sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Eusébio

"Passamos grande parte da nossa vida a desejar ser mais novos. Eu na passada segunda-feira, ao ouvir os relatos dos jogadores que jogaram com ou contra Eusébio, desejei ser mais velho. Como devia ser bom ir ao estádio e ver aquilo, ou talvez daquilo.
Percebi que para muitos era desporto, para outros era poesia, para outros era ballet mais para todos era arte. Eusébio já era imortal, mas nós comuns mortais gostávamos muito de com ele conviver, e por isso foi com tristeza que nos despedimos dele.
A decisão de trasladar o corpo de Eusébio para o Panteão Nacional foi recheada de polémica sem sentido. De facto, tal justifica-se numa tentativa de dar prestígio ao Panteão Nacional, que ganhará universalidade.
O arrepiante minuto silêncio de Old Trafford, com a bandeira das quinas a meia haste comoveu-me. A evocação em Santiago Bernabéu, mais esperada pela forte ligação dos dois clubes, e de Eusébio a Di Stéfano foi bonita.
Real e Man. United não são os maiores clubes do Mundo só porque ganham mais vezes, são também porque respeitam de forma singular aqueles que fizeram este desporto rei.
Muitos temos histórias, razões e sentimentos partilhados com Eusébio. Eu que não vi o monstro do futebol, deixo a minha sincera lembrança de homem afável e gentil, de como se pode ser tão grande e tão simples, de como se pode amar um clube, amar um País, e amar um desporto, sem odiar ninguém. O Benfica homenageou Eusébio com amor, tanto como ele tinha pelo clube.
Portugal viu partir Eusébio com irrepreensível respeito, tanto como ele tinha pelo País. O mundo do futebol despediu-se de Eusébio com paixão, tanta como ele tinha pelo seu desporto. Estaríamos empatados não fosse esta arreliadora e eterna saudade de ti Eusébio.
Este fim-de-semana há futebol mas morreu Eusébio..."

Sílvio Cervan, in A Bola

Quatro homens, uma paixão

"Quando tantos falam de Eusébio e alguns como se fossem os seus melhores amigos, recordo homens simples de tão simples amizades.

Eusébio morreu e como morreu, morreu também um bocadinho de todos nós, porque Eusébio foi o português do século XX que mais tocou transversalmente os portugueses, o que mais disse respeito a todos, como fica amplamente confirmado pela onda de consternação e admiração que a sua morte provocou. Nesse sentido, Eusébio foi e é um português culturalmente marcante. Eusébio era dos portugueses e ra como era, não era como alguém queria que fosse ou como alguém o queria fazer.
Eusébio não se deixou moldar nem seguiu estratégias; nunca se aproveitou da grandeza que teve e viveu com a intensidade com que jogou e viveu com a simplicidade com que jogou. Nunca foi mais nem menos do que ele próprio.
Às vezes duro e tantas vezes meigo, às vezes azedo e tantas vezes terno e gentil, às vezes com o rosto meio fechado de antipatia e quase sempre verdadeiro, amável e simples. Eusébio foi tão enorme que a Eusébio tudo se perdoava, mesmo quando não era fácil a relação com ele.
Como singelamente declarou esse brasileiro tão português que é Carlos Mozer, a única verdade que a maioria de nós pode testemunhar é que Eusébio sempre teve tudo o que esperamos de um ídolo. Foi tocante e admirável.
Mas nesta hora em que todos falam de Eusébio como se fossem os seus melhores amigos, sinto apenas vontade de recordar quatro homens, quatro homens simples que fizeram parte da vida simples de Eusébio.

Emílio Augusto Andrade Júnior é mais conhecido por Ti Emílio. Nasceu em Lisboa a 2 de Abril de 1921, é o proprietário dos restaurante Tia Matilde, na capital, e terá sido verdadeiramente o pai que Eusébio quase não teve.
Ti Emílio é um grande benfiquista no sentido da devoção mas sempre recusou fazer parte de qualquer direcção do clube. Foi sempre um benfiquista de ajudar e não de aparecer nas fotografias. Acompanhou a equipa encarnada anos e anos por todo o mundo e deu-lhe tantas vezes de comer que se tornou inseparável do emblema.
É de homem destes que se fazem os grandes clubes.
Ti Emílio vai fazer 93 anos, e desses anos todos muita da sua energia da sua generosidade e do saber foram dedicados a Eusébio.
Ti Emílio não precisa de dizer uma palavra sobre o seu filho negro. Todas as palavras do mundo seriam poucas para falar de tanta coisa.

