sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Elesébio

"Hoje vou contar uma estória. Que começa como todas as outras. Era uma vez. Era uma vez um menino. Desse menino se dizia ter nascido pobre e de cor. Assim mesmo. Como se fossem dois defeitos juntos. Mas afinal o defeito era de quem tal dizia. Porque o menino era tanto de cor como branco, isto é, não era uma coisa nem outra. Era só um menino. E os meninos não têm cor.  São só meninos. Também não era pobre. Pertencia era a uma família com pouco dinheiro. O que é muito diferente. De resto, era rico, muito rico, até, absurda e incrivelmente rico no que mais importa.. E o que mais importa é aquilo que, de tão preciso, não se pode comprar. Por fortuna nenhuma. Porque não tem preço. Como é o caso de um dom. E este menino nascera com um talento ímpar. Alguns, vesgos de alma, diziam que era o de dar pontapés na bola. Coitados. Reféns da sua própria soberba, julgaram-se naturalmente superiores por falarem com desdém destas coisas. Pressupondo-as como menores, próprias do povo que no fundo desprezam e incompatíveis com o alto intelecto e superior cultura de que se presumem portadores. Certo é que à medida que o menino crescia aumentava também em todo o mundo o espanto e admiração pelos seus feitos. O maior dos quais foi o de conseguir unir na alegria e na dor as gentes a que pertencia. E foi tão forte o vinco feito no coração daqueles que gozaram da graça de o testemunhar que ele passou primeiro para o coração dos seus filhos e depois para os filhos destes. Foi por isso que, quando o menino se retirou de cena, muito, muito tempo depois de se fazer homem feito, mas antes ainda de se arrastar pelo terreno da vida, todo o povo, a maior parte do qual nunca o vira, venerou com lágrimas a sua partida. E agora recordá-lo-á para sempre apenas como Ele, o Eusébio."

Paulo Teixeira Pinto, in A Bola

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