quinta-feira, 14 de maio de 2015

(In)coerência

"Enquanto a minha cabeça já está no estádio D. Afonso Henriques, leio e ouço os habituais exageros face à iconografia do sucesso ou do fracasso. Bem sei que, neste mundo sequioso de quantidade, a hiperbolização linguística aumenta as audiências e as tiragens.
Vivemos freneticamente o tempo dos aumentativos, invadindo o reinado que já foi dos diminutivos. Sinal dos tempos? Já não é o tempo do ceguinho, é a hora do apagão. Já não se dá atenção à passagem da mocinha gordinha, porque os olhos estão virados para a boazona. Já não se escuta o passarinho esvoaçando, por causa do buzinão. O carrinho modesto e utilitário cede lugar ao jipão agressivo e urbanizado. Passado o tempo do Carcavelinhos há quem desespere pelo regresso do Boavistão (com Petit, treinador). E até o Luisão parece soar melhor que o diminutivo Luisinho.
Mais, maior, melhor. Super, hiper, maxi. São as medidas da maratona da vida numa caminhada sem stop. Uma corrida cada vez mais de cada um, no mar da intranquilidade egoísta e na construção efémera de fugazes cometas de miragens e de ilusões transaccionadas. Uma pressa em função do vazio que atirou para o sótão das inutilidades semânticas essa palavra: urgência!
Eficácia, eficiência, produtividade, rendibilidade, performance, ingredientes obsessivos de vidas-taxímetro, sem embraiagem para o espírito. Ou será que a felicidade apenas se mede por uma qualquer assíntota de matéria fungível?
Ah, todo este arrazoado para me distrair da penúltima jornada do campeonato. Na esperança de que o campeão passe a ser bicampeão. Ora aí está a minha (in)coerência. É, por causa dela, que também gosto do futebol."

Bagão Félix, in A Bola

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