É com o auxílio de um artigo do PORTUGUESE TIMES  de New Bedford, cidade próxima de Boston, no estado norte-americano do Massachusetts, região de muitos portugueses, que aqui recordo a figura de Vítor Baptista, o homem que ofereceu a Eusébio e ao Benfica a estátua que permanece no Estádio da Luz e que por estes dias se transformou no santuário à memória do 'pantera negra'.
Vítor Baptista é, pois, um emigrante português nos Estados Unidos, natural de Angra do Heroísmo, da açoriana ilha da Terceira, um emigrante de Boston, desde 1973, aonde chegou aos 18 anos, e foi ele o primeiro a lembrar-se de uma grande homenagem pública, e em vida, ao grande Eusébio. Não foi o Benfica, como por aí se ouviu.
O amor de Vítor Baptista pelo futebol, pelo Benfica e, em particular, a sua paixão por Eusébio, levou-o a tomar a iniciativa de mandar construir a estátua do maior jogador português do século XX, para deixar a figura às gerações seguintes.
«Recordo as grandes alegrias que Eusébio deu ao meu pai (precocemente falecido aos 40 anos), quando o Benfica na segunda Taça dos Clubes Campeões Europeus e de tantas outras tardes de glória nas décadas  de 60 e 70 tornou mais feliz a vida dos portugueses», disse, um dia, àquele jornal, Vítor Baptista, que explicou que a estátua que mandou erguer não deixou, também, de ser «uma homenagem a meu pai e a todos os portugueses que se identificam com os valores que Eusébio representava quando envergou a camisola do Benfica e da Selecção».
Dizia Vítor Baptista que Eusébio «era naquele tempo a única nota positiva do País, e o único que nos dava orgulho de sermos portugueses, com tantas e tantas alegrias que nos proporcionou atravás das vitórias que conseguia para Portugal no estrangeiro».
Confessou ainda que o facto de ser benfiquista teve pouca importância no projecto da estátua. «Admirava Eusébio pelas suas qualidades de atleta. Segui muito de perto a sua carreira. Vi-o jogar várias vezes e pelos contactos que tive com ele posse testemunhar que é um homem excepcional. Admiro-o pelas suas qualidades de carácter e pela sua honestidade como atleta. Eusébio mostrou sempre uma conduta irrepreensível dentro das quatro linhas, portando-se sempre correctamente com companheiros e adversários, raramente discutindo as decisões dos árbitros».
Foi este homem, que tão deliciosamente descrevia Eusébio, como se vê, que cumpriu em Janeiro de 1992 o sonho de oferecer ao 'pantera negra' e ao Benfica a estátua agora transformada em santuário. A 25 daquele mês daquele ano Eusébio fez 50 anos e Vítor Baptista quis apenas o que sempre quiseram muitos de nós: admirá-lo!

O nome de José Morais dirá menos aos portugueses do que os Ti Emílio ou Vítor Baptista, porque por uma ou outra razão, Ti Emílio e Vítor Baptista estão ligados a aspectos mais conhecidos da vida de Eusébio.
Amigo e confidente, companheiro, assessor e secretário, amparo e motorista, paciente e sempre presente, íntimo e permanente, quase da família e para sempre, José Morais é talvez o homem que, conhecendo há muito o 'pantera negra', mais de perto - tão perto, tão perto... - o acompanhou nos últimos dez ou quinze anos, se não estou em erro, para todos os cantinhos, mas mesmo todos os cantinhos do mundo.
Fosse Eusébio chamado a uma festa na África do Sul, ou convidado para homenagem na Polónia ou a uma palestra nos Estados Unidos ou a inauguração benfiquista no Canadá ou a um jogo de beneficência na Coreia do Sul, ia, sim, mas não ia sem José Morais.
E José Morais tudo fez para manter gigante a dignidade que o carácter, a figura e a dimensão de Eusébio mereciam.

