terça-feira, 14 de abril de 2015

Caos criativo

"O saxofonista Ornette Coleman disse um dia que o 'jazz é a única música em que a mesma nota pode ser tocada noite após noite, mas de forma diferente de cada vez'. Lembrei-me do criador do free-jazz quando este fim-de-semana assistia, pela enésima vez, ao carrossel atacante do Benfica. E a questão é mesmo a repetição do 'carrossel atacante'.
Há quatro anos que se usa a expressão para caracterizar a forma como o Benfica ataca, envolvendo um grande número de jogadores em movimentações imprevisíveis. Ora parece-me bem que estamos perante um problema de denominação: se as movimentações são imprevisíveis, não podemos falar de um carrossel - por natureza uma formação em movimento circular e sem variação.
Quando, depois de 20 minutos de jogo, a Académica em asfixia implorava por uma pausa para respirar, ficou, para mim, claro que a gramática à qual obedece o Benfica não é a de um carrossel, aproxima-se mais do caos criativo, próprio do jazz. Reparem, há um equilíbrio colectivo, mas que está ao serviço dos desequilíbrios individuais aos solistas e que radica num método muito trabalhado, mas quase invisível.
A agressividade com que o Glorioso encara os jogos não se aproxima do movimento repetitivo do carrossel. Pelo contrário, o objectivo é sempre alterar as convenções tácticas: como sugeria Coleman, tocar a mesma nota, mas fazê-lo sempre de forma diferente. Umas vezes, com Lima a cair nas alas, outras com Gaitán e flectir para o meio, outras com Salvio na zona de finalização e, claro está, com Jonas a fazer tudo bem em todo o lado.
Tal como no jazz, mesmo nas suas variações mais radicais, esta criatividade pressupõe uma organização que é tão complexa e eficaz, quanto mais invisível e trabalhada. Afinal, nada é tão exigente como uma boa improvisação.

Resta agora superar um desafio: exibir este caos criativo em todos os palcos e não apenas na Luz."


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