"Deixem-me recuar uma semana, pois no futebol há imagens que perduram e renovam a paixão. Quando, num volte-face, o David Luiz marcou o golo que dava uma vida adicional a um PSG que tinha tudo para estar derrotado pelo Chelsea, tive a certeza de estar perante um desses momentos de reencontro de futebol consigo mesmo.
Mas não há momento sem contexto, e o de Londres era linear. De um lado, um jogar administrativo, que amarra jogadores talentosos a um modelo que tem tanto de eficaz como de desinteressante - é este o futebol do Chelsea de Mourinho; do outro, uma equipa em inferioridade numérica e que, muitas vezes, não ultrapassa a sua condição de repositório de craques com contratos milionários.
Provavelmente, sem um acrescento de drama, o PSG teria sido o amontoado de talento que teima em ficar aquém das suas capacidades. Ora, o drama eram as circunstâncias pessoais de David Luiz - o defesa que Mourinho viu partir com um alívio que não se cansou de verbalizar, que participou num cataclismo futebolístico no último Mundial, regressava a Londres.
Vi, vezes sem conta, as arrancadas irresponsáveis de David Luiz, pelo meio-campo acima, de bola controlada e com o abismo atrás de si, e sei que se trata de um jogador que tem o condão de desequilibrar, num só movimento, a sua equipa e o adversário. É essa atracção pelo risco que faz do brasileiro um jogador singular, que oferece improviso a um futebol que se deixou burocratizar.
Quando eu e o meu filho gritámos o primeiro golo do PSG como se fosse do Benfica, o Vicente, com o olhar ingénuo que tentamos não perder quando vemos um jogo de futebol, repetiu, perante as celebrações do David Luiz: 'Pai, ele está a dizer Benfica'. É muito provável que estivesse. Afinal, o David Luiz, na sua imprudência táctica, ajuda-nos a preservar um olhar infantil sobre o futebol. É essa a matéria de que são feitos os craques que não esquecemos."
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