Por último, lembro ainda o nome de Alcino António, provavelmente o maior e mais pessoal amigo que Eusébio teve nas direcções do Benfica desde o final da década de 80.
Como eu os admiro."

João Bonzinho, in A Bola

Está a ser difícil o adeus a Eusébio

"Eu sei que a vida continua e a actualidade pede que se virem, desde já, os holofotes para a Luz, palco do clássico entre Benfica e FC Porto no próximo domingo. Mas não me está a ser fácil deixar de falar de Eusébio da Silva Ferreira nem parar de reflectir sobre o seu legado.
A uma conclusão, nestes dias tão intensos emocionalmente, terei chegado: quem é celebrado pelos portugueses, que provoca consenso entre os que estão habitualmente desavindos e aproxima ricos e pobres, etnias e religiões, não é apenas o genial futebolista que encantou o Mundo. Se Eusébio tivesse somente como atributo uma extraordinária capacidade para o futebol não seria merecedor de um reconhecimento tão abrangente. Eusébio era mais do que isso, tinha a simplicidade daqueles que são verdadeiramente grandes.
Diz-se que o Estado Novo se aproveitou da imagem de Eusébio. É verdade. E o regime saído do 25 de Abril, também. Na medida em que a figura de Eusébio era indissociável da sociedade portuguesa. É curiosa a ideia feita de que a política nunca deve misturar-se com o desporto. E falaciosa. O desporto é o desporto, as causas é que diferem. Senão vejamos: acha-se mal que o ditador norte-coreano esteja a usar, neste momento, a figura de Dennis Rodman e vice-versa; mas toda a gente acha bem que Nelson Mandela tenha usado os Springboks como instrumento unificador da África do Sul na versão do País do Arco-Íris. Num caso e noutro é a política a utilizar o desporto como meio para atingir os seus fins. O que torna um dos casos odioso e o outro louvável é a natureza da causa, porque num e noutro as águas de política e desporto misturam-se
PS - Obviamente, silêncio durante o minuto de silêncio..."

José Manuel Delgado, in A Bola 

Eusébio e o poder

"O futebol tem sido objecto de um tratamento interesseiro, por parte do poder político, ao longo dos mais de cem anos da sua História em Portugal.
Não precisamos de recuar muito no tempo, basta analisarmos a segunda metade do século passado. A trilogia dos 3 F's - Fado, Futebol e Fátima - foi uma arma política de enorme importância na estratégia do anterior regime.
Mais recentemente, e porque não vivemos num regime ditatorial, a conduta tem sido mais de colagem aos grandes acontecimentos desportivos e às suas maiores referências.
Eusébio foi, e é, uma das maiores referências que Portugal tem no desporto, interna e externamente.
A sua dimensão levou a que se falasse de Portugal, e da situação portuguesa de então.
Por isso mesmo a sua imagem foi utilizada com objectivos políticos, sociais e económicos. Inclusivamente nestes últimos dias.
Todos os que tiveram a possibilidade de conhecer o King, sabem que a sua simplicidade era verdadeira. O seu talento reconhecido mundialmente. Nunca contabilizou em proveito próprio a rela dimensão que atingiu. Sempre disponível para colaborar com uma boa causa. Aliás, a sua postura em capo é bem demonstrativa da sua grandeza.
Mas a importância do futebol, e das suas referências, como Eusébio, teve grande influência na assimilação da língua portuguesa e na união criada entre povos com culturas distintas.
A rádio levava a palavra, fundamentalmente através dos relatos dos jogos de futebol, e nesse sentido fez mais que muitos institutos que consomem milhões de euros aos contribuintes portugueses.
A História será escrita e rescrita mas as grandes figuras nunca serão esquecidas."

