agora pela mão do húngaro Lippo Herckzka (seria dele o 'tri', na temporada seguinte). Numa situação semelhante estariam mais tarde o chileno Fernando Riera e o húngaro Lajos Czeizler, respectivamente campeões em 1962/1963 e 1963/1964. Mais um 'bi' que resultaria em 'tri', mas desta feita boa a batuta de um terceiro, o técnico sueco Elek Schwartz. Fernando Riera regressaria à ribalta em 1966/1967, abrindo as portas para um novo 'bi', rubricado em 1967/1968 a três mãos: a do próprio Riera, a do português Fernando Cabrita e a do brasileiro Otto Glória (desaguaria em 'tri' sob a sua liderança na época seguinte). Veio depois um demónio: Jimmy Hagan. Com os triunfos de 1970/1971, 1971/1972 e 1972/1973, o antigo ídolo do Shefield United tornou-se entre nós o único técnico a transformar um 'bi' num 'tri' absoluto.

Os 'bis' na Taça
Seguir-se-iam o jugoslavo Mirolad Pavic (1974/1975) e o português Mário Wilson (1975/1976), num tempo em que os treinadores do Benfica ainda se arriscavam a ser bicampeões. O 'velho capitão' encerraria o ciclo dos 'bis' partilhados ou não inteiros.
Para terminar, é preciso dizer que na Taça de Portugal também houve 'bis'. O já referido Janos Biri foi o motor de arranque, depois de vencer as edições de 1942/1943 e 1943/1944. Foi Biri, aliás, o único técnico a conseguir um 'bi-bi', se me é permitida a expressão - um 'bi' inteiro no campeonato e outro na taça. O inglês Ted Smith venceu as edições de 1948/1949 e 1959/1951 (em 1949/1950 não se realizou), transformadas, dois anos volvidos, no único 'tetra' da competição. Otto Glória (1968/1969 e 1969/1970) e José Augusto (1969/1970) dividiram as despesas do duplo seguinte. Em 1980/1981, o húngaro Lajos Baroti concluiu a obra de Mário Wilson (1979/1980), assinando o penúltimo. E, finalmente, o treinador magiar Paul Csernai (1984/1985) e o britânico John Mortimore (1985/1986) encerraram as contas.

Foi assim...
Imbatível
O inglês Jimmy Hagan conquistou para o clube, em 1971/1972, o sexto bicampeonato, transformado em 'tri' na época seguinte. O título de 1972/1973, alcançado sem derrotas, constitui ainda hoje a melhor performance na competição."

Luís Lapão, in Mística

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