José Couceiro, in A Bola

Obra indiscutível

"Como vejo Eusébio? Das inúmeras histórias que ouvi em casa, do que li e das imagens que fui vendo: Eusébio era um craque! Mesmo sem o conhecer pessoalmente admirava-o, não só por tudo o que foi como jogador, mas pela forma como ao longo dos anos serviu o país e o Benfica, como embaixador do futebol português e imagem de marca do seu clube do coração. A sua humildade, respeito, sentido de partilha, educação, paixão, entre muitas outras qualidades que decerto tinha, foram as que mais me ressaltaram.
A proximidade da Selecção Nacional nos jogos das grandes competições mostrou a importância da transversalidade de carisma dos grandes heróis, como ele é! Todos os jogadores precisam de conselhos, carinho, conhecimento e conforto quando estão sob stress competitivo, nomeadamente daqueles que mais admiram, reconhecem capacidade e talento fora do normal. Lembro-me da forma como no Euro-2004 acompanhou a equipa, do abraço que deu a Ricardo depois deste ter defendido sem luvas e marcado o penalti à Inglaterra, que permitiu o apuramento para a final.
Mas foi ontem ao ver a transmissão integral do Portugal x Coreia, superiormente comentada por três ex companheiros de Eusébio (Hilário, José Carlos e José Augusto) no Mundial de 66, que percebi a diferença que Eusébio fazia! Apoiado por uma geração de talento muito especial, que teve a grande vantagem de jogar regularmente as finais das competições europeias de clubes, o que lhes conferiu um à vontade e instinto para lidar com o stress competitivo, tomada de decisão, aproveitamento dos momentos chave dos jogos e que impulsionou indubitavelmente os resultados de excelência. Aquele jogo evidência muito do que as selecções precisam para funcionar eficazmente: um heróis bem secundado por jogadores experientes, habituados a jogar ao mais alto nível, com capacidade adaptativa para variar sistemas tácticos sem perderem a direcionalidade e estrutura colectiva. Virar um resultado de 3-0, num jogo de tudo ou nada, é obra indiscutível! A sua visualização é, com certeza, uma boa motivação externa à equipa que Paulo Bento está a trabalhar para levar ao mundial do Brasil!"

Tomaz Morais, in A Bola

Elesébio

"Hoje vou contar uma estória. Que começa como todas as outras. Era uma vez. Era uma vez um menino. Desse menino se dizia ter nascido pobre e de cor. Assim mesmo. Como se fossem dois defeitos juntos. Mas afinal o defeito era de quem tal dizia. Porque o menino era tanto de cor como branco, isto é, não era uma coisa nem outra. Era só um menino. E os meninos não têm cor.  São só meninos. Também não era pobre. Pertencia era a uma família com pouco dinheiro. O que é muito diferente. De resto, era rico, muito rico, até, absurda e incrivelmente rico no que mais importa.. E o que mais importa é aquilo que, de tão preciso, não se pode comprar. Por fortuna nenhuma. Porque não tem preço. Como é o caso de um dom. E este menino nascera com um talento ímpar. Alguns, vesgos de alma, diziam que era o de dar pontapés na bola. Coitados. Reféns da sua própria soberba, julgaram-se naturalmente superiores por falarem com desdém destas coisas. Pressupondo-as como menores, próprias do povo que no fundo desprezam e incompatíveis com o alto intelecto e superior cultura de que se presumem portadores. Certo é que à medida que o menino crescia aumentava também em todo o mundo o espanto e admiração pelos seus feitos. O maior dos quais foi o de conseguir unir na alegria e na dor as gentes a que pertencia. E foi tão forte o vinco feito no coração daqueles que gozaram da graça de o testemunhar que ele passou primeiro para o coração dos seus filhos e depois para os filhos destes. Foi por isso que, quando o menino se retirou de cena, muito, muito tempo depois de se fazer homem feito, mas antes ainda de se arrastar pelo terreno da vida, todo o povo, a maior parte do qual nunca o vira, venerou com lágrimas a sua partida. E agora recordá-lo-á para sempre apenas como Ele, o Eusébio."

Paulo Teixeira Pinto, in A Bola

Bola de Ouro Negra

"Um amigo meu espanhol, o jornalista Eduardo Torrico, dizia-me um dia: "Eusébio era único. Quando jogava com o Real Madrid metia medo. Nunca senti isto com outro jogador." Devo dizer que Eusébio foi o melhor jogador que vi jogar, ou melhor dito, o mais forte. Messi, Ronaldo, Figo, Maradona, Pelé, Cruijff eram ou são todos enormíssimos jogadores, mas nenhum tinha aquela força instintiva que distinguia o moçambicano. Era o talento mais puro e intratável e fisicamente era um portento de velocidade, força, capacidade de remate e, mais importante do que tudo para um futebolista, coordenação de movimentos.
Era a felicidade dos adeptos do seu clube ou da sua selecção, mas aos outros, aos adversários, metia medo. Era capaz de qualquer coisa, de marcar um golo de qualquer lado, porque tinha um tiro de canhão. E parecia indestrutível, apesar das seis operações que enfrentou ao longo da carreira. Eusébio apareceu num tempo de ditadura latina na Taça dos Campeões Europeus - Real Madrid, Benfica, Milan, Inter, 11 vitórias consecutivas até à vitória do Celtic, curiosamente em Lisboa, no Estádio Nacional. Eram anos do Portugal colonial, não deste Portugal aberto e europeu que produziu Figo e Ronaldo que são personagens globais beneficiando de uma máquina - televisão e redes sociais - que nem se imaginava nos anos 1960. Eusébio foi o primeiro negro a ganhar a Bola de Ouro (1965), mas a partir dali o domínio anglo-saxão tornou impossível regressar aos grandes êxitos, no clube e na selecção."

O Rei

"Os grandes reis ficam na História pelo cognome. No entanto, há um que difere de todos os outros ao ponto de se lhe substituir o nome pelo cognome. Para nós, Rei é Eusébio e Eusébio é um outro nome de Benfica, cujo cognome é Glorioso. É assim que no nosso imaginário o Rei é o Glorioso. É assim que no Benfica se edifica História. Mas este Rei é único, na medida em que não é herdeiro da coroa que ostenta nem deixou herdeiros para a sua coroa. Ele é o Rei único e insubstituível numa corte de vários príncipes e milhões de súbditos. Este Rei não nasceu herói, construiu-se herói ao longo da sua vida e nessa construção ajudou determinantemente o Benfica a transformar-se num Clube de dimensão universal e intemporal. É assim com os que são enormes entre os grandes: edificam-se, edificando um edifício maior do que a dimensão do sonho.
Ao vivenciarmos Eusébio deveremos perceber que, muito esporadicamente, a História dá-nos o privilégio de assistir à metamorfose do homem que transcende da sua condição ao ponto de se tornar um mito. Um dia, o homem parte e fica o mito. Quando o que restava de humano partiu no domingo passado, ficou a herança e a responsabilidade dos seus súbditos perceberem que houve uma fase em que Eusébio jogou e ganhou para o Benfica. Fê-lo durante anos, golos, vitórias, lesões e sacrifícios a fio. Agora, é chegada a hora de o Benfica jogar e ganhar pelo Eusébio. Apenas assim os súbditos do Rei continuarão a construir o Glorioso."

Pedro F. Ferreira, in O Benfica

D’ Eusébio

"E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
(Luís Vaz de Camões; Os Lusíadas; Canto I – Estrofe 2)

O meu pai não gostava muito, mesmo nada de futebol. A primeira (segunda e terceira) vez que vi o Benfica a jogar num estádio foi a acompanhar o meu pai nas bancadas. Talvez fosse ao contrário por eu ser menor de idade. E foram as únicas em que vi Eusébio jogar num estádio. Estreei-me, em 1971, aos 10 anos na final da Taça em Portugal. Eusébio marcou o nosso golo mas não chegou. Qual Sporting e Futebol. Para o meu pai só contava Eusébio.
A segunda foi de Gala. Nem dormi. Ia ver o “Glorioso” na “Catedral” na meia-final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, frente ao poderoso Ajax holandês, campeão europeu na época anterior, recheado de vedetas. Em 1972, com 11 anos, o zero-a-zero afastou o “Manto Sagrado” da final. Qual Suurbier, Krol, Neeskens, Keizer, Cruyff e Futebol. Para o meu pai só contava Eusébio.
Terceira presença (e última com o meu pai) nas bancadas, segunda na Luz, em 1973, eu com 12, o meu pai com 34 anos, num encontro de Gigantes, na “Festa de Homenagem” a Eusébio com o Benfica frente a uma selecção do “Resto do Mundo” da FIFA cheiinha de estrelas. Empate a dois golos. Qual Banks, Iribar, Jackie Charlton, Blankenburg, Netzer, Bobby Charlton, Paulo César, Best, Keita, Kaiser, Seeler, Dirceu, Gento e Futebol. Para o meu pai só contava Eusébio.
Eusébio tinha esse poder. Era adorado, reverenciado e honrado pelos miúdos como eu que na rua, enquanto “se futebolava”, gritávamos ser (querer ser) Eusébio. Era admirado, respeitado e honrado por quem nem se interessava pelo Futebol. Como o meu pai."

Alberto Miguéns, in O Benfica

Recordações de Eusébio

"Os últimos golos da sua carreira.
Toda a gente tem a sua história pessoal para contar sobre o grande Homem que agora nos deixou (até Sócrates, com as suas conversas delirantes e irresponsáveis, achou por bem fazê-lo), pelo que não surpreenderá que eu não fuja à regra e seja mais um a engrossar o pelotão dos seus fervorosos admiradores, com "estórias" e outros casos para partilhar. Porém, através de narrativas um pouco mais verídicas do que as do ex-governante, bem entendido.
Tendo acompanhado com toda a atenção a carreira de Eusébio pelos jornais, desde a sua vinda para Lisboa, em Dezembro de 60, e depois também pela rádio e televisão, nunca pensei, nessa altura, que um dia pudesse chegar à fala com o "fenómeno". Contudo, o facto de ter, mais tarde, enveredado pela carreira de jornalista facilitou bastante o contacto inicial (e os que se seguiram).
Isso aconteceu em Outubro de 73, já depois de o ter visto por inúmeras vezes "ao vivo", como jogador, e ter estado, inclusive, muito perto dele, no decorrer de um treino da selecção, quando, já jornalista do "Diário de Notícias", acompanhei os trabalhos da equipa na véspera do confronto com a Bulgária, de qualificação para o Mundial-74. Nessa altura, só tive ocasião de falar com o seleccionador José Augusto, que me possibilitou uma entrevista que o jornal daria à estampa, no dia seguinte. Mas, dias depois, cumprimentei-o mesmo, no final do Benfica-Ujpest, que os encarnados empataram a um golo para a Taça dos Campeões. 
Eusébio tinha marcado o golo da equipa (de cabeça, lembro-me) e era alvo de toda a atenção por parte de muita gente, jornalistas e não só, e, no meio de toda aquela balbúrdia, que os tempos eram outros, o enviado do DN ao jogo possibilitou-me a aproximação à "pantera", que denunciou, logo ali, a simplicidade e simpatia que se lhe apontava, mas que então testemunhei e que o futuro haveria de confirmar. Estávamos no dia 24 de Outubro de 73 e o golo marcado aos húngaros fora o último conseguido por Eusébio nas provas da UEFA, já que em Budapeste e nos quatro jogos da época seguinte em que participou, ficou em branco. 
Agora, nesta hora de puxar pelas recordações, lembrei-me de que o tal jogo da selecção com os búlgaros tinha sido a 13 do mesmo mês e constituíra o último encontro do "Rei" pela equipa nacional. Não tendo facturado nesse duelo (Simões e Quaresma é que foram os marcadores de serviço), o meu passo seguinte foi o de ir em busca do último golo de Eusébio pela selecção. E de novo me deparo com 1973. Pela televisão, assisti à marcação desse golo, de grande penalidade, frente à Irlanda do Norte, num jogo realizado na inglesa Coventry, em virtude de Belfast se encontrar a ferro e fogo.
Feita a ficha internacional, digamos assim, faltava identificar o último golo de sempre de Eusébio pela equipa da Luz. Aconteceu em Março de 75, em Setúbal, na última época em que esteve ao serviço do seu Benfica. Jogo importante, já que, a cinco jornadas do fim, a diferença pontual sobre o Sporting ainda nada garantia. Eusébio inaugurou o marcador, mas o Vitória deu a volta ao resultado e ganhou por 2-1, ainda os sadinos do mecenas Xavier de Lima davam cartas e o PREC ainda não tinha feito das suas.
Em resumo, estive em todos os golos de despedida de Eusébio, quer no Benfica, quer na selecção, embora o golo pela "equipa de todos nós" não tenha sido presenciado "in loco", mas pela TV. Não, não ia a caminho da escola. Vi o golo tranquilamente em casa e percebi que, com Eusébio já na fase descendente da sua fabulosa carreira, teríamos de esperar muito tempo para revivermos as alegrias de Julho de 